Nunca foi tão forte na indústria brasileira a percepção de aumento da concorrência. A conclusão é de um levantamento realizado pelo Departamento de Economia do Bradesco, obtido com exclusividade pelo "Estado". Esse é um dos fatores que ajudariam a explicar por que a inflação permanece relativamente comportada a despeito do expressivo crescimento da economia em 2010, sobretudo no primeiro trimestre.Nos 12 meses encerrados em julho, o IPCA, índice que serve de referência para o sistema de metas de inflação no Brasil, acumulava alta de 4,6%. A meta estabelecida pelo governo é de 4,5% para o ano inteiro, com margem de tolerância de dois pontos porcentuais para baixo ou para cima. Realizada pelo Bradesco desde outubro de 2005, a pesquisa consulta mensalmente 2.500 indústrias de todos os setores e portes. Em agosto, 25,3% delas informaram que têm percebido uma alta da concorrência. É um recorde. Para se ter uma ideia, na primeira pesquisa, apenas 13,1% tinham tal percepção."Essa competição advém tanto da chegada de novas empresas vindas de fora para se instalar no País quanto dos produtos importados", afirma o economista-chefe do banco, Octavio de Barros. "Estamos muito longe de termos mercados perfeitamente contestáveis, até porque as barreiras à entrada e à saída ainda são grandes em muitos setores no Brasil. Mas não há dúvida de que a concorrência está mais feroz em praticamente todos os setores industriais."Barros está intrigado com o que classifica de "contradição" entre a demanda supostamente intacta na economia e a inflação "não pressionada". "A comunidade de analistas está espantada. Se isso ocorre, temos de buscar o que poderia explicar o fenômeno", diz. Uma das pistas está justamente no aumento da competição, uma vez que, em tese, um ambiente mais disputado leva as empresas a manter - ou até reduzir - os preços. A pesquisa do Bradesco revela que o setor que mais se ressente da concorrência é o farmacêutico, com 54,5% das respostas positivas. A seguir, vêm as indústrias de bebidas (45,6%), couro (43,8%) móveis (36,4%) e química (33,3%). Na ponta contrária estão as indústrias de material elétrico, informática e madeira (todas com 20%), embalagens (20,9%) e máquinas e equipamentos (22,2%).A vida na prática. O diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fundação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), José Ricardo Roriz Coelho, e o economista Rogério César de Souza, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), confirmam o que indica o levantamento do Bradesco. "Temos ouvido dos conselheiros do Iedi e de representantes da indústria em geral que, de fato, a concorrência está mais acirrada", afirma Souza. "A percepção em todos os setores e os próprios indicadores da Fiesp coincidem com essa conclusão", completa Roriz. Embora Barros diga que a importação, isoladamente, não explique o fenômeno, representantes da indústria e outros especialistas avaliam que a chave para entender o que tem ocorrido está, sim, no comércio exterior."A valorização do real está escancarando o mercado interno", afirma o professor da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), Simão Silber. "Isso atinge desde a siderurgia até a indústria de tênis." O professor lembra que, no acumulado dos últimos 12 meses, as importações cresceram a um ritmo próximo de 50%.Roriz e Souza também citam a valorização da moeda brasileira (que fechou cotada a R$ 1,753 sexta-feira) como um fator decisivo para a entrada de mais produtos de fora no País. Mas acrescentam outras razões, ligadas à conjuntura internacional. "Para se recuperar da crise, muitos países se voltaram para as exportações de forma agressiva", observa o economista do Iedi. "Estão investindo para conquistar mercados em expansão, como o brasileiro."Roriz diz que essa estratégia traz um efeito colateral: muitas empresas brasileiras perdem espaço no mundo e acabam se voltando para o mercado nacional. É o caso dele mesmo, que preside a fabricante de embalagens plásticas flexíveis Vitopel. "Na média, exportamos 23% da produção. Com a concorrência acirrada lá fora, essa parcela passou para 15%", comenta. "Como o mercado interno está aquecido, conseguimos vender a diferença aqui dentro. Mas isso significa que tiramos esses 8% de outros concorrentes."