Direção está dada: não há retrocesso possível na descarbonização da indústria, diz CEO da Tetra Pak

Para Marco Dorna, na década da emergência climática, não se pode mais tratar a sustentabilidade apenas como um departamento, e nem o início do governo Trump pode interferir na jornada verde

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Foto do author Shagaly Ferreira
Foto: Tiago Queiroz/Estadão
Entrevista comMarco DornaCEO da Tetra Pak

Quando o tema é sustentabilidade nesta década, a palavra-chave é emergência. É sob o critério de uma corrida contra o tempo que as empresas precisam considerar os temas da agenda dentro do DNA da cultura corporativa e não somente como assunto de um determinado departamento. Na avaliação do CEO da Tetra Pak no Brasil, Marco Dorna, não é mais possível pensar em retrocesso.

A multinacional comandada por ele, que mantém subsidiária no Brasil há 67 anos, é conhecida pela fabricação de embalagens cartonadas (tipo longa vida) à base de papel, plástico e alumínio para o setor de alimentos. Dorna diz que, globalmente, a empresa tem investido o equivalente a mais de R$ 600 milhões anuais para a elaboração da chamada “embalagem mais sustentável do mundo”, 100% feita de fonte renovável e/ou reciclada, zero carbono e com manutenção de segurança alimentar.

Com a iniciativa, o executivo diz que a empresa busca fortalecer a jornada de descarbonização dos demais setores da cadeia, em uma aliança com efeitos de longo prazo. A companhia está em quase 200 países. O compromisso, segundo ele, deve resistir a quaisquer discursos anti-ESG de escala global, incluindo possíveis influências de uma agenda política dos EUA, que podem ganhar força com a posse de Donald Trump, nesta segunda-feira, 20.

Dorna conversou com o Estadão para uma série de entrevistas relacionadas à 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), que acontecerá em novembro deste ano, em Belém (PA). A seguir, os principais trechos da entrevista:

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A companhia tem investido para elaborar a ‘embalagem mais sustentável do mundo’. Como ela será?

A Tetra Pak é uma empresa conhecida pela embalagem, mas não faz só isso. Ela é líder mundial no processamento e envase de alimentos. Uma empresa que faz o que a gente faz para o segmento em que a gente atua não pode se dar ao luxo de tratar a sustentabilidade como um departamento. Ela é a essência da nossa estratégia. Todos os anos, investimos em torno de € 100 milhões (R$ 629 milhões) anuais só para a concepção da embalagem mais sustentável do mundo. Ela é 100% feita de fonte renovável e/ou reciclada, zero carbono, sem nunca comprometer a segurança alimentar. Nessa corrida, partimos de uma posição muito privilegiada. A embalagem tem basicamente três materiais: 75% é papel, 25% é plástico e 5% é alumínio, todos feitos no Brasil, com 100% de fontes certificadas. O papel é de fonte renovável, e grande parte do plástico vem da cana-de-açúcar, então já partimos de um porcentual de ‘renovabilidade’ na casa dos 84% até 90%.

Já há alguns exemplos?

Uma trilha lançada no começo de 2024 em Portugal, ainda em fase de testes, troca o alumínio por uma fibra de papel. Mas também existe uma grande frente no Brasil na qual nós vamos apostar de maneira muito forte, que é uma tecnologia nova desenvolvida com a empresa CBA, que permite a separação entre o plástico e o alumínio durante a reciclagem, trazendo o alumínio de volta para embalagem. Essa tecnologia foi lançada no final do ano passado e vai estar comercialmente viável no fim deste trimestre.

Tem sido complexo chegar até essa embalagem?

É difícil no sentido de que requer tecnologia, inovação, criatividade e investimento. O alumínio na embalagem, muito embora seja oito vezes mais fino do que um fio de cabelo, tem uma função prioritária que é proteger o alimento. Quando vemos o leite em uma embalagem Tetra Pak com tempo de prateleira de um ano, eliminando conservantes e cadeia de frio, é porque se combina um tratamento térmico de um produto e a colocação dele em uma caixinha protegida de luz, oxigênio e calor. Encontrar uma barreira que não comprometa a segurança do alimento é fundamental, mas trabalhar a evolução desses materiais é importante. É complexo, mas possível.

Marco Dorna, CEO da Tetra Pak no Brasil Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Então, o que hoje já pode substituir o alumínio é a fibra de papel?

A ideia é sempre apostar na fibra. Somos pioneiros, mas essa tecnologia ainda está embrionária. Para nós, a grande missão é trabalhar sempre com a visão de economia de baixo carbono e olhar a potencialidade do Brasil, porque o alumínio no País tem uma pegada de carbono muito inferior a qualquer outra parte do mundo, pela própria natureza da nossa matriz energética. E quando se pensa no alumínio como um material reciclado, ele tem um mercado muito amplo. Por isso, nunca vimos o alumínio como vilão. Pelo contrário.

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Como a empresa consegue usar material reciclado nas embalagens mantendo a segurança alimentar?

Existem aspectos que são de ordem regulatória, alguns alimentos para os quais a Anvisa e órgãos internacionais não permitem a utilização de reciclados. No caso do alumínio, ele vai para o começo da cadeia de reciclagem e sai puro, nunca comprometendo absolutamente a questão de um alimento seguro.

Quem vai demandar no Brasil as embalagens que preservam o meio ambiente no Brasil? Uma pressão regulatória?

