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Educação tem sobra de caixa nas cidades

Com escolas fechadas na pandemia, prefeitos admitem que não vão cumprir gasto obrigatório mínimo na área e pedem flexibilização

Foto do author Eduardo Rodrigues

BRASÍLIA - A educação pública, que sempre sofreu com a falta de dinheiro, agora preocupa prefeitos em todo o País, que não conseguem gastar os recursos carimbados para o setor. Com o fechamento das escolas durante a pandemia de covid-19 e a falta de uma previsão clara para o retorno das aulas, muitas prefeituras já admitem que não vão conseguir gastar o mínimo constitucional em Educação em 2020. Por isso, os prefeitos querem convencer o governo e o Congresso Nacional a flexibilizarem o piso da Educação agora, antes que o debate político caia nas eleições municipais – adiadas para novembro.

A Constituição obriga os municípios a desembolsarem pelo menos 25% de suas receitas – seja por arrecadação própria ou por transferências da União – na Educação. Por isso, para autorizar prefeituras a não atingirem o mínimo do gasto na área é preciso votar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que exige a aprovação em dois turnos nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com pelo menos três quintos dos votos dos parlamentares.

Muitas prefeituras já admitem que não vão conseguir gastar o mínimo constitucional em Educação em 2020 Foto: Fabio Motta/Estadão

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Sabendo da dificuldade política em se aprovar qualquer salvo conduto para aplicar menos dinheiro em uma das áreas mais valorizadas pela população, tanto a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) quando a Federação Nacional dos Prefeitos (FNP) já procuraram o governo federal e os líderes no Congresso Nacional para mostrarem a necessidade da medida.

A CNM prepara um levantamento com o número de prefeituras em dificuldades. Já o prefeito de Campinas (SP) e presidente da FNP, Jonas Donizette, garante que praticamente todos os municípios estão com execução abaixo do mínimo na Educação. Segundo ele, a média de gasto na área em 2020 está entre 22% e 25%.

“Em Campinas estamos com um porcentual de 24%. Ou seja, não é muita diferença para o mínimo constitucional, e o tribunal de contas pode até relevar considerando o contexto atual. Mas o julgador das contas do município lá na frente, daqui a dois ou três anos, pode não ter a boa vontade de avaliar assim. Além disso, essa diferença de 1% em um orçamento de R$ 6 bilhões (de Campinas) é um dinheiro que faz falta na Saúde”, afirma o prefeito de Campinas.

Unificação

A alternativa defendida pelos prefeitos é antecipar a unificação dos pisos constitucionais de Educação (25%) e Saúde (15%, no caso das prefeituras). Esse já é um dos pontos da PEC do novo pacto federativo, que foi enviada pelo governo ao Congresso Nacional em novembro do ano passado, mas que não tem previsão para ser votada. Com a unificação, os municípios passariam a ter que gastar 40% de suas receitas nas duas áreas, possibilitando que recursos que deixem de ser usados nas escolas possam reforçar o atendimento dos hospitais.

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“O mínimo para Saúde é de 15% das receitas, mas hoje quase todos os municípios estão investindo de 25% a 30% dos seus recursos na área. A Saúde está sendo muito mais demandada. É possível cumprir os pisos com folga se os porcentuais forem unificados”, avalia Donizette. “O que defendemos é o envio de uma PEC em separado apenas com esse ponto do novo pacto, para ser votada no âmbito das medidas da pandemia, com validade pelo menos para este ano”, completa. 

Os presidentes da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (DEM-AP), já foram procurados pelos prefeitos para tratar do tema. Segundo o Estadão / Broadcast apurou, a proposta enfrentaria uma resistência maior entre os senadores. A equipe econômica também prefere discutir a PEC do novo pacto de maneira integral, embora não haja uma data para isso. 

Para o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, a possibilidade de flexibilizar o cumprimento de uma regra de gastos só deveria ser debatida caso fique constatado que o problema atinge a vasta maioria das prefeituras.

“Não seria adequado fazer uma mudança na Constituição para resolver situações particulares. É preciso justificar a proposta pela quantidade de municípios afetados”, avalia. “Revisar o mínimo para Saúde e Educação é uma discussão antiga, de antes da pandemia e o pacto federativo vai endereçar esse problema para o futuro. Agora, também não há garantia de que ele será votado neste ano”, completou o diretor executivo do IIF.

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‘Educação remota não foi estruturada’

As dificuldades de prefeituras em cumprir o mínimo constitucional em Educação revelam problemas estruturais que são anteriores à própria pandemia, na avaliação do diretor de estratégia política da organização não governamental Todos pela Educação, João Marcelo Borges. Para o especialista, isso também seria um indicativo de que as medidas recomendadas no atendimento aos alunos durante essa fase também não estariam sendo seguidas.

“Quem não gastar o mínimo de 25% com Educação em 2020 provavelmente é um município que não estruturou serviços de educação remota. A merenda distribuída nas casas é mais cara do que na escola, os serviços de ensino remotos têm outro custo, e ainda há o custo para as adaptações nas escolas para protocolos sanitários no retorno às aulas. Tudo isso em um contexto de queda na arrecadação, que deveria tornar mais fácil o cumprimento do mínimo”, avalia.

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Borges lembra que uma média de 80% dos gastos das prefeituras com educação é para o pagamento dos salários dos professores. “A folha de salários pesa mais em municípios menores. Se estão gastando menos que no ano passado, pode ser outro problema estrutural que é a contratação de professores temporários. E se dispensaram esses temporários na pandemia, é mais um indicativo de deficiência na educação remota.”

Para o diretor da Todos pela Educação, é provável que a contabilidade dos gastos na área neste ano precise mesmo ser debatida entre municípios e tribunais de contas, já que a prorrogação do calendário escolar com reposições de aulas avançando sobre 2021 pode causar dúvidas sobre, por exemplo, a inscrição de restos a pagar para o próximo exercício. 

Ainda assim, Borges também defende uma revisão da regra do mínimo constitucional, mas não como uma solução para o cumprimento meramente de uma norma contábil. “A discussão sobre mínimo constitucional no Brasil é de um reducionismo tacanho. Se quiser fazer uma discussão séria sobre isso, é preciso pensar em gradações. Em vez de pensar em vincular ao mínimo, pensar em índices de desenvolvimento educacional. Quando melhor o desempenho dos alunos, maior a liberdade do orçamento.” 

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