
Economista-chefe do banco Santander, Ana Paula Vescovi vê um cenário mais difícil para a economia brasileira em 2025. Depois de anos em que o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) surpreendeu para cima, ela não tem dúvidas de que atividade econômica vai desacelerar.
“Passamos por muitos anos com surpresas altistas. Há muita probabilidade de que essas surpresas sejam baixistas neste ano”, diz Ana Paula. “Somando um grau de contração das condições financeiras com uma perda de impulso fiscal, a gente não tem dúvida que a atividade irá desacelerar. Resta saber quanto e quando ela desacelerará.”
No cenário traçado pelo Santander, o PIB deve crescer 1,8% em 2025, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) alcançará um patamar próximo de 6% e a taxa básica de juros - atualmente em 13,25% - vai chegar a 15,5% em junho e terminará o ano em 14,5%.
“O que a gente vê é, se o Banco Central caminhar nesse nível de subida de juros e conseguir ancorar, ainda que parcialmente, as expectativas lá na frente, no horizonte de referência, ou conter essa piora das expectativas, ele pode, inclusive, conseguir reduzir os juros ainda este ano”, afirma Ana Paula.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Nos últimos anos, a economia brasileira surpreendeu com resultados melhores do que o esperado. O banco projeta uma desaceleração em 2025. O que explica esse cenário?
Esse é o principal ponto de atenção dos agentes de mercado atualmente. Ou seja, qual vai ser o tamanho dessa desaceleração e sua distribuição no tempo. Eu acho que ninguém mais acredita que a gente não terá um PIB menor em 2025 comparativamente com o de 2024. E adicionaria que a nossa expectativa, em particular, é que as surpresas em relação ao tema de crescimento e projeções de analistas de mercado tendem a ser baixistas dessa vez. Passamos por muitos anos com surpresas altistas. Há muita probabilidade de que essas surpresas sejam baixistas neste ano.
E por que vai ser diferente dos últimos anos?
O grau de contracionismo das condições financeiras aumentou muito desde setembro. E o quadro vem desde 2022. Não só porque o País estava com juro real acima de 6% desde então, como esse juro real ficou ainda maior desde setembro do ano passado. Isso tende a chegar à atividade econômica. Também não há mais espaços, como houve no passado, em termos de impulsos fiscais. Os estímulos fiscais deste ano serão menores do que os de anos anteriores. Então, somando um grau de contração das condições financeiras com uma perda de impulso fiscal, a gente não tem dúvida que a atividade irá desacelerar. Resta saber quanto e quando que ela desacelerará.
Qual é a previsão de crescimento para 2025?
Temos uma projeção de 1,8% de crescimento. É uma margem que vai entre 1,5% e 2%. Nós acreditamos que o primeiro trimestre ainda tem fatores positivos para a atividade, como, por exemplo, a safra (agrícola), a atualização do valor do salário mínimo e dos salários do setor privado em algumas dimensões. Para o segundo trimestre, vemos o pagamento de precatórios. Será menor do que o do ano passado, mas ainda vai ser um pagamento muito importante. E medidas usuais, como a antecipação do 13º da folha de pensionistas e aposentados do INSS.
Mas vão faltar mais estímulos além da safra e dessas medidas fiscais para o segundo semestre, que será um período de atividade mais contida. Temos um número levemente positivo, mas, dada a margem de erro das projeções, esse número pode ser levemente negativo. O que os analistas costumam falar é que dois números negativos subsequentes do PIB, embora sejam pequenos, levam à caracterização de uma recessão técnica.
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A Selic chega até qual patamar?
No nosso cenário, a Selic vai até 15,5%. Vemos o Banco Central subindo os juros até junho. E a gente vê o câmbio voltando para um patamar de R$ 5,70 - ou abaixo disso. (O câmbio) Permanecendo por mais tempo nesse patamar, é possível que vejamos uma pressão menor sobre as expectativas de inflação no horizonte de referência da política monetária. Se isso ocorrer, abre algum espaço para o Banco Central não ir tão longe. A gente vê o Banco Central subindo os juros nas condições atuais até final do primeiro semestre. O que a gente vê é, se o Banco Central caminhar nesse nível de subida de juros e conseguir ancorar, ainda que parcialmente, as expectativas (de inflação) lá na frente, no horizonte de referência, ou conter essa piora das expectativas, ele pode, inclusive, conseguir reduzir juros ainda este ano. E esse é o nosso cenário básico: ele vai mais longe, mas consegue reduzir juros ainda este ano.
