Como a empresa de energia do Amazonas virou alvo de interesse dos irmãos Batista; entenda

Âmbar - a empresa de energia dos irmãos Batista - tenta assumir a Amazonas Energia, mas enfrenta impasse cheio de idas e voltas envolvendo Aneel, governo Lula e Justiça; donos da Âmbar dizem que proposta traz solução para problema antigo e beneficia os consumidores

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA - Mais da metade da energia fornecida pela Amazonas Energia é consumida por “gatos” de furto de eletricidade e a empresa tem mais despesas do que receitas. Ainda assim, entrou no radar dos irmãos Joesley e Wesley Batista, os donos da J&F, gigante que começou no mercado de proteína animal e se expandiu até hoje alcançar o setor financeiro — eles são donos da PicPay e do Banco Original.

Os irmãos Joesley e Wesley Batista comandam um grupo gigante que começou no mercado de proteína animal e se expandiu e hoje também está presente em outros setores, como o financeiro Foto: Fotos: Paulo Giandalia e Werther Santana/Estadão

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Como o fornecimento de energia no Amazonas, um Estado com cerca de 4 milhões de habitantes, entrou no radar dos empresários e provocou uma disputa que se arrasta há meses nos gabinetes em Brasília?

Desde junho, a Âmbar, a empresa de energia dos irmãos Batista, tenta assumir a Amazonas Energia. A proposta foi feita no dia 28 de junho, duas semanas depois de o governo Luiz Inácio Lula da Silva editar uma Medida Provisória retirando obrigações que pesavam sobre a companhia amazonense e repassando o custo para os consumidores por 15 anos.

O custo para a conta de luz de todos os brasileiros

A conta a ser repassada para todos os consumidores do País é de R$ 8 bilhões, de acordo com cálculo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) - a agência depois elevou esse cálculo para R$ 9,7 bi. O valor será incorporado às contas de luz.

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A proposta inicial da Âmbar, por sua vez, custaria o dobro (R$ 16 bilhões). No último dia 27, em meio a um impasse na Aneel sobre quanto custará resgatar a Amazonas Energia, a empresa fez uma segunda proposta, pela qual o custo para os consumidores cai para R$ 14 bilhões, ainda assim mais alto do que o calculado pela agência.

A divergência permanece e passou a envolver, além da Âmbar, da Aneel e do próprio governo Lula, o Judiciário do Estado do Amazonas, que determinou que a empresa seja repassada imediatamente ao controle dos irmãos Batista, mesmo que ao custo cheio (R$ 16 bilhões).

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defensor da transferência, pressionou a Aneel para aceitar a proposta. Ele alega que a alternativa, a devolução da concessão para a União, custaria R$ 4 bilhões para o governo federal além de mais R$ 2,7 bilhões por ano em ressarcimento à atual controladora da Amazonas Energia. Procurado, o Ministério de Minas e Energia informou que solicitou à direção da Aneel uma solução técnica para o problema.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, defensor da transferência da Amazonas Energia para a Âmbar, pressionou a Aneel para aceitar a proposta Foto: Ricardo Botelho/MME

A ‘mera coincidência’ dos negócios

Os irmãos Batista chegaram formalmente à Amazonas Energia dois dias antes da edição da MP, em 10 de junho, quando anunciaram a compra de 13 usinas termoelétricas da Eletrobras por R$ 4,7 bilhões. A aquisição incluiu 11 usinas termoelétricas que fornecem energia para a Amazonas Energia e que desde novembro estavam sem receber.

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Após a privatização, em 2022, os controladores da Eletrobras decidiram que a empresa deveria se desfazer de usinas termoelétricas e esses ativos foram disputados por grandes atores do mercado. A Âmbar havia comprado a termoelétrica a carvão de Candiota, no Rio Grande do Sul. Outros interessados, como o banco BTG em associação com a Eneva, e fundos estrangeiros, também fizeram ofertas pelas usinas.

