Profissão lobista: empresas batem recorde nas contratações e setor de lobby fica mais jovem

Reforma tributária impulsiona indicação de pessoas para defender interesses no setor público; Congresso discute regulamentar atividade

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Foto do author Daniel  Weterman

BRASÍLIA – As empresas nunca contrataram tantos lobistas no Brasil. O setor se repaginou nos últimos anos e foi impulsionado pela reforma tributária, aprovada recentemente pelo Congresso, com diversos segmentos se movimentando para pleitear benefícios e reivindicar tratamentos diferenciados no novo sistema de impostos do País.

Uma pesquisa do Anuário Origem, que reúne o perfil de profissionais de Relações Institucionais e Governamentais do Brasil e da América Latina, mostra um aumento no número de companhias que empregam cinco ou mais lobistas para defender seus interesses junto ao setor público. Além disso, o retrato revela que o segmento está mais jovem e abrindo um espaço maior para mulheres.

Dara de Souza, 28 anos, começou a carreira como estagiária na assessoria parlamentar da Presidência da República e hoje é diretora em uma consultoria de lobby em Brasília. Foto: Wilton Junior/Estadão

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A fatia de companhias com cinco ou mais profissionais dessa área em seus departamentos cresceu de 31,6% para 56,1% entre 2019 e 2024, de acordo com a pesquisa. Por outro lado, a quantidade de negócios que só têm uma pessoa trabalhando nessa área diminuiu de 18,2% para 7,8% no mesmo período, ficando pela primeira vez abaixo dos 10%.

O levantamento foi feito a partir da resposta de 434 profissionais que lideram o setor de lobby em empresas e consultorias especializadas. Como a profissão não é oficializada nem regulamentada, não há números exatos de quantas empresas e quantos lobistas atuam no País, mas a pesquisa indica como as companhias se movimentam nessa área.

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“Aquele cenário, de ter um pessoa em Brasília, ‘o nosso homem em Brasília’, atuando na sombra, vem caindo e não pode ser mais assim”, diz Rodrigo Navarro, realizador da pesquisa e coordenador do MBA em Relações Governamentais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Hoje, as empresas que não tinham essa área estão procurando olhar com mais atenção, ou trazendo uma consultoria externa, ou trazendo uma pessoa, ou mais, ou os dois.”

De acordo com o especialista – e também lobista, ele é presidente da Associação Brasileira da Indústria de Materiais de Construção –, o setor sofreu uma grande reviravolta em 2020, com a pandemia de covid-19, quando várias empresas procuraram o governo para ter auxílios e negociar dívidas como forma de amenizar os efeitos da crise sanitária. “Os setores mais organizados foram os primeiros a serem atendidos. Não foi mágica.”

Afinal, quem é e o que faz o lobista?

O lobista é uma pessoa contratada por uma empresa ou por uma associação de empresas para defender interesses específicos no Congresso, no governo, em uma agência reguladora ou no Judiciário. Pode ser aquela que marca uma reunião entre um ministro e um empresário até aquele que acompanha um projeto de lei com inteligência artificial para coletar informações e fornecer uma estratégia para determinado setor se posicionar.

Como não é uma profissão isolada, acaba sendo exercida por advogados, administradores, cientistas políticos, jornalistas, executivos ou técnicos especializados nos segmentos onde vão atuar. São elas que vão, por exemplo, conversar com deputados para convencê-los de que um setor merece receber um benefício ou uma tributação menor e assim gerar empregos. Ou mesmo para impedir a concessão de uma benesse para um setor “inimigo”, que seja considerado prejudicial para os negócios ou para a economia em geral.

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Diante de denúncias de corrupção envolvendo políticos, empresários e lobistas, o setor tenta se repaginar, inclusive com a regulamentação da atividade no Congresso Nacional. Há alguns que adotam outros nomes, como consultores e até “diplomatas corporativos”, mas lobista é o termo que mais tem adesão no meio.

A cientista política Dara de Souza, de 28 anos, começou a carreira como estagiária na assessoria parlamentar da Presidência da República em 2016, ano do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, e hoje é diretora de Relações Governamentais em uma consultoria especializada em lobby em Brasília.

“Quando as pessoas pensam em lobista, elas têm uma conotação negativa, mas eu sempre falo: se tem práticas negativas, isso não é lobby, é crime”, afirma Dara. “É um trabalho muito mais sofisticado. Trabalhar com lobby é ter uma ferramenta para defender interesses legítimos.”

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A faixa etária dos profissionais vem diminuindo nos últimos anos. A idade média caiu de 44,8 anos em 2019 para 43,4 anos em 2024. Hoje, 15,7% dos lobistas têm até 35 anos, um índice que anos atrás era impensável. O porcentual de mulheres na liderança do setor, por sua vez, cresceu de 31,5% para 43% no período. Para os pesquisadores, ainda há entraves, mas os números indicam uma avanço e um segmento cada mais jovem e diverso.

Além do desejo de atuar e influenciar nas políticas públicas, a remuneração é um dos principais motivos que atrai os jovens para o segmento. Os salários variam de R$ 15 mil, quando o profissional atua em um nível de gerente, e chegam a superar R$ 100 mil por mês, quando atinge o posto de CEO – cargo que incorporou a função de lobista em algumas empresas.

Reforma tributária foi assunto que mais mobilizou lobistas em 2024

A pesquisa do setor também trouxe os temas de maior interesse dos profissionais de Relações Institucionais e Governamentais no ano passado. A reforma tributária foi o assunto que mais mobilizou os lobistas em 2024, com 90% deles marcando a proposta como de “muito interesse”.

Em seguida, aparecem sustentabilidade (81,1%) e inteligência artificial (72,4%). A reforma, que definiu quais produtos e serviços custarão menos ou mais a partir da cobrança de impostos, provocou até uma guerra de slogans entre setores para garantir os benefícios no Congresso Nacional.

O Congresso é um dos lugares onde os lobistas mais se movimentam. O poder dos parlamentares na elaboração das leis e no Orçamento da União aumentou a mobilização de setores interessados na Câmara e no Senado, que tempos atrás batiam mais na porta do Executivo.

“E de um período para cá, nos últimos dez anos, também tem o que eu chamo de ‘VAR’, que é o Judiciário”, comenta Navarro, ao falar da mobilização das empresas junto aos tribunais. “Eu costumo dizer que a pessoa que trabalha nessa área não morre de tédio. Ela pode morrer de susto, mas não de tédio.”

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Foto da cerimônia de promulgação da reforma tributária no Congresso Nacional, em 2023. Pesquisa mostra que proposta foi o assunto que mais mobilizou profissionais de Relações Institucionais e Governamentais em 2024, quando se discutiu a regulamentação da mudança.  Foto: Wilton Junior/Estadão

Congresso discute projeto para regulamentar lobby

O Congresso discute um projeto de lei para regulamentar o lobby no Brasil há 17 anos. A proposta foi aprovada no fim de 2022 pela Câmara e agora está no Senado. A Comissão de Transparência, Fiscalização e Controle da Casa deu aval para o texto em dezembro do ano passado, e agora o assunto está na Comissão de Constituição e Justiça.

O projeto inclui na legislação o exercício da atividade de representação de interesses junto ao setor público. Estão definidas algumas regras, como a obrigação dos órgãos de divulgar a agenda de reuniões com lobistas, e proibição de oferta de bem, serviço ou vantagem indevida pelos agentes privados.

“A regulamentação tem a missão de facilitar o acesso e dar transparência para essa atividade, que é super importante e necessária para a democracia”, diz Navarro.