Ter frota logística 100% sustentável no Brasil ainda é inviável, diz CEO da L’Occitane

Silvio Prado, gestor da empresa no País, defende parcerias público-privadas para que companhias com certificados de sustentabilidade não fiquem ‘de mãos atadas’ diante da ausência de infraestrutura

PUBLICIDADE

Foto do author Shagaly Ferreira
Atualização:
Foto: L'Occitane/Divulgação
Entrevista comSilvio PradoCEO da L'Occitane no Brasil

O mesmo Brasil que é rico em matérias-primas renováveis para uma diversidade de cosméticos também carece de infraestrutura para transportar esses produtos de forma menos poluente. Para Silvio Prado, CEO da L’Occitane no Brasil, a falta de suporte para recarga de carros elétricos, o alto custo desses veículos e o seu grande poder de depreciação contribuem para que as empresas não consigam avançar em uma logística mais limpa.

A companhia do setor cosmético de origem francesa chegou hoje, no Brasil, a ter pouco mais de 50% da frota para entregas composta por carros elétricos. Porém, tem encontrado barreiras para alcançar os 100% nesse quesito. Globalmente, a companhia anunciou metas de carbono neutro até 2030 e de carbono zero até 2050, e conta com estratégias de logística sem combustíveis fósseis para atingir esse objetivo.

Subsídio do governo pra setor privado é o que muda o rumo da sustentabilidade, diz CEO da L'Occitane

Para alternativas de frota limpa na operação das empresas, Silvio defende parceria público-privada como as que financiam instalação de multinacionais no Brasil

“O Brasil não tem como suportar um investimento de qualquer empresa para ser 100% sustentável nesse sentido. Se eu compro um carro elétrico para posições que rodam o interior de São Paulo, não é toda a cidade que terá estrutura para recarregar. E quando se vai para fora de São Paulo, é pior ainda”, afirma o gestor.

Segundo Prado, subsídios do governo federal ao setor privado seria uma forma de encontrar soluções conjuntas para o dilema. Ele deseja que este seja um dos tópicos tratados na 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30). “Espero que sejam apresentados planos nos quais as empresas possam sentir confiança de que, sim, podem bater na porta do governo brasileiro.”

Publicidade

Abaixo os principais trechos da entrevista:

A L’Occitane tem uma proposta de uso de quatro biomas brasileiros, de modo que eles chegam a nomear linhas e estar em destaque em relação ao próprio nome da marca. Por que essa escolha?

O grupo L’Occitane acredita muito no poder da natureza. Quando vamos para a parte criativa, estamos buscando coisas que sejam naturais, sustentáveis, que façam bem para o planeta e para as pessoas. Então, toda vez que estamos criando um produto e pensando qual a melhor maneira de comunicá-lo, levamos isso em consideração. Tudo isso para nós tem um sex appeal tão natural, que sempre vamos para uma direção onde o produto é o ator principal da nossa comunicação. Queremos transformar o ingrediente natural em visual, em alguma coisa que seja desejável, a partir dessa essência. Temos esse olhar muito apaixonado pela natureza, e, quando montamos o produto final, é natural que seja transmitida toda essa apreciação nas nossas embalagens, até mais do que a própria marca.

Como funciona a aquisição desses insumos naturais?

Lá atrás, nós já entendíamos que existia um potencial imenso para fazer produtos com esse perfil e, em paralelo, ajudar as pessoas que viviam no campo ou no sertão, até sem pensar que aquilo, de alguma maneira, pudesse ser lucrativo. Temos uma área de pesquisas dentro da L’Occitane que saiu pelo Brasil afora, entendendo quais ingredientes poderiam ser utilizados nos nossos produtos de beleza, só que com um viés muito grande de como desenvolver essas regiões. Percebemos que, em relação ao valor pago para essas comunidades, nós podíamos pagar um pouquinho mais (pelos insumos). Além da compra dos insumos desses pequenos produtores, também investimos no desenvolvimento deles, com capacitações, tecnologia, boas práticas de regeneração da agricultura, do solo e do clima. Temos uma relação muito próxima com eles.

Algumas empresas relatam dificuldade na conscientização de cadeia de fornecedores em relação à práticas sustentáveis. Isso para vocês não é um problema?

Nunca, nesses 12 anos na companhia, tive algum tipo de problema com os fornecedores de ingredientes naturais, referente a estarem devastando ou adotando práticas que degradassem o solo. Todos eles tinham, inclusive, um processo de cultivo que me remetia muito a como cuidávamos da terra no passado.

Publicidade

Marca fez parceria com pequenos produtores para aquisição de insumos renováveis Foto: L'Occitane/Divulgação

Ter com insumo ingredientes naturais no país com a maior biodiversidade do mundo torna menos desafiadoras as operações da empresa?

A nossa visão é que sim. Primeiro, porque gera apreço e curiosidade do mundo inteiro sobre o que temos aqui. É fenomenal, quando falamos de beleza, cultura e ingredientes naturais, o quanto as pessoas entendem que o Brasil tem um diferencial. Então, sendo muito prático e ao mesmo tempo romântico, sim. A companhia tem outras empresas no mundo inteiro de cosméticos, e cada uma preserva um pouco da cultura de seu país. E, quando chega a L’Occitane au Brésil, todo mundo quer entender o que é e se interessa. Quando pensamos em marcas do grupo com potencial de prosperar, com certeza a L’Occitane au Brésil é uma delas. É como se eu tivesse um quintal aqui cheio de belezas para serem observadas.

