Há uma década, uma "dica" de investimento se tornou comum nas rodas de conversas entre a classe mais abastada brasileira: a compra de imóveis na Flórida. Naquele momento, o investimento parecia infalível e requintado, diante de uma combinação entre taxa de câmbio convidativa ao brasileiro e preços dos imóveis americanos bastante depreciados após a crise financeira de 2008, com a eclosão da bolha imobiliária por lá.
Anos depois, muitos perderam dinheiro e viram que o custo dessa estratégia poderia ser alto. No entanto, seguem investindo no setor imobiliário americano, mas agora em ativos financeiros, assim como tantos outros brasileiros que foram empurrados para a diversificação no exterior por conta do ambiente de juro baixo no Brasil.
Casa em Miami significa mais contas no fim do mês
Se antes compravam pequenas mansões perto da Disney, agora os abonados adquirem cotas de fundos que investem em imóveis. "Os investidores perceberam que os custos de carregamento, como impostos, seguro, condomínio, água, luz, consomem parte relevante do potencial de valorização do ativo. E estão se desfazendo dos imóveis e realocando os valores para investimentos em fundos atrelados ao mercado imobiliário", diz o vice-presidente executivo da YellowFi Management, Cássio Segura. Nos fundos de investimento, esses brasileiros continuam expostos ao risco do mercado imobiliário, mas sem os custos inerentes a posse de um imóvel e com maior flexibilidade de liquidez.
Na YellowFi, a participação dos brasileiros em um dos fundos de crédito imobiliário da casa passou de 33% do total dos investidores, em junho de 2018, para 52%, em maio. "O número de novos negócios, bem como a quantidade de consultas, tem aumentado desde o início do ano", afirma Segura.
Tamanho do mercado americano traz mais diversificação
Com o mercado gigantesco dos Estados Unidos, há muitas opções. Um dos fundos da gestora Leste, por exemplo, compra só prédios de clínicas médicas. A gestora, que em 2015 abriu uma sede em Miami, caça imóveis americanos para compor o portfólio, que poderá ter até 12 ativos. Em um período de três a cinco anos, os cotistas recebem trimestralmente uma renda, vinda dos aluguéis dessas clínicas. Vencido o prazo, a gestora busca o próximo dono para todo o portfólio do fundo, muitas vezes grandes investidores, como os fundos de pensão. E os cotistas recebem o retorno do investimento.
"De um ano para cá, o interesse aumentou muito. O investimento no setor imobiliário é algo mais tangível e o entendimento acaba sendo maior", afirma o sócio do Grupo Leste, Stephan Sabrit. A procura por parte dos investidores, que caiu no início da pandemia diante das incertezas, deu novo salto nos meses de maio e junho. "São os novos tempos de juros baixos no Brasil", afirma Sabrit.
Brasileiros buscando rentabilidade no exterior cresceram cinco vezes no último ano
Se antes os endinheirados procuravam proteção patrimonial nos investimentos no exterior, agora buscar diversificação fora do Brasil faz parte da estratégia para obter retorno. Isso já aparece nos últimos dados do Banco Central, com mais brasileiros fazendo aplicações fora do País. Mesmo com o real valendo menos em relação ao dólar, nos cinco primeiros meses do ano foram US$ 3,5 bilhões dos investidores brasileiros para fundos no exterior, quase cinco vezes mais que o mesmo período de 2019, quando a taxa de câmbio era mais atrativa.
A mudança da dinâmica dos investimentos do brasileiro devido aos juros baixos na economia - zerados em termos reais - está empurrando cada vez mais gente para investimentos alternativos, diz Marson Cunha, diretor da Midtown Capital Partners, plataforma de gestão de investimentos em ativos imobiliários com sede em Miami. Para os brasileiros mais endinheirados, os investimentos no exterior já são, na verdade, uma realidade antiga, mas antes estavam mais concentrados em ações e em títulos de dívida (os bonds, como são chamados em inglês). Agora, esse grupo dá mais um passo rumo à diversificação, afirma Cunha.
Expectativa é de novas oportunidades com crise do covid
Com o lançamento de dois novos fundos, o olhar da casa está nos imóveis de empresas do setor hoteleiro, turismo e varejo nos Estados Unidos, por exemplo, os quais foram bastante afetados pela crise trazida pela pandemia do covid-19. A percepção, segundo Cunha, é que os preços dos imóveis vão cair mais, abrindo a chance para a compra de ativos para um fundo chamado de "oportunístico". O apetite dos investidores por esse tipo de produto é crescente, diz.
Os ativos imobiliários financeiros considerados alternativos são aqueles que não são negociados em Bolsa e são ilíquidos, muitas vezes com um amadurecimento de cinco a sete anos, afirma Luiz Pacheco, sócio da Brainvest, responsável por US$ 2 bilhões sob gestão globalmente. Mesmo que esse prazo chame a atenção dos novatos nos investimentos alternativos, os ativos no setor imobiliário costumam ser bem aceitos pelos brasileiros. É uma questão cultural do brasileiro com o imóvel, diz.
"A contrapartida para o maior retorno é a falta de liquidez, o que não é comum para o investidor que está começando", diz Pacheco. Segundo ele, os investimentos alternativos no setor imobiliário acabam sendo uma porta de entrada para outras aplicações alternativas. Dessa forma, os brasileiros começam a olhar também nos Estados Unidos uma opção de venture capital e, até mesmo, um mercado bilionário por lá - de compra de seguros de vida.
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