Ao menos duas das principais agências de classificação de risco, S&P Global Ratings e Fitch Ratings, podem elevar a nota de crédito do Brasil ainda no primeiro semestre deste ano, caso a economia consiga mostrar o impulso mais pronunciado que está sendo esperado. A avaliação de analistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast é a de que o momento atual é de espera e que essas instituições querem confirmar se o crescimento realmente virá.
A aceleração da atividade ajuda a melhorar a proporção entre a dívida do governo e o Produto Interno Bruto (PIB), indicador de solvência e um dos principais pontos do conjunto de análise sobre a nota de crédito de um país. Economistas acreditam que o avanço do coronavírus pode ter algum impacto negativo na atividade no primeiro trimestre, acompanhando a piora esperada para a atividade da China e da economia mundial. Mas a avaliação é que esse efeito deve ser dissipado ao longo do ano.

Mesmo depois da aprovação da reforma da Previdência no ano passado, tanto S&P quanto Fitch mantêm a nota do País três níveis abaixo do grau de investimento - as frustrações com o projeto ainda durante o governo do presidente Michel Temer foram justamente o estopim para o rebaixamento do rating.
A Moody's classifica o Brasil um degrau acima das demais, mas ainda em nível especulativo. "Com a aprovação da reforma da Previdência, o Brasil mudou de patamar e a nota não ficou coerente com tudo que se avançou na agenda", ressalta o ex-secretário do Tesouro Nacional e atual economista-chefe do ASA Bank, Carlos Kawall.
Para a codiretora de rating soberano para as Américas da Fitch Ratings, Shelly Shetty, uma recuperação da economia brasileira é esperada para 2020, mas ainda com fôlego contido. Ela complementou que será necessário primeiro ver quanto progresso haverá em relação à aprovação de reformas neste ano.
A S&P indicou em dezembro que poderá elevar o rating soberano do Brasil, ao manter a nota, mas revisar a perspectiva de neutra para positiva. Atrelou o movimento, contudo, à melhora na dinâmica do PIB para além das expectativas da instituição, ou ainda, à redução do déficit fiscal e estabilização da dívida.
"Há uma crescente chance de uma melhora do rating soberano no primeiro semestre", afirmam os economistas do banco americano Citi.
De acordo com o Banco Central, a dívida bruta encerrou 2019 em 75,8% do PIB, ante 76,5% em 2018. Foi o primeiro recuo anual desde a passagem de 2012 para 2013, quando chegou a 51,5% do PIB. O secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, estima que o endividamento não deve mais passar os 80% do PIB, como se previa anteriormente.
Segundo projeções do Tesouro Nacional, a dívida bruta deve atingir o pico em 2020, de 78,2% do PIB, e passará a cair nos anos seguintes. "Ainda assim, está longe do patamar de países com perfil similar ao Brasil", ponderou.

Kawall diz acreditar que, no primeiro trimestre, a Fitch pode alterar a perspectiva para positiva. "Apostaria em upgrade mais para o final do ano. Há reformas importantes tramitando no Congresso. Eu, no lugar deles (agências), observaria mais a economia, se é mais para 2% ou 2,5% ou se vai frustrar." Com relação à Moody's, diz, o mais provável é esperar que não se mova, mas poderia colocar uma tendência positiva este ano.
Tatiana Pinheiro, economista chefe da BNP Paribas Asset Management, ressalta que o Credit Default Swap (CDS) de cinco anos do Brasil, um derivativo que protege contra calotes na dívida soberana, e termômetro do risco país, caiu abaixo de 100 pontos, o que já seria indicativo de uma elevação de rating. Como comparação, diz, países que são grau de investimento, como Colômbia e Croácia, têm CDS entre 50 e 70 pontos. "Esse descasamento entre o precificado e a classificação das agências sempre sinalizou ajuste. Alguém sempre ajusta: ou o preço ou as agências", afirma Tatiana. "Faz sentido esperarmos a revisão da nota do Brasil no primeiro semestre. É bem factível."
"É natural um upgrade agora", afirma o sócio e gestor da Trafalgar Investimentos, Ettore Marchetti. Para ele, as reformas devem avançar e as agências só estão esperando a confirmação da aceleração da atividade. "As agências avaliam muito a trajetória (da dívida) em si." O Brasil, observa, é uma das poucas histórias de crescimento hoje em um mundo em desaceleração. Em relação ao coronavírus, Marchetti avalia que tem se consolidado a visão de impacto concentrado na atividade global nos primeiros meses do ano, considerando que os governos têm agido rápido para conter o avanço da epidemia.
As agências de rating sempre fazem análises comparativas entre países pares. E o Brasil teve alguns avanços importantes nesta comparação, observa o gestor e sócio-diretor da TAG Investimentos, Dan Kawa. A perspectiva fiscal melhorou com a aprovação da Previdência e agora falta a confirmação de aceleração da atividade, afirma ele. Em um mundo que cresce pouco, um PIB ao redor de 2% já poderia desencadear a elevação da nota.
Grau de investimento
Mas para voltar a ostentar a nota grau de investimento, todos concordam: o caminho ainda é longo e é preciso persistir na trajetória que garanta sustentabilidade fiscal e crescimento econômico sustentável, que levem a uma relação entre dívida bruta e PIB de ao menos 15 pontos. Para Kawa, esse selo só deve vir daqui a "24, 36 meses".
Tatiana Pinheiro ressalta que, vendo o histórico de países que perderam e recuperaram o grau de investimento, o tempo médio entre a perda da nota e a recuperação desse status é de seis anos. Mas a Colômbia levou 12, o Uruguai, nove, a Coreia do Sul, um. A Rússia conseguiu recuperar em três, enquanto Portugal, em cinco anos.