Mas as termoelétricas do Amazonas tinham um problema: como a Amazonas Energia não pagava a conta, comprá-las significava assumir também o risco de inadimplência. A Âmbar topou assumir esse risco, conforme a Eletrobras mencionou em comunicado divulgado na ocasião: a empresa dos irmãos Batista se dispôs a assumir “de imediato” o risco de calote, ou seja, antes mesmo de o negócio ser totalmente concluído.

Dois dias depois, veio a MP, e o risco de inadimplência desapareceu porque a despesa pelo pagamento das térmicas saiu da conta da Amazonas Energia e foi repassada para a Conta de Energia de Reserva, paga por todos os consumidores do País. O governo alegou que essa mudança não geraria custos para o consumidor, o que foi rebatido por especialistas.

Questionado dias depois por deputados em uma audiência na Câmara dos Deputados, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, classificou a sucessão dos acontecimentos — a edição da MP apenas dois dias depois do negócio fechado pela Âmbar — como “mera coincidência”.

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No acordo de venda das térmicas para a Âmbar, a Eletrobras acertou também que, caso a empresa dos irmãos Batista comprasse a Amazonas Energia, o saldo da inadimplência do passado poderia sair do balanço de dívidas da distribuidora e ser convertido em participação da Eletrobras caso a Amazonas passe a dar lucro.

O valor é significativo, uma vez que o passivo com a Eletrobras representa 80% da dívida da Amazonas Energia, avaliada em cerca de R$ 10 bilhões.

Desde então, concorrentes passaram a entender que o passo seguinte da Âmbar seria comprar a Amazonas Energia, o que não demorou a acontecer.

Especialistas usam como parâmetro de comparação o que foi feito por empresas privadas que assumiram a distribuição de energia no Pará e em Rondônia e acreditam ser possível que, com algum esforço, a Âmbar consiga lucrar no Amazonas reduzindo as perdas de energia decorrentes de furtos e diminuindo os custos de operação.

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Depois de semanas de tensão, a Aneel aprovou a venda da Amazonas Energia para a Âmbar com condições que a compradora rejeita Foto: @Aneel via Youtube

O ‘gato’ e os prejuízos da distribuidora do Amazonas

A Amazonas Energia tem o maior porcentual de energia furtada do País, 69% – para se ter ideia, a Light, que opera no Rio e que também tem o “gato” como problema relevante, opera com a marca 32% de furto de energia na baixa tensão (mercado que reúne residências, pequenas indústrias e a maioria dos consumidores).

Além disso, a Amazonas Energia é uma empresa deficitária. Tem R$ 10,06 bilhões em dívidas e geração de caixa negativa, ou seja, recebe menos do que gasta para operar. A distribuidora do Amazonas é controlada pelo Grupo Oliveira Energia desde 2019, quando assumiu a empresa já com desequilíbrios que se aprofundaram desde então.

Além dos furtos de energia, a empresa tem elevado grau de inadimplência. Antes de a Âmbar aparecer como compradora, um grupo de trabalho montado pelo Ministério de Minas e Energia havia condenado a situação da empresa.

Relatório do grupo assinado em fevereiro afirmava que a “situação econômico-financeira em que se encontra a Amazonas Energia é insustentável pela combinação de elevado endividamento, e a situação de inadimplemento que daí decorre, com a reduzida geração de caixa decorrente da dificuldade do atual concessionário em operar conforme os critérios de eficiência admitidos nas tarifas.”

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Por isso, o pagamento da dívida e a redução dos custos da operação são pontos centrais do processo.

Ao fazer uma proposta pela Amazonas Energia, a Âmbar demonstrou interesse em entrar no ramo de distribuição de energia e expandir seus negócios. Ao comprar as usinas da Eletrobras, avaliou que sua capacidade de geração de energia poderia dobrar. A empresa argumenta que o plano apresentado gera lucros para ela e benefícios para o consumidor, mas não convenceu a Aneel disso até o momento.