Trabalhamos há mais de 25 anos com o desenvolvimento do que é reciclagem de material cartonado no Brasil quando nem se falava muito disso. No passado, existia uma dúvida sobre a tecnologia para reciclar embalagem Tetra Pak. Isso já não existe. A empresa foi pioneira no País em desenvolver essa tecnologia e apoiar a construção de uma rede de mais de 700 cooperativas que recebem apoio com prensas, balanças e equipamentos de proteção, para criar uma cadeia de reciclagem cada vez mais estruturada, antes de qualquer tipo de legislação. Independente disso, olhamos a missão de proteger pessoas, planeta e alimentos. Quando vier uma regulação, já estaremos preparados.

No setor de alimentos, como isso tem ocorrido?

Vejo um amadurecimento muito grande, guiado, talvez, pelo regulatório, mas muito mais por pressão de clientes de varejo, de sociedade civil organizada.

Então, é um movimento que não deve retroceder…

Eu não vejo como. Sou categórico em afirmar que a direção está dada e não tem nenhum tipo de retrocesso possível. Quando olhamos a busca pela embalagem mais sustentável, ela também traz o nossa posição como parceira desses clientes na descarbonização das suas cadeias. Estima-se que 30% da pegada de carbono mundial seja derivada do setor de alimentos. Nós fornecemos a embalagem, mas, para ela estar prontinha, há todo um aparato industrial: pasteurizador, tanque, centrífuga, e aí temos um papel crucial como fornecedores. Quando construímos equipamentos cada vez mais eficientes em pegada de carbono, ajudamos nosso escopo 3 e os escopos 1 e 2 dos nossos clientes.

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Conversando com representantes do setor de reciclagem, eles ainda falam das dificuldades do aproveitamento da caixa longa vida aqui no Brasil. O que a empresa tem feito em relação a isso?

Tecnologia não é uma questão. A embalagem é 100% reciclável. Ao longo desse período, o nosso esforço tem sido de apoiar atores nessa cadeia nos seus diferentes elos, tentando estabelecer uma matriz capaz de permitir a logística reversa de maneira mais abrangente. A empresa no Brasil investiu mais de R$ 26 milhões no ano passado em apoio à cadeia, e basicamente o que a gente tem no Brasil são dois grandes desafios. Primeiro é ainda, infelizmente, a conscientização ambiental, e o segundo é a coleta seletiva. Temos ainda bastante gente à margem no que tange ao escoamento adequado de todo tipo de resíduos.

A COP-30 no Brasil é uma possibilidade de maior diálogo com o poder público, para surgir uma solução nesse sentido?

Nós sempre fomos entusiastas do conceito da responsabilidade compartilhada. Ela é a base da construção da Política Nacional de Resíduos Sólidos de 2010, da qual nós também participamos de maneira bastante ativa. Com a evolução da sociedade, temos também evoluções dessas leis. Do ponto de vista da COP, gostaria muito de que esse fosse um tema, e tomara que seja, mas do ponto de vista da cadeia de alimentos e bebidas vejo basicamente dois pontos importantes. O primeiro deles é a questão da emergência. Nas últimas edições da COP, falávamos que essa era a década da ação, e eu vejo que já passamos desse ponto, esse é o momento da emergência. É inegável que os efeitos da crise climática se vêem cada vez mais presentes. Então, esperamos que esse clamor também se traduza em ações práticas. E o outro aspecto muito importante também é a importância do setor na descarbonização do planeta. Existe uma grande área de transformação onde podemos atuar de maneira muito forte, seja na utilização de menos resíduos, seja com equipamentos mais eficientes e com embalagens que permitam um alimento viajar maiores distâncias cadeia refrigerada e conservantes.

TQ SÃO PAULO 16.01.2025 METRÓPOLE Economia para a série Economia Verde Rumo à COP-30. RETRATO do CEO da Tetra Pak no Brasil, Marco Dorna. Foto Tiago Queiroz/Estadão Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Uma vez que o evento ocorrerá no País, com maior facilidade para participação de mais empresas locais, há uma expectativa de encontrar novos parceiros?

Nós temos clientes de diferentes tamanhos e em diferentes lugares do Brasil. Não olho a COP como uma área para fazer negócio, mas gostaria muito de ver a possibilidade da construção de ecossistemas para que, com este olhar para a Amazônia, conseguirmos encontrar soluções para as comunidades que trabalham ali e apoiar a construção de cadeias sustentáveis que protejam a natureza.

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A Tetra Pak está em quase 200 países, incluindo os EUA, no qual Trump vai iniciar seu segundo mandato e é conhecido por ser vocal em discursos anti-ESG. É uma preocupação isso resultar em possíveis barreiras para essa jornada verde?

Nós já passamos por muita coisa: governo militar, de esquerda, de direita, Trump, Clinton, Obama… Isso não muda a perspectiva de longo prazo da companhia. Temos 70 anos, e o Brasil foi a segunda subsidiária do mundo depois da Suécia. Nossos compromissos com os clientes são de tão longo prazo que nos colocamos à margem dessas preocupações. Talvez possa haver influências do ponto de vista de tarifas que podem mudar a dinâmica do agro brasileiro. Mas, honestamente, não trabalhamos com um cenário de mudança, mas de continuidade. Sobre a agenda de sustentabilidade, vejo que de maneira nenhuma (haverá mudança dentro da companhia). A nossa visão sobre isso começou em 2010, quando lançamos as nossas metas de descarbonização. Esse compromisso é absolutamente inegociável. Não deve haver retrocesso. Sendo mais enfático, não vai ter retrocesso.

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