E qual é o cenário para a inflação? O IPCA fica fora da meta?
Neste ano, em particular, sim. No próximo ano, não. Mas vejamos: é um processo em que a inércia, a transmissão da depreciação cambial para os preços domésticos, o mercado de trabalho ainda resiliente e a inexistência de capacidade ociosa na economia são fatores que concorrem para essa aceleração inflacionária em 2025. Esses fatores tendem a se relaxar mais para frente. A política monetária vai exercer um papel importante nesse processo. A política monetária, ainda que precisando elevar a dose do instrumento, que são os juros, está cumprindo o seu papel. O nosso cenário é de uma uma inflação perto de 6% este ano, mas mais moderada em 2026.

Sobre as contas públicas, quão grave é a situação fiscal do País hoje?
Eu acho que é grave o fato de a sociedade não estar conseguindo encontrar os consensos necessários para colocar as contas públicas em equilíbrio. Por que as contas públicas não podem ser deficitárias e é preciso gerar um nível de superávit capaz de estabilizar a dívida? Por trás, está uma despoupança do governo. Os governos - o setor público como um todo - estão subtraindo a poupança do setor privado. E nós somos um país em desenvolvimento, com escassez de poupança. Nós precisamos ter um custo de capital e um ambiente de negócios mais leves. Precisamos dessas duas coisas para conseguir crescer mais rápido, melhorar a vida de um contingente maior de pessoas e reduzir as desigualdades do País.
A gente insiste tanto nesse ponto do ajuste fiscal porque as contas públicas não estão em equilíbrio. Se a dívida pública está aumentando, não adianta ter algumas despesas que ficam fora da contabilidade da meta (de resultado primário), porque tudo, no final das contas, afeta a dívida e afeta esse fato de o governo retirar recursos da poupança agregada do Brasil. Eu acho que esse é o ponto muito importante que temos de frisar.
E já é uma situação que dura anos..
O problema fiscal brasileiro, que, em alguma medida, está relacionado com o nosso envelhecimento muito rápido, com a nossa demografia e com os grupos de interesse atuando muito enfaticamente para conseguir ter mais benefícios relativamente a outros, nos leva a esse problema que está aí há 10 anos. O que eu quero insistir é que só há um tipo de medida que vai melhorar esse cenário: o controle dos gastos públicos. Mesmo que a gente tenha uma desaceleração da atividade, que a gente possa aliviar a política monetária, que os juros tenham um alívio cíclico, isso também pode prejudicar as receitas dos governos, porque a desinflação tira receita dos governos. Isso pode até piorar o quadro fiscal. Só tem uma forma de a gente melhorar esse quadro: é fazer o dever de casa, fazer o ajuste fiscal. É criar consensos para temas que são, sim, muito difíceis de serem compreendidos e endereçados, mas absolutamente necessários.
Há sinais de que o governo ainda pode adotar medidas para melhorar a situação das contas públicas?
Primeiro, eu acho que o mercado já tem mais ou menos clara a agenda de políticas públicas e econômicas até o final do governo. É isso que está sendo anunciado e trazido de forma bastante clara. Quer dizer, a medida do aumento do limite da faixa de isenção de Imposto de Renda, a questão dos Estados, que têm caixa elevado e estão com garantia para tomar mais dívida e, provavelmente, vão rodar as obras públicas perto do momento de eleição. Isso aconteceu nas eleições municipais também. Ninguém espera algo diferente além do que está aí. Tem também os mecanismos de crédito que foram ativados via BNDES, via o Fundo Clima, via Letras de Crédito de Desenvolvimento. Tem uma série de coisas na agenda e que está mais ou menos claras para os agentes privados. O que não está claro é como é que vai ser esse processo eleitoral até 2026. Nesse campo, eu repito muito que política é igual a nuvem no céu. É uma coisa muito dinâmica. Só nos resta acompanhar e ver como vai ser a condução desse processo.