A companhia havia se proposto a pagar R$ 6,5 bilhões da dívida da Amazonas Energia até o ano que vem, o que foi considerado pela Aneel insuficiente. A agência entende que a empresa dos irmãos Batista precisa pagar o total da dívida, avaliada em pouco mais de R$ 10 bilhões, até o fim de 2024, se assumir a companhia amazonense.

Os últimos acontecimentos da ‘novela’ Âmbar

Na quarta-feira, 2, a Âmbar mudou o plano e se comprometeu a pagar R$ 6,5 bilhões da dívida da Amazonas Energia em 2024. O restante seria diluído ao longo de 14 anos, período em que os custos da operação serão bancados por consumidores de todo o País. Depois, a empresa corrigiu a proposta e, em vez de colocar um valor fixo, afirmou que o pagamento da dívida corresponderá ao necessário para reduzir o endividamento da companhia a níveis aceitáveis (calculando que isso custaria aproximadamente R$ 7 bilhões).

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“O plano apresentado pela Âmbar enfrenta a realidade dos fatos: em 25 anos, sob gestão de duas empresas do setor elétrico, a distribuidora perdeu R$ 40 bilhões, mesmo com diversas flexibilizações regulatórias”, disse a Âmbar em nota ao Estadão. “Todos os planos desenhados no passado para recuperar a Amazonas Energia falharam, e a Âmbar busca evitar a repetição desses erros.”

De acordo com o Grupo J&F, não há ganho maior para os consumidores de energia do que a solução definitiva da situação da Amazonas Energia, que enfrenta um cenário operacional único em termos de distribuição geográfica, índice de furtos e inadimplência. “Por isso, o plano apresentado pela Âmbar é o caminho mais viável para evitar o agravamento da insegurança energética para os consumidores do Amazonas e o acúmulo de prejuízos para a União.”

Na quinta-feira, 3, a Justiça Federal do Amazonas soltou uma nova decisão, obrigando a Aneel a realizar a transferência. O teor da decisão, porém, não convenceu consultores jurídicos e diretores da agência. A agência decidiu aguardar a notificação judicial para depois pedir esclarecimentos sobre o alcance da determinação judicial.

Nesta segunda-feira, 7, o diretor-geral da agência, Sandoval Feitosa, deu aval à transferência de controle da Amazonas para a Âmbar, alegando cumprir decisão judicial.

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50 anos de problemas nas mãos de uma inexperiente, critica especialista

Agentes do mercado lamentam que o governo não tenha optado em fazer um leilão para oferecer a empresas concorrentes da Âmbar a oportunidade de assumir a Amazonas Energia a um custo inferior para os consumidores do País.

O presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Barata, afirma que o governo já fez uma intervenção com processo competitivo de distribuidoras do Grupo Rede, que controlava oito concessões no País, em 2012.

Ele critica a visão do ministro Alexandre Silveira, de tentar evitar o fim da concessão do Amazonas com o argumento de que o custo vai recair sobre o contribuinte. “Me espanta que ele ache que o contribuinte não pode pagar, mas acha justo que o consumidor de energia pague a conta, inclusive os de baixa renda, porque ninguém será poupado”, diz Barata.

Ele afirma ainda que vê com preocupação que uma empresa com tamanho desajuste, como a concessionária do Amazonas, seja absorvida por uma empresa que não tem experiência no ramo de distribuição de energia, caso da Âmbar.

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“Essa empresa do Amazonas tem 50 anos de problemas. Colocar lá quem não tem experiência, foi o que aconteceu com a Oliveira e isso só fez aumentar o problema. Corre-se o risco de aumentá-lo ainda mais com a Âmbar”, diz.

Linha do tempo

Veja o ‘vaivém’ na disputa da Âmbar pela Amazonas Energia:

29 de maio - Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, se reúne com o presidente da Âmbar, Marcelo Zanatta, na sede do ministério, fora da agenda oficial.

7 de junho - Ministério de Minas e Energia envia minuta de medida da Amazonas Energia para a CAsa Civil

10 de junho - Ambar compra térmicas da Eletrobras e assume o risco de prejuízo das usinas

12 de junho - Governo Lula assina medida provisória que socorre distribuidora e beneficia irmãos Batista

19 de junho - Silveira diz que MP ter saído dois dias após negócio da Ambar foi mera coincidência

28 de junho - Grupo J&F apresenta plano de transferência para assumir Amazonas Energia

28 de agosto - Alexandre Silveira defende transferência de controle da Amazonas Energia como a “melhor solução”

29 de agosto - Área técnica da Aneel conclui que Âmbar não demonstrou capacidade técnica em distribuição e calcula que proposta tem custo de R$ 16 bilhões ao consumidor, sendo o ideal seriam R$ 8 bilhões

6 de setembro - Presidente da Âmbar, Marcelo Zanatta, e presidente da Amazonas Energia, Márcio Zimmermann, se reúnem com o diretor da Aneel e relator do processo, Ricardo Lavorato Tili, e defendem proposta da empresa

18 de setembro - Ministro Alexandre Silveira se reúne com diretores da Aneel e pressiona pela aprovação do plano de transferência

23 de setembro - Justiça Federal do Amazonas obriga a Aneel a transferir Amazonas Energia para os irmãos Batista conforme proposta da empresa; Aneel planejava intervenção

24 de setembro - Área técnica da Aneel sugere rejeição da proposta e aponta prejuízos para o consumidor

26 de setembro - Diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, e diretora da Aneel Agnes da Costa se reúnem com executivos da Âmbar; empresa apresenta nova proposta com custo de R$ 14 bilhões

27 de setembro - Sandoval Feitosa e Agnes da Costa aprovam proposta da Âmbar, mas relator Ricardo Tili e diretor Fernando Mosna votam contra

27 de setembro - Aneel se divide, reunião termina em empate e agência não transfere Amazonas Energia para os irmãos Batista

30 de setembro - Sandoval Feitosa e Agnes da Costa se reúnem novamente com executivos da Âmbar

1º de outubro - Aneel toma nova decisão, aprovando transferência da Amazonas Energia para os irmãos Batista, mas limita custo ao consumidor a R$ 8 bilhões

1º de outubro - Diretor-geral da Aneel vota para Âmbar ter opção de assumir Amazonas Energia nos termos exigidos pela agência (custo de R$ 8 bilhões) ou conforme proposta da empresa (custo de R$ 14 bilhões)

1º de outubro - Amazonas Energia pede à Justiça para que voto do diretor-geral seja aprovado unilateralmente e irmãos Batista fiquem com a companhia com custo de R$ 14 bilhões ao consumidor

2 de outubro - Âmbar se recusa a assumir Amazonas Energia nos termos da decisão da Aneel e pede para agência reconsiderar o caso com nova proposta, ainda em R$ 14 bilhões, mas pagando R$ 6,5 bilhões em dívidas até o fim de 2024

2 de outubro - Âmbar corrige proposta e diz que pagamento da dívida corresponderá a níveis aceitados regulados pela Aneel; empresa calcula valor em R$ 7 bilhões

3 de outubro - Justiça Federal do Amazonas emite nova decisão, atendendo Amazonas e Energia e determinando transferência da empresa para os irmãos Batista

3 de outubro - Aneel decide aguardar notificação judicial para pedir esclarecimentos sobre alcance da decisão, apontando dúvidas em relação ao teor do despacho

5 de outubro - Área técnica da Aneel flexibiliza mais exigências e concorda com um período de transição para resolver os problemas da Amazonas Energia. Com isso, os consumidores brasileiros arcariam com um custo de R$ 9,7 bilhões na conta de luz em 15 anos

7 de outubro - Diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, dá aval ao plano de transferência de controle apresentado pela Âmbar ao custo de R$ 14 bilhões nas contas de luz; executivo afirma que cumpriu decisão judicial

7 de outubro - Justiça Federal do Amazonas intima diretor-geral da Aneel a cumprir decisão judicial e acatar plano de transferência de controle

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