BRASÍLIA - Condenado a mais de seis anos de prisão no escândalo do mensalão, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, do PT, atua para impedir a fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre fundos de pensão mantidos por empresas estatais. Ele e seu sócio, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, receberam procuração para representar a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) em repartições públicas federais, inclusive no Judiciário.
A organização é autora de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que defende a inconstitucionalidade das fiscalizações do TCU nesses fundos. Também tenta tornar esse entendimento prevalente em processos na própria corte de contas, que discute o tema em um grupo de trabalho.
Procurado, João Paulo Cunha não se manifestou. Ophir Cavalcanti disse, por meio de nota, que só falará nos autos dos processos. O TCU não se manifestou.

A Abrapp afirmou que a contratação seguiu suas normas de governança corporativa. Disse ainda que o escritório de Cunha e Cavalcante “vem prestando excelentes serviços em favor desta entidade, em cumprimento do objeto definido no nosso Estatuto Social, com o acompanhamento de diversos procedimentos perante o Tribunal de Contas da União e Supremo Tribunal Federal, os quais, em regra, são de livre consulta por qualquer cidadão”.
Se tiver êxito, a Abrapp inviabilizará medidas do TCU como a que determinou, no último dia 5, a abertura de uma auditoria em caráter de urgência para investigar as causas de uma perda de R$ 14 bilhões no Plano 1 da Previ, fundo que administra a aposentadoria de funcionários do Banco do Brasil.
Uma decisão favorável também anularia dezenas de outros processos em trâmite no tribunal relativos a atos apurados pela operação Greenfield no TCU, braço da Lava Jato que mirou desvios em fundos de pensão em favor de empreiteiras e empresas ligadas às gestões lulopetistas.

A Abrapp sustenta, entre outros argumentos, que os fundos de pensão, embora mantidos em parte com recursos da União, são entidades de direito privado e, por isso, têm autonomia e não podem ser fiscalizados como entes da administração pública. Também alegam que o TCU adentra em competência da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), órgão regulador do mercado.
“A atuação do TCU nesse caso pode levar a uma duplicidade fiscalizatória, comprometendo a eficiência da regulação e gerando desperdício de recursos, além de possíveis entraves operacionais. Além disso, a interpretação sobre a situação do plano da Previ desconsidera a natureza conjuntural dos déficits, comuns em momentos de instabilidade econômica, mas que não comprometem a sustentabilidade dos fundos no longo prazo”, diz a entidade em nota.
Os fundos ligados a Petrobras (Petros), Banco do Brasil (Previ), Caixa Econômica Federal (Funcef) e Correios (Postalis) administram ativos no valor de aproximadamente R$ 510 bilhões. Todos eles são associados à Abrapp, que conta com o apoio de 234 entidades no total. A maior delas é a Previ, com cerca de R$ 270 bilhões sob gestão.
Metade do valor que abastece os planos de aposentadoria sai dos cofres das companhias e o restante, de contribuições feitas pelos funcionários. Ou seja, as duas partes dão contribuições iguais.
Quando a gestão dos fundos causa prejuízos, é preciso realizar o equacionamento do déficit, uma operação em que ambas as partes realizam contribuições extraordinárias equivalentes para recuperar perdas do fundo e garantir os benefícios dos aposentados. Esse processo causa impactos negativos nos balanços das estatais e no bolso dos funcionários ativos e inativos.
Segundo o ministro Walton Alencar, que determinou a apuração na Previ, o rendimento sobre os investimentos foi de apenas 1,58% no ano passado.
A ação do TCU faz parte de um processo aberto para averiguar se o fundo cumpriu requisitos técnicos e de governança na indicação de seu atual presidente, João Luiz Fukunaga. Sindicalista e com formação em história, ele é funcionário de carreira do Banco do Brasil e não tem experiência na gestão de ativos financeiros.
A Previ nega a existência de rombo, pois afirma que a perda não foi realizada (ou seja, não houve venda dos ativos que desvalorizaram, como as ações da Vale) e não levou ao equacionamento.
A Previ afirmou em nota que “auditorias e fiscalizações fazem parte dos processos institucionais de controle e aprimoramento da governança” e que colabora com os órgãos de fiscalização e presta todas as informações necessárias, de forma técnica e objetiva. Também rechaçou a hipótese de que o plano está com suas finanças comprometidas.
Leia mais
“Os planos da Previ continuam em equilíbrio, mesmo com a volatilidade de 2024. Até novembro, o resultado acumulado foi superavitário em R$ 528 milhões. A Previ permanece sólida, pagando mais de R$ 16 bilhões em benefícios por ano, sem risco de contribuições extraordinárias pelos associados ou pelo Banco do Brasil.
Em outubro, a Previ tentou, sem sucesso, embargar o processo no TCU sobre a indicação do Fukunaga. A alegação era de que o TCU deveria esperar a conclusão de outro processo, que criou um grupo de trabalho para debater os limites da atuação do órgão na fiscalização dos fundos de pensão.
É nessa discussão que João Paulo Cunha foi escalado para atuar nos bastidores. Em 2023, ele chegou a se reunir com o então presidente do TCU, Bruno Dantas, para discutir a fiscalização dos fundos de pensão. Também participaram do encontro representantes da Abrapp e da Previc.

Na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que a Abrapp move no STF sob relatoria do ministro Luiz Fux, o escritório Ophir Cavalcante Advogados Associados, do qual Cunha é sócio, não consta como representante. Atualmente, o processo se encontra concluso para decisão do relator.
De acordo com a entidade, “a atuação ocorre de modo consorcial com outra qualificada banca, sempre considerando como critérios para contratação a experiência dos profissionais envolvidos na defesa dos interesses do segmento da previdência complementar fechada”.
João Paulo Cunha foi presidente da Câmara de 2003 a 2005. Eleito nos dois mandatos seguintes, foi forçado a deixar sua cadeira no Legislativo em 2013 devido a uma condenação a seis anos e quatro meses de prisão por peculato e corrupção passiva na Ação Penal 470, o mensalão. O esquema consistia no pagamento sistemático de propina a parlamentares da base do governo Lula em troca de apoio no Congresso.
Cunha cumpriu dois anos da pena – uma parte dela na penitenciária da Papuda, em Brasília, e outra em regime aberto – até 2016, quando o STF o absolveu após a então presidente Dilma Rousseff lhe conceder indulto, um perdão presidencial. Desde então, ele não deve mais nada à Justiça.
Chegou a abrir um escritório de advocacia, que não prosperou. Com o retorno de Lula ao Poder, ele passou a atuar nos bastidores de Brasília e, no ano passado, se tornou sócio de uma já bem sucedida banca de advocacia comandada por Ophir Cavalcante.