O governo fez uma antecipação indevida de discussão eleitoral, ao incluir a reforma na tributação sobre renda no anúncio do pacote de contenção de gastos, e por isso agora o mercado antecipa para 2025 as incertezas que seriam esperadas para 2026. A avaliação é de Luis Fernando Lopes, sócio, economista-chefe e estrategista do Pátria Investimentos.
“Daqui pra frente tudo que o governo propuser, fizer ou deixar de fazer, vai ser visto como uma discussão eleitoral. Toda estratégia econômica de ajuste exige uma decisão política de como fazer. Agora, introduzir um aspecto eleitoral na política econômica não tem como justificar”, afirma Lopes, em entrevista ao Estadão.
“O presidente Lula pode estar certo. Nada piora para sempre. Tem uma hora que estabiliza. Mas vai estabilizar a que ponto?”, questiona, sobre a reação negativa do mercado financeiro.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Como vê o cenário da economia global para 2025?
Sobre o cenário global, estamos vendo um retorno para o mundo que vimos antes do período de ouro da globalização, que foi a virada dos anos 90 até a crise financeira de 2008, 2009. Houve esse período em que vimos agendas de globalização sincronizadas e concordantes. Estados Unidos, Europa, