“Depende”. Esse é o mantra do economista turco-americano Dani Rodrik. Com essa resposta, ele quer dizer que não há um receituário único de crescimento econômico para os países. Rodrik tornou-se uma referência entre os economistas heterodoxos quando, ainda na década de 90, na contracorrente do pensamento dominante, passou a apontar problemas na globalização e nas políticas de desregulamentação e liberalização comercial e financeira, principalmente quando adotadas sem levar em conta seus impactos políticos e sociais e as particularidades de cada país.
Desde a crise financeira internacional de 2008 e suas consequências políticas no Ocidente, as críticas de Rodrik passaram a ser vistas como prescientes e influenciaram na revisão do Consenso de Washington e das políticas preconizadas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) aos países em desenvolvimento. Com o governo Joe Biden, nos Estados Unidos, a visão de Rodrik, velho defensor de politicas industriais e de maior papel do Estado na reestruturação da economia, tornou-se definitivamente”mainstream”.
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Ele alerta, porém, que políticas que visam à reindustrialização têm efeitos limitados na criação de bons empregos para a classe média - uma necessidade hoje tanto para os países de economia avançada como para os de renda média, como o Brasil. Rodrik prega um novo tipo de política industrial, com foco em médias empresas e mercado doméstico e na geração de empregos no setor de serviços, em substituição ao velho modelo de subsídios a “campeões nacionais”.
Rodrik publicou recentemente um ensaio em que diz ver a emergência no Ocidente, com o apoio de políticos tanto à esquerda e à direita, do “produtivismo”, um novo paradigma econômico, em substituição ao “neoliberalismo”, que ele considera declinante. Sobre suas ideias, o professor da Universidade Harvard respondeu, por escrito, a perguntas do Estadão.
O senhor argumenta que estamos no meio de uma transição para um mundo pós-neoliberal. No seu ponto de vista, quais seriam os pontos de inflexão que mostram essa mudança?
A pandemia, a guerra na Ucrânia e a intensificação da competição geopolítica entre os EUA e a China são os pontos de inflexão mais imediatos. Vimos como esses eventos produziram direções políticas muito diferentes nos EUA - e também em certa medida na União Europeia. As políticas econômicas do presidente Joe Biden são radicalmente diferentes de seus antecessores democratas. Mas mesmo antes da Covid, era claro que a ordem subjacente era insustentável. Havia insatisfação com a hiper-globalização e o modelo econômico existente – e disso resultou a reação populista de direita. Além disso, a transição climática se tornou um desafio cada vez maior, esperando ser enfrentado de frente. E o modelo de crescimento tradicional dos países em desenvolvimento, baseado na industrialização, não estava mais funcionando.
Para preencher o vácuo do neoliberalismo, o senhor prega um novo paradigma que chama de “produtivismo”. Pode descrevê-lo?
Produtivismo refere-se a uma abordagem que dá prioridade à disseminação de oportunidades econômicas produtivas em todas as regiões da economia e segmentos da força de trabalho. Ele difere do neoliberalismo porque dá aos governos um papel significativo para alcançar esse objetivo. Ele também coloca menos fé nos mercados e tem desconfiança em relação às grandes corporações. Enfatiza a produção e o investimento em vez das finanças e a revitalização das comunidades locais em vez da globalização. Mas o produtivismo também se afasta do estado de bem-estar keynesiano - o paradigma que o “neoliberalismo” substituiu - porque se concentra menos na redistribuição, transferências sociais e gestão macroeconômica e mais na criação de oportunidades econômicas trabalhando no lado da oferta da economia para criar bons empregos produtivos para todos. E o produtivismo diverge tanto do neoliberalismo como do keynesianismo porque exibe maior ceticismo em relação aos tecnocratas.
Num modelo econômico com maior participação dos governos, tecnocratas não são necessários para melhorar as capacidades e a eficácia das políticas públicas?
Tecnocratas e expertise técnica são importantes, mas as decisões de política econômica quase sempre exigem fazer algumas compensações entre objetivos alternativos (eficiência versus coesão social, por exemplo), ponderando ganhos e perdas entre diferentes grupos e julgamentos sobre a possibilidade de execução de diferentes políticas. Se confiarmos demais nos tecnocratas para tomar decisões para as quais eles não são realmente treinados, simplesmente acabaremos privilegiando um conjunto de preferências ideológicas em relação a outro. É melhor ser explícito que muitas dessas decisões são decisões políticas que exigem deliberação e ampla participação
Há razões bem fundamentadas para desconfiar da eficácia das ações governamentais na promoção de mudanças estruturais positivas na economia. Na história recente do Brasil, existem muitos exemplos de que se você atribui muito poder aos governos, eles se tornam presas fáceis de grupos de pressão e há muita corrupção e desperdício de recursos. Por que acreditar que essa história pode ser diferente do que foi no passado? E como tornar, na prática, as ações dos governos mais eficientes?
