Crise, finanças e economia

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Por GILLES LAPOUGE
Atualização:

A crise acabou. Uma boa notícia e uma agradável surpresa. Tínhamos a impressão de que ela continuaria lá, mas é porque somos ignorantes. Não enxergamos além do nariz. No caso da França, insistimos em destacar que, em 18 meses, a crise criou 800 mil novos desempregados, e a eliminação de empregos continua, mas o presidente francês,Nicolas Sarkozy, nos corrige: "A crise acabou". Entretanto, o naufrágio da Grécia e o que ameaça Portugal, Espanha, assim como talvez França e Inglaterra, provoca inquietação. Personagens respeitados compartilham da convicção de que a crise poderá ter dolorosas réplicas, como uma tsunami.Paul Krugman, Nobel de Economia, afirma que os riscos de uma volta da recessão, no fim de 2010, são de "30% a 40%". O ex-chefe dos economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) Simon Johnson dá o alarme: "Devemos nos preparar para uma enorme catástrofe". E Joseph Stiglitz, também Nobel de Economia, diz que o planeta econômico enlouqueceu: "O plano Paulson (nos EUA) era uma transfusão de sangue feita a um doente que sofria de hemorragia interna". Continuamos a realizar transfusões (bilhões de dólares) sem conseguir estancar a hemorragia. A primeira providência seria diagnosticar as razões da hemorragia. A esse respeito, existe um aparente consenso. Vários analistas, e não apenas os da esquerda, questionam o capitalismo que ficou mais selvagem com Ronald Reagan e Margaret Thatcher, e depois foi imposto cegamente pela globalização.A revista Le Débat (publicada por Gallimard) pediu opiniões a homens que não são absolutamente de esquerda. Seus veredictos convergem. Eles denunciam as formas que o capitalismo assumiu. Simon Johnson chega a comparar os banqueiros americanos aos oligarcas russos, o que não é nenhum elogio. Paul Jorion observa que quando Obama, ídolo da esquerda europeia, teve de salvar os bancos americanos, escolheu "a opção mais favorável a Wall Street".O depoimento mais surpreendente é o de Geoff Mulgan, que foi conselheiro de Tony Blair. Ele anuncia categoricamente "o fim do capitalismo". "Assim como a ideia monárquica se tornou marginal, o capitalismo perderá influência sobre nossa sociedade e cultura. De dono, ele se tornará servo". O fato de a "mente investigativa" de Tony Blair pronunciar tais horrores é a comprovação de que a crise provocou graves estragos, não apenas em nosso modo de vida, mas em alguns cérebros - incluindo o de Sarkozy, cria de Thatcher e de Reagan. Quando chegou à presidência só falava no "mercado". Como Thatcher, anunciou que faria cortes no setor público, reduziria a intervenção do Estado. A economia, entregue a si mesma, se alegraria e produziria resultados. Era o triunfo da globalização. A tendência a controlar tudo, a legiferar sobre tudo, que está nos genes da França, acabara. Viva a iniciativa. Abaixo as fronteiras e as regulamentações. "Que vença o melhor!" Depois de um ano de crise, saía da caixa um "novo Sarkozy": o que houve? Há meses, ele critica o capitalismo. No começo, ficamos pasmos. Se não é comunismo, no mínimo, é social-democracia. Em Davos, santuário do capitalismo moderno, Sarkozy pronunciou frases que poderiam ter saído da boca de um líder sindical de esquerda: "Segundo as estatísticas, as rendas aumentavam, mas, na realidade, as pessoas percebiam que as desigualdades iam se agravando". Ou ainda: "Colocando a liberdade do comércio acima de tudo, enfraquecemos a democracia, porque os cidadãos esperam que a democracia os proteja". Depois de um parêntese de "liberalismo extremo", Sarkozy voltava ao discurso tradicional do "Estado absoluto" francês que tudo regula.Sobre a globalização, ele não tem papas na língua: "A globalização derrapou a partir do momento em que se admitiu que o mercado tinha sempre razão e que nenhuma outra razão pode se opor a ele. Ela gerou um mundo em que tudo era dado ao capital financeiro e quase nada ao trabalho, em que o especulador passava à frente do empreendedor, e