Por que as empresas estão correndo para construir a maior fazenda de insetos do mundo

Iniciativa para reduzir as emissões de gases de efeito estufa provenientes da alimentação animal gerou um novo setor, repleto de capital de risco

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Por Nicolás Rivero
7 min de leitura

A maior fazenda de insetos do mundo — uma instalação de alta tecnologia que se estende por 35 mil metros quadrados e produzirá 15 mil toneladas métricas de proteína a partir de larvas de moscas por ano — foi inaugurada em abril em Nesle, na França. Se tudo correr conforme o planejado, ela será superada em dezembro por uma fazenda de 45 mil metros quadrados nos arredores de Amiens, capaz de produzir mais de 100 mil toneladas métricas de larvas-de-farinha por ano.

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Esse recorde poderá ser igualado ou quebrado por pelo menos mais dois incubatórios de moscas que serão inaugurados em 2024 e 2025.

Começou a corrida para construir a maior fazenda de insetos do mundo. Uma iniciativa incipiente para reduzir as emissões de gases de efeito estufa provenientes da alimentação animal gerou um novo setor, repleto de capital de risco, que promete um dia produzir grandes quantidades de proteína com menos emissões de gases de efeito estufa do que os fornecedores tradicionais.

Dentro das fazendas de última geração, as empresas criam massas contorcidas de grilos, larvas-de-farinha e larvas de mosca em tanques de plástico com temperatura controlada, projetados para ajudá-los a crescer rapidamente. Elas processam as fezes dos insetos em fertilizantes e seus corpos em proteínas e óleos ricos em nutrientes para animais de estimação, peixes e gado.

Ynsect construiu uma instalação de 45 mil metros quadrados, financiada por um investimento de US$ 224 milhões de capitalistas de risco Foto: Ardee Napolitano/Reuters

Os insetos se alimentam de resíduos de alimentos, geralmente provenientes de fazendas ou fábricas de processamento de alimentos próximas. Eles são cuidados dia e noite por manipuladores humanos e robôs movidos a IA que mantêm as fábricas produzindo proteínas 24 horas por dia, sete dias por semana.

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Insetos podem ser uma fonte mais sustentável de nutrientes do que as alternativas padrão, como ração de soja ou farinha de peixe, dizem os cientistas Foto: Ardee Napolitano/Reuters

Embora os seres humanos comam insetos há milênios e bilhões de pessoas ainda o façam hoje, as startups de insetos não estão, em sua maioria, comercializando insetos para consumo humano. Em vez disso, elas estão buscando entrar no mercado de ração animal.

Se os insetos forem criados em resíduos de alimentos e cultivados perto das fazendas ou fábricas de processamento de alimentos que os comprarão, eles podem ser uma fonte mais sustentável de nutrientes do que as alternativas padrão, como ração de soja ou farinha de peixe, dizem os cientistas.

“Não estamos propondo a substituição de nenhum alimento do seu prato”, disse Christine Picard, professora de biologia da Indiana University-Purdue University Indianapolis, que faz pesquisas genéticas sobre insetos cultivados para produção de proteínas. “O que estamos propondo é tornar mais sustentável parte dos alimentos que aparecem no seu prato.”

As fazendas se multiplicam como moscas

As startups de insetos levantaram mais de US$ 1 bilhão em capital de risco desde 2020 e agora estão disputando o domínio do pequeno, mas crescente, mercado de proteínas de insetos.

“Fico impressionado não só com a explosão do setor, mas também com o crescimento da pesquisa por trás dele no mesmo nível”, disse Jeff Tomberlin, professor de entomologia da Texas A&M University que fundou uma startup de criação de moscas chamada EVO Conversion Systems.

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Parte do vento sob as asas do setor de insetos veio de grandes empresas. No mês passado, a gigante da carne Tyson Foods investiu na Protix, uma startup holandesa que cria larvas de mosca-soldado negra. Esses insetos são os preferidos dos agricultores porque comem quase tudo e crescem rapidamente.

A gigante do processamento de alimentos ADM assinou um acordo semelhante em 2020 com outra startup de mosca-soldado chamada Innovafeed, com sede em Paris. A Tyson e a ADM compraram, cada uma, uma participação na empresa parceira e anunciaram planos para ajudá-las a construir novas fazendas de grande porte nos Estados Unidos.