É verdade que os governos muitas vezes são ineficazes e podem ser capturados por grupos de pressão. Mas isso não foi menos verdadeiro sob o neoliberalismo. Tome as finanças como exemplo. Sob o neoliberalismo, governos em todo o mundo se tornaram dependentes dos interesses financeiros (bancos, investidores, grandes multinacionais) e se tornaram incapazes de tributar grandes rendas e riquezas ou regular sistemas financeiros adequadamente. O resultado não foi apenas a transferência da carga tributária para os trabalhadores, mas uma economia cada vez mais frágil e instável, com crises financeiras periódicas.Aumentar a eficácia do governo começa com a compreensão clara do propósito da ação governamental. Muito do que está acontecendo nos Estados Unidos atualmente é a busca por um melhor equilíbrio entre os interesses financeiros e das grandes corporações e os interesses do resto da sociedade.
O senhor é um velho defensor de políticas industriais, mas defende, no seu ensaio mais recente, que elas precisam ser reorientadas em relação ao que foram no passado, com menos foco em “campeões nacionais” e distribuição de subsídios. Na sua opinião, como seria idealmente os novos tipos de política industrial?
É um fato que a indústria deixou de ser um setor absorvedor de mão-de-obra em todo o mundo, independentemente dos níveis de renda dos países. Então, gostemos ou não, precisamos nos concentrar em aumentar a produtividade nos serviços, que acabarão empregando a maior parte da força de trabalho (varejo, educação, cuidados com as pessoas). Isso requer um tipo diferente de política industrial, menos orientada para grandes empresas e exportadores, e mais focada em empresas menores e médias e nos mercados domésticos.
O Brasil passou por um processo de desindustrialização muito forte e precoce. O governo atual fala em “reindustrialização” do país como um de seus objetivos. Isso faz sentido, uma vez que o emprego na indústria cai mesmo em países como a Alemanha e a Coréia do Sul, que mantêm setores industriais fortes?
Como mencionei anteriormente, a reindustrialização no sentido de aumentar a participação do emprego na indústria de maneira significativa e sustentada me parece muito difícil - se não impossível - especialmente em países ricos e de renda média. Então, sou cético de que a reindustrialização do emprego seja possível. No entanto, pode ser possível aumentar ou estabilizar a participação da produção industrial (em termos de valor agregado) no PIB para alcançar outros objetivos, como diversificação econômica, transição verde e inovação. Mas para criar uma economia verdadeiramente inclusiva, onde uma grande parcela da força de trabalho seja capaz de participar das oportunidades produtivas, os serviços precisarão ser nosso foco daqui para frente.
Quais são os desafios específicos para países como o Brasil em criar empregos bons e bem remunerados? Quais são as áreas da economia que merecem mais atenção, não apenas do governo, mas também do setor privado?
O Brasil parte de algumas vantagens importantes. Tem uma rede de instituições como Senai e Sebrae que fornecem treinamento técnico e estimulam a produtividade em pequenos estabelecimentos. O país tem uma excelente tradição de empreendedorismo e um forte estabelecimento empresarial. Esses recursos poderiam ser reorientados e mobilizados para o tipo de inclusão produtiva que descrevi.
Governos muitas vezes são ineficazes e podem ser capturados por grupos de pressão. Mas isso não foi menos verdadeiro sob o neoliberalismo.
O governo Joe Biden nos EUA lançou políticas industriais para acelerar a transição para uma economia verde e reduzir a dependência de importações da China em setores estratégicos de alta tecnologia. Mas o senhor é crítico de alguns aspectos dessas iniciativas. Pode explicar suas ressalvas?
Eu apoio, em geral, a abordagem do presidente Biden para a política econômica e as políticas industriais de sua administração. Mas tenho duas críticas. Uma é que essas políticas industriais não são suficientemente conscientes do fato de que investimentos em indústria avançada farão pouco para criar bons empregos. Estes são setores da economia que requerem muita habilidade e capital intensivo. E mesmo que a indústria seja realocada para os EUA, a maior parte dos novos empregos ainda será criada em serviços. Em segundo lugar, preocupa-me que o governo dos EUA esteja, às vezes, adotando uma postura econômica agressiva contra a China. Ele exagera a extensão em que a China representa uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Ao tentar minar as capacidades tecnológicas da China e buscar reafirmar a primazia dos EUA, essas políticas (como os controles de exportação de semicondutores) inflamam as tensões com a China sem necessariamente tornar os EUA mais seguros.
Quais são os riscos implicados por essa abordagem?
Estou muito preocupado que a competição geopolítica entre os EUA e a China transforme a economia mundial em um tipo de jogo de soma zero - sempre que um lado vencer, o outro lado deve ter perdido. Isso transforma a interdependência econômica em uma arma em vez de uma fonte de ganhos mútuos. O resultado será menos prosperidade e mais conflito. Por essa razão, argumentei que as grandes potências devem encontrar maneiras de se acomodarem umas às outras - garantir que seus interesses de segurança e econômicos centrais sejam protegidos, mas fazê-lo de maneiras bem-calibradas e não explicitamente agressivas. Para tomar um exemplo-chave, os EUA podem ter suas razões para manter certas empresas chinesas fora de suas cadeias de abastecimento devido a preocupações de segurança ou de privacidade. Mas transformar isso em uma guerra econômica para tentar excluir o acesso da China a tecnologias avançadas, impedir seu avanço tecnológico e minar sua economia é simplesmente contraproducente.