Dez anos de metas fiscais

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Por Joaquim Levy
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Entre muitas evidências de bom desempenho da economia brasileira nos últimos seis meses inclui-se o comportamento da dívida pública federal. Esses papéis são uma garantia de valor a todos os aplicadores. Aliás, com a queda na taxa Selic, até o Tesouro Direto é cada vez mais competitivo, inclusive em relação à caderneta de poupança, curiosamente isenta do Imposto de Renda (IR) no caso de grandes aplicadores. Mas, sem prejuízo do Tesouro Direto e da sua taxa de administração de apenas 0,3% do valor da aplicação, atualmente o indicador mais interessante da dívida pública federal doméstica talvez seja a proporção de 8% detida por estrangeiros. A abertura desse mercado aos investidores estrangeiros, ocorrida no começo de 2006, foi um dos importantes passos tomados no primeiro governo Lula. Como o presidente sublinhou à época, há certas coisas que não podem ser feitas pela metade, e por isso a abertura se deu sem restrições de tempo mínimo de aplicação ou outras medidas restritivas. A escolha se mostrou correta, porque se verifica que, começando do zero, em março de 2008 já havia mais de R$ 60 bilhões em títulos domésticos em poder dos estrangeiros, valor que se mantém incólume até hoje. Essa ampliação do mercado da dívida pública foi importante para a obtenção do grau de investimento para a dívida doméstica e internacional, o qual, no segundo caso, veio algum tempo depois, amparado também na magnitude de nossas reservas internacionais. Hoje, o grau de investimento é um pouco como um Cadillac: não é o que era antigamente, mas ainda garante certo conforto para trafegar nas finanças. Sem dúvida, ele tem sido um fator para a paulatina substituição do investidor estrangeiro especulativo (como hedge funds) por outros mais estáveis (como fundos de pensão). Também contribuiu o trabalho do grupo BEST-Brazilian Excellence in Securities Transactions, em parceria com a Bovespa, para valorizar a infraestrutura institucional e tecnológica do nosso mercado de capital, agora ampliado para fazer do Brasil uma plataforma financeira internacional. A principal vantagem dada ao estrangeiro em 2006 foi a isenção do IR. A decisão se baseou na observação de que o imposto é tipicamente incorporado aos juros pedidos ao Tesouro - resultando numa receita ilusória, enquanto cria dificuldades à precificação internacional, pois incide de maneira difícil de prever. Essas dificuldades tendiam a afastar os investidores de menor apetite ao risco: enquanto aos hedge funds pouco custa contratar especialistas em impostos, na perspectiva de faturar muito em pouco tempo, investidores institucionais têm de justificar cuidadosamente esse tipo de despesa. Por isso, em muitos países, os títulos domésticos comprados diretamente por estrangeiros estão isentos, como está a dívida externa federal. Com o fim da CPMF, mais um grão de areia deixou de existir e hoje apenas o IOF incide sobre operações com prazo menor do que 30 dias. Os títulos em questão - principalmente prefixados de médio prazo e indexados ao IPCA de longo prazo - são vendidos majoritariamente em leilões primários. Conseguiu-se, portanto, dar acesso global de maneira transparente e duradoura aos títulos da dívida nacional, sem depender de alocações ou distribuição da banca internacional. Também acabou o fato de o estrangeiro só conseguir investir na nossa dívida doméstica por meio de derivativos e outros mecanismos controlados pelos bancos de investimento, que, além de criar uma cunha nos preços dos nossos títulos, hoje desapareceram. Em suma, no meio da maior turbulência dos últimos 70 anos, os investidores estrangeiros não recearam manter-se fiéis aos papéis do Tesouro Nacional. Esse bom comportamento testemunha a força do tripé câmbio flutuante, disciplina monetária e responsabilidade fiscal, inaugurado em 1999. E da confiança do governo Lula nesses elementos. A lembrança desses fatos é oportuna quando se observa que, pela primeira vez em dez anos, não se tem clareza absoluta sobre as metas fiscais (primárias) do governo. Em parte isso se deve à mudança do cenário global e, em parte, à percepção de maturidade das instituições domésticas. Navegar sem a bússola da meta primária vai requerer aprendizado, especialmente quando se considera que o ativismo fiscal das nações ricas desaguará num aumento da taxa de juros mundial em breve, aumentando a concorrência dos papéis do Tesouro Nacional e o potencial de compensações para manter uma meta fiscal nominal. *Joaquim Levy, secretário de Fazenda do Estado do Rio de Janeiro, foi secretário do Tesouro Nacional

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