os efeitos do endividamento financeiro, atingindo proporções irracionais, engendravam um capitalismo no qual se tornou normal jogar com o dinheiro dos outros, ganhar rapidamente e sem esforço, e frequentemente sem criação de riqueza e emprego".Evidentemente, são apenas palavras. Essas violentas críticas não foram seguidas pelo mais ínfimo indício de uma ação. Será culpa de Sarkozy? Talvez não. Aparentemente, ele queria sinceramente que o planeta realizasse uma verdadeira reforma do sistema bancário mundial. Acaso não desejou um novo "Bretton Woods", um esforço para regular o setor financeiro, para devolver à economia sua primazia sobre os donos das finanças? Mas teria de ser muito ingênuo para imaginar que seus parceiros o seguiriam nessa fabulosa cruzada em favor da moralização e do controle do planeta "Finança".Concretamente, nenhum resultado. Sarkozy só conseguiria avanços se tivesse apoio dos grandes dirigentes ocidentais, o que jamais ocorreu. Mesmo Obama, que provocou tanto temor entre os republicanos e os adeptos do "mercado", não resistiu aos senhores do mundo financeiro. Ele não confiou o setor financeiro a homens herdados de George Bush, Wall Street, Goldman Sachs, como Timothy Geithner, que considerava ilusória qualquer reforma, qualquer tipo de moralização? Assim, tudo se passa como se essa crise não tivesse existido: não só porque os responsáveis - incluindo o próprio Sarkozy - fizeram todo o possível para mostrar que ela acabou, mas porque tudo voltou a ser como antes. O Goldman Sachs deve conceder US$ 18 bilhões em bonificações referentes a 2009, ou US$ 595 mil por funcionário. Essas bonificações aumentaram 64% no ano e 2009 foi um dos mais lucrativos depois da criação do banco, há 141 anos. JP Morgan vai pagar US$ 9,3 bilhões em bônus. Segundo o The New York Times, funcionários merecedores receberão alguns milhões de dólares. Bancos franceses, guardadas as proporções, seguem o mesmo caminho.A verdade é que os americanos não ligam para os gritos e berros dos líderes europeus. Apesar do encontro do G-20 em Pittsburgh ter sido repleto de boas intenções, nada mudou. Quer se tratasse de bonificações, regulamentação financeira, moralização, o sistema bancário saiu da tormenta sem um arranhão. Os americanos não deram um passo para atender às solicitações. Assim, não é de se espantar a irritação contra essa corrida maluca na qual a economia mundial se lançou (na direção do abismo) que se verifica não mais no nível dos governos (pois não são ouvidos), mas no âmbito da opinião pública, das reações violentas, talvez um dia perigosas. Jacques Julliard, um dos editorialistas mais conhecidos da imprensa francesa, tornou-se o porta-voz dessas recriminações no Nouvel Observateur. Homem de esquerda, mas moderado, muito centrado, ele traçou este quadro apocalíptico: "A guerra que o capitalismo financeiro trava contra a sociedade civilizada é uma guerra sem perdão. Desde 2008 não podemos mais duvidar disso. E os últimos episódios conhecidos - Goldman Sachs contra o Estado grego, o filantropo George Soros contra o euro e agora contra a libra - são a prova de que não haverá remissão, nem trégua. Será necessário que um ou outro - esse capitalismo ou a civilização - sucumba. E a próxima revolução enforcará os operadores de bolsas ou os banqueiros - como em 1789 com açougueiros e especuladores de grãos".A Europa está ausente do debate. No entanto, os 27 países da União Europeia formam, quando reunidos, um bloco econômico impressionante. Mas o bloco consiste de uma série de indivíduos em que cada um puxa a brasa para a sua sardinha. Tanto no campo da diplomacia, como no da economia, a Europa inexiste. Está "ausente". Os interesses da Grã-Bretanha não têm nada em comum com os da Lituânia ou da Áustria. As ambições da Alemanha ignoram as queixas gregas. Assim, na falta de vontade política vigorosa e uma análise comum, o leme do mundo foi deixado para mãos mais robustas - como as da China, dos homens de Wall Street, às vezes até as do Kremlin.

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