Boom da criação de insetos começou em 2014, quando uma startup sul-africana levantou US$ 11 milhões para construir uma fazenda de mosca-soldado negra Foto: Ardee Napolitano/Reuters

As empresas emergentes de insetos esperam que as grandes empresas as ajudem a entrar em contato com os grandes compradores do mercado de ração para peixes e animais, alimentos para animais de estimação e fertilizantes. “Se você está apenas (produzindo) algumas toneladas ou dezenas de toneladas, você não existe”, disse Antoine Hubert, cofundador da Ynsect, uma startup francesa especializada em larvas de farinha. “É por isso que temos que projetar algo bem grande, porque você precisa de milhares de toneladas, se não dezenas de milhares de toneladas, para existir para um único comprador.”

Operações maiores também significam que o setor pode ter maiores benefícios ambientais — desde que siga práticas como alimentar os insetos com resíduos alimentares e construir instalações próximas a fazendas e fábricas de processamento de alimentos existentes. Se as empresas criam seus insetos com ração processada que, de outra forma, poderia ter ido diretamente para o gado, os insetos podem ser piores para o meio ambiente, de acordo com uma meta-análise de 2021 de pesquisadores da Universidade de Helsinque e da Universidade LUT.

“Queremos realmente reduzir as emissões de carbono nas cadeias alimentares e substituir os ingredientes que pressionam os recursos naturais, e a maneira de fazer isso é em escala”, disse Maye Walraven, que lidera as operações norte-americanas da Innovafeed.

O rápido crescimento de instalações grandes e sofisticadas também indica que o setor está amadurecendo além de seu estado larval, segundo o fundador da Protix, Kees Aarts. “Isso significa que estamos muito além da fase inicial”, disse ele. “No ambiente de startup, você tem algumas máquinas em um banco de testes, mas agora somos realmente uma empresa operacional com uma grande instalação e operações 24 horas por dia, 7 dias por semana.”

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A busca incessante para construir a maior fazenda de insetos

O boom da criação de insetos começou em 2014, quando uma startup sul-africana, agora extinta, chamada Agriprotein, levantou US$ 11 milhões para construir uma fazenda de mosca-soldado negra nos arredores da Cidade do Cabo. A Agriprotein abriu a fazenda, na época a maior do mundo, em 2015 e prometeu abrir mais 99 até 2024. Embora a startup tenha entrado em colapso seis anos depois, ela deu o pontapé inicial na corrida para construir fazendas de insetos em escala monumental.

Seguiu-se uma série de fazendas que quebraram recordes, às vezes mantendo o primeiro lugar por apenas alguns meses antes de serem suplantadas.

Uma gigantesca fazenda de insetos, construída pela Protix em 2019, foi inaugurada com uma fanfarra real em uma cerimônia com a presença do rei Willem-Alexander da Holanda. Aarts insiste que a área de chão de fábrica não é a métrica mais importante para o sucesso dos negócios, mas admite que “participou um pouco desse triste comportamento masculino” de alardear um novo recorde de tamanho.

A atual detentora do recorde, a fábrica da Innovafeed em Nesle, arrebatou a coroa após uma expansão concluída em abril. A empresa já está planejando uma fazenda americana de moscas que quadruplicaria sua produção como parte de sua parceria com a ADM.

O herdeiro aparente é uma instalação de 45 mil metros quadrados construída neste verão pela Ynsect e financiada por um investimento de US$ 224 milhões de capitalistas de risco, incluindo o ator de “Homem de Ferro”, Robert Downey Jr. Ela assumirá oficialmente o recorde quando começar a operar plenamente no final deste ano, mas, por enquanto, a instalação está concentrada em aumentar seu bando de moscas.

O cofundador da Ynsect, Hubert, o mais recente criador de moscas a ocupar o topo do crescente mundo da proteína de insetos, é humilde em seu triunfo. Afinal de contas, a Innovafeed está pronta para retomar o recorde quando expandir sua fazenda Nesle novamente no próximo ano.

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“Não estamos realmente competindo com nossos colegas”, disse Hubert. “O que importa é que somos melhores em comparação com os operadores já existentes e estamos todos juntos para reduzir a pegada de carbono” da cadeia de suprimento de alimentos.

No entanto, ele ressaltou que a Ynsect já está se preparando para expandir suas instalações ainda não operacionais em Amiens, o que potencialmente recuperaria o recorde.

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