BRASÍLIA - Mal recuperado do tombo causado pela crise do Pix, o governo já escorregou em outra casca de banana nesta semana após o ministro da Casa Civil, Rui Costa, falar em um conjunto de intervenções para baratear o preço dos alimentos. A declaração foi dada durante o programa Bom Dia, Ministro, da estatal EBC, uma arena favorável.
A escolha do termo foi do próprio ministro, que passou o resto do dia tentando desdizer o que disse — tanto o fez que a própria Casa Civil eliminou a palavra na divulgação da entrevista, após ter publicado o trecho em formato de aspas no primeiro parágrafo do texto.
O governo segue tentando reparar o erro. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, admitiu que houve um “equívoco de comunicação” com o uso da palavra “intervenção” para se referir às medidas que o governo deve adotar para tratar da alta do preço dos alimentos. Mas o estrago já estava feito.
Munição para a oposição
O deslize deu, novamente, munição para a oposição criticar o governo, explorando informações que circulavam nos bastidores de que estava em avaliação uma proposta de modificar a sistemática do prazo de validade de alimentos.
A sugestão do setor supermercadista não é nova, e já havia sido apresentada aos ministros do governo Bolsonaro — Paulo Guedes, da Economia, e Tereza Cristina, da Agricultura — em 2021. Do mesmo modo que o PT bateu naquela gestão, sob o argumento de que se queria dar resto de comida e alimentos vencidos aos pobres, apanhou dessa vez.
Mais uma vez, coube ao deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), dar a declaração que viralizou. “A picanha não veio, e se vier, será podre”, escreveu no X (antigo Twitter).

A nova crise ocorre na mesma semana em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou enquadrar seus ministros para que não criassem “confusão” que estourasse no Planalto. Ele não falou qual a confusão, mas claramente se referia à instrução normativa sobre o Pix publicada pela Receita Federal, que gerou uma onda de fake news e culminou na anulação do ato e da edição de uma medida provisória para reafirmar o óbvio — o Pix não seria taxado.
“Daqui para frente nenhum ministro vai poder fazer portaria que crie confusão para nós sem que essa portaria passe pela Presidência da República através da Casa Civil. Muitas vezes a gente pensa que não é nada, mas alguém faz uma portaria, faz um negócio qualquer, e daqui a pouco arrebenta e vem cair na Presidência da República”, disse Lula na segunda-feira, 20.
Não deixa de ser irônico que o primeiro tropeço após a fala tenha ocorrido tão rapidamente e vindo justamente do ministro mais empoderado pela declaração.
O “equívoco” de comunicação de Rui Costa em um programa estatal mostra que o desafio do novo ministro da Secretaria de Comunicação (Secom), Sidônio Palmeira, é enorme.
Não é só acertar o tom das campanhas governamentais e aprender a nova linguagem das redes sociais. Passa, também, por evitar o desgaste provocado pelos próprios colegas de Esplanada e ficar ainda mais atento para o que se fala sobre o assunto do momento — o de agora é o preço dos alimentos.
De olho nas eleições de 2026
Lula cobrou de seus auxiliares uma solução para o custo elevado da comida na reunião ministerial da segunda-feira, 20. O presidente não esconde que já está de olho no cenário eleitoral de 2026, embora argumente que seja a oposição quem está antecipando a eleição.
O movimento vem das duas partes. Lula prometeu picanha barata durante a campanha e não entregou — assim como ainda não conseguiu ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil.
Esses são dois temas que mobilizam a atenção do governo, porque têm impacto direto na vida das pessoas e nas expectativas de mercado. Os alimentos têm uma inflação persistente, que reflete a influência de questões climáticas na produção, a valorização do dólar e uma questão de demanda. A ampliação da isenção do IR passa pela indicação de uma compensação à renúncia que mantenha o equilíbrio das próprias contas.
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Não existe solução mágica para nenhum, mas é inegável que reconquistar a confiança do mercado e consumidores colaboraria para a reancoragem das expectativas para o controle da inflação e surtiria algum efeito positivo, talvez até com redução de juros.
Diante de fatores que estão totalmente fora do controle do governo, como as condições climáticas e o cenário externo, é preciso se apegar ao que se pode resolver. Uma política fiscal eficiente, que traga resultados primários dentro da meta sem descuidar da trajetória da dívida pública, é o mínimo esperado. O empenho do presidente nessa seara é fundamental, até para as próprias pretensões de Lula.