O projeto de lei que propõe uma revisão geral nas regras de licenciamento ambiental do País será relatado por um deputado da bancada ruralista, o deputado federal Neri Geller (Progressistas-MT).
Geller, que é vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), uma das maiores do Congresso, foi um dos principais articuladores para a escolha de seu colega de partido Arthur Lira (Progressistas-AL) como presidente da Câmara. Agora, assume a relatoria da Lei Geral do Licenciamento Ambiental com a articulação e apoio do chefe da Casa.
Por dois anos, o projeto que prevê mudanças profundas nas regras de licenciamento ambiental ficou nas mãos do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP). Várias versões do texto foram elaboradas, após encontros com organizações socioambientais, especialistas do setor e a própria bancada ruralista. O texto quase chegou a seguir para votação em plenário, mas depois de mudanças repentinas feitas sem acordo, acabou por não ser votado.
Neste ano, o deputado Zé Vitor (PL-MG) assumiu a relatoria do projeto, mas nem chegou a avançar nos debates e acordos. Agora, a proposta será relatada por Neri Geller. “Tentamos dividir melhor as tarefas. Alguns estavam muito sobrecarregados e outros com poucas funções”, disse Zé Vitor ao Estadão.
A visão do governo e do agronegócio entende que o licenciamento ambiental tem sido "obstáculo" para o avanço da infraestrutura, sejam obras de transportes, energia, saneamento ou expansão agrícola e pecuária. A tentativa é fazer com que o projeto de lei flexibilize uma série de processos que acontecem hoje, o que inclui ações como licenciamento autodeclatarório e unificação de etapas com prazo reduzido.
Ao Estadão, o deputado Neri Geller disse que conhece o projeto, porque já fazia parte do grupo de estudos da proposta desde a relatoria de Kim Kataguiri. Perguntado sobre sua experiência na área ambiental, disse que domina o tema por ter sido coordenador ambiental da FPA, em 2019.
O novo relator vê o texto atual como uma proposta “madura para ser votada” em, no máximo, 90 dias, mas afirma que ainda vai ouvir as partes interessadas. “É um projeto necessário para a preservação ambiental, porque traz segurança jurídica para obras necessárias e penaliza o crime", comentou. “Vamos ouvir os interessados de novo e faremos um cronograma de trabalho. Não vamos atropelar, mas não tem debate ideológico.”
Ao assumir a relatoria do projeto de lei do licenciamento, Neri Geller disse que deixará de ser relator de outro projeto complexo e que divide opiniões entre ambientalistas e o agronegócio: a regularização fundiária. O sistema da Câmara ainda apontando Geller como relator para os dois projetos de lei.
“Mesmo que se confirme a relatoria do deputado em apenas um deles, considero que propostas polêmicas como essas não têm condições mínimas de serem votadas diretamente em Plenário no ápice da pandemia, sem participação da sociedade. Mais de 250 organizações da sociedade civil acabaram de divulgar uma carta pública exatamente nesse sentido”, disse Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas da organização Observatório do Clima.
Em documento publicado na segunda-feira, 15, as organizações pedem aos presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (DEM), respectivamente, para que concentrem os esforços do Congresso no enfrentamento da pandemia de covid-19 e não se dediquem a propostas legislativas que representem retrocessos ambientais.
“O trator ruralista já começou a andar e vai querer atropelar qualquer um que esteja no caminho. São leis que impactam fortemente a sociedade e, com textos na linha de flexibilizar ao máximo as regras atuais, irão beneficiar o crime ambiental, impulsionando o desmatamento e outras formas de degradação”, disse Suely Araújo, que foi presidente do Ibama. “É importante entender, também, que a regularização da grilagem e uma lei que aceite licenças ambientais esvaziadas jogarão contra a credibilidade brasileira no mercado internacional.”
Ex-ministro
Neri Geller foi ministro da Agricultura entre 2014 e 2015, durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff. No fim de 2018, ele chegou a ser preso no âmbito da Operação Capitu, deflagrada pela Polícia Federal dentro de investigações por irregularidades no Ministério da Agricultura.
Segundo a PF, o esquema deflagrado pela corporação envolvia adoção de medidas que beneficiavam o setor de produção de proteína animal. Em troca, integrantes da pasta recebiam propina. Dois dias depois da prisão. Geller conseguiu um habeas corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Neri Geller nega irregularidades.
Por meio de nota, o parlamentar afirmouque “não há, até o momento, qualquer denúncia envolvendo seu nome, bem como, nunca fora intimidado a depor” e que “o HC foi concedido em 24 horas dada a irregularidade da prisão”.
“Ao que parece, prende-se porque não colaborou por completo, mais como punição do que por riscos presentes. Não sendo lícita a prisão, preventiva ou temporária, por descumprimento do acordo de colaboração premiada, tem-se efetivamente situação de ilegalidade”, traz trecho da decisão do ministro Nefi Cordeiro, segundo o parlamentar .
Geller disse que não é réu em nenhum processo relacionado ao assunto e segue à disposição para quaisquer esclarecimentos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.