E qual será a urgência de um ajuste em 2027, no próximo governo?
Para 2027, reeditam as expectativas de todos os agentes de como será a política econômica de qualquer que seja o governo - seja ele reeleito ou um outro governo. Será o momento de refazer essa condição de formação de expectativas e de apresentar uma pauta clara de política econômica. Não tenho dúvidas que dois canais que mencionei, o primeiro, o ajuste das contas públicas via controle de gastos, principalmente dos obrigatórios; e o segundo, a melhoria do ambiente de negócios a favor de quem quer investir no Brasil, serão pontos da agenda que vão chamar muito a atenção. Não tem como escapar. A boa notícia é que o Brasil já tem um conjunto muito amplo de propostas bem construídas, de diagnósticos e estudos que foram feitos dentro dos próprios governos, em diversas agências, no setor privado e nas academias. A gente tem muita coisa já testada, de avaliação de impacto, de propostas para poder seguir esses dois caminhos.
Na parte fiscal, a principal preocupação para 2026 é o governo gastar demais na eleição?
Eu acho que é uma observação muito importante. Na medida em que há uma queda de atividade, que pode ser mais pronunciada ou não, como isso vai repercutir sobre os índices de popularidade? E como os governos subnacionais e o federal podem reagir a esse processo? De novo, o menu nos parece que está colocado. A cada evento novo, a cada fato novo, isso vai repercutir em termos de ganho ou perda de confiança e de piora ou melhora de expectativas. É um fator balizador, um fator de colocação de freios e contrapesos a esse processo e que é natural dos ciclos políticos e econômicos no Brasil. Não é de agora. Isso chega no Congresso, nas instituições, na decisão dos investidores de adiar ou de antecipar os projetos de investimento. E uma das perguntas mais importantes que eu ouço entre analistas e clientes do setor financeiro é: o que pode acontecer se realmente houver uma associação de uma desaceleração (econômica) mais intensa com uma perda de popularidade igualmente mais pronunciada?
Com o BC cortando os juros no cenário do banco, a economia consegue acelerar ou desaceleração em 2026, no ano eleitoral?
Existem defasagens normais da política monetária para a atividade. É importante dizer que, mesmo que a gente acredite que ele (BC) vai um pouco mais longe e depois já começa a cortar no final deste ano, a estância da política monetária ainda vai ser muito contracionista. Essa postura vai permanecer por algum tempo. Estamos falando de um juro neutro (que não atrapalha nem estimula a economia), segundo o nosso estudo, acima de 5%, de uma inflação que precisa chegar na meta, mas que é uma inflação que hoje pelas expectativas roda - vamos pegar o número do Banco Central - em 4% no horizonte de referência. Então, a gente teria uma Selic neutra perto de 10%. A política monetária vai ter uma postura contracionista por algum tempo. E aí o ciclo da atividade vai chegar em 2026 ainda com atividade contraída. Eu acredito que, assim como a gente viu três anos mais impulsionados, a gente pode ver um ciclo de contração que vai ser mais longo ou mais curto a depender da reação e do funcionamento dos canais de transmissão da política monetária para desinflacionar a economia.
Qual pode ser o impacto das tarifas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump?
Acreditamos que Trump não vá implementar todas as tarifas que sugeriu ao longo da sua campanha (10% contra todos, 25% contra Canadá e México e 60% contra China). Acreditamos, sim, que algo vai ser implementado, mas será mais comedido e mais direcionado para setores específicos. Sempre observando espaços para o reshore (volta da produção para os Estados Unidos) ou alguma reindustrialização nos EUA.
O primeiro impacto das tarifas acaba sendo inflacionário. Num ambiente no qual a inflação já encontra-se pressionada e acima da meta, este impacto pode adicionar pressões no Fed (Federal Reserve, banco central norte-americano), onde já se discute a possibilidade de um fim de ciclo. Com inflação mais alta e juros mais pressionados, o impacto também é potencialmente negativo para a atividade. Outro ponto relevante e que também pode impactar negativamente a atividade nos EUA são as potenciais retaliações por parte dos parceiros comerciais. Portanto, o cenário das tarifas envolve mais inflação, mais juro e menos crescimento.