A interferência dos extremos climáticos nessa biodiversidade já tem sido um risco calculado pela empresa?

Temos uma parceria com agricultores e comunidades que é muito próxima. Estamos sempre gerindo as nossas expectativas de crescimento versus a capacidade de produção deles, sempre a longo prazo. Isso nos ajuda, de alguma maneira, a minimizar esses impactos. Isso é uma preocupação, pois a marca cresce dois dígitos a cada ano. E, neste momento, existe uma preocupação como um todo de como proteger o ecossistema. Temos trabalhado com os produtores, analisando os riscos de abastecimento ou os riscos de suscetibilidade a fortes chuvas e a secas muito extensas que impactam a produção. Então, esse trabalho também permite se antecipar ou agir muito rápido quando um evento climático extremo acontece.

A companhia está operando na parte de serviços de entrega com 50% da frota elétrica. O que falta para chegar aos 100%?

Faz cerca de três anos que estamos querendo comprar carro elétrico para todos na L’Occitane, mas o Brasil não tem como suportar um investimento de qualquer empresa para ser 100% sustentável nesse sentido. Então, por exemplo, se eu compro um carro elétrico para posições que rodam no interior de São Paulo, não é toda a cidade que terá estrutura para recarregar. E quando se vai para fora de São Paulo, é pior ainda. A barreira que toda a empresa está enfrentando, inclusive nós, é saber qual é a infraestrutura para poder investir, independente se vamos pagar em um carro elétrico R$ 100 mil e depois, daqui a cinco anos, ele vai valer zero. Para mim, a principal barreira que temos é como o Brasil consegue dar suporte às empresas nesse investimento ou criar algum plano que possa ser feito em conjunto, algum tipo de acordo de investimento. A L’Occitane poderia ter 100% da frota elétrica, mas o custo disso nesse momento, no Brasil, é tão alto que ficamos de mãos atadas.

L'Occitane usa mais de 50% de carros elétricos para entregas Foto: L'Occitane/Divulgação

Então, é uma questão de preço e falta de estrutura?

Um carro elétrico, na maioria das vezes, é 50% mais caro. Quero trocar os carros elétricos que compramos por uns mais novos, com tecnologias melhores, e não achamos mercado. Tenho carros que, talvez, tenha três anos de uso, no máximo, e nem o ferro-velho quer. Então, existe um problema muito grande de como evoluir nessa direção.

Publicidade

O que o sr. acredita que poderia surgir como solução nesse sentido?

PUBLICIDADE

Acredito na parceria entre o privado e o público, para que possamos dar um sprint e para que as pessoas percam os medos. Porque também estamos falando de uma série de tentativas no passado que precisam ser jogadas para trás. E a única maneira de fazer isso, para mim, é uma nova tentativa, só que com os dois setores unidos, para que possamos escrever um novo capítulo. Acredito muito em parcerias, porque a tecnologia está aí. O Brasil é um baita mercado. Como não conseguimos deslanchar nesse sentido?

A COP no Brasil, como esse espaço de discussões, pode ser um momento para formação dessas parcerias?

Quando se pensa em sustentabilidade ou oportunidade, é impossível que o Brasil não venha à tona como um país que pode colaborar. Então, sim, eu vejo essa oportunidade das pessoas se reunirem e debaterem esse tema específico no Brasil. Primeiro, (vejo) a oportunidade das pessoas do mundo inteiro interessadas em olharem para cá e entenderem que também existem empresas aqui que estão interessadas em fazer isso. Eu seguramente acredito que termos essa discussão no Brasil vai fazer com que o País mostre que pode ser um centro onde podemos receber muitas oportunidades das pessoas que estão liderando isso no mundo inteiro, aliando os setores público e privado.

Para o sr., então, o subsídio público para empresas que possam trazer essa frota mais sustentável pode ser uma saída?

Eu gosto dessa história porque, basicamente, quando você pega essas multinacionais montadoras que vem para o Brasil, trazendo uma nova tecnologia e que se tornam fortes, como por exemplo, a BYD, elas têm um benefício, se instalam em algum lugar e o governo por um tempo subsidia elas. Então, é só um exemplo de que isso funciona. Há quatro anos, essas marcas eram olhadas pelos nossos consumidores com desconfiança. Hoje, você vê pessoas cada vez mais usando esses carros com confiança, porque houve um incentivo financeiro, houve a educação dessas pessoas (para saber que) aquela empresa conseguiu um benefício para estar aqui. Então, para mim, isso que estamos discutindo não é diferente. Se acreditamos que essa é a saída, olhando a extensão territorial do Brasil e tudo o que pode ser classificado como material para resolver o problema da poluição via combustível sustentável, por que não? Então, sim, eu entendo que são frentes como essa podem mudar a direção.

Publicidade

Somente o setor privado reunido não é suficiente para viabilizar isso?

Eu nunca digo não, mas gosto de entender que, quando as coisas são feitas com parceria, é melhor. As empresas que se preocupam com isso, por exemplo, as que são B Corp (certificado internacional de boas práticas em sustentabilidade), mostram o setor privado indo e investindo em uma direção que é o futuro. Sim, eu acredito que o setor privado pode fazer a diferença, mas eu sempre vejo que, nesse assunto, não temos muito mais tempo para perder, temos que recuperar. Então, se eu pensar que o público e o privado não vão trabalhar juntos, é como se eu tivesse perdendo uma oportunidade de alcançar um grande resultado. Espero que (na COP-30) sejam apresentados planos nos quais as empresas possam sentir confiança que, sim, podem bater na porta do governo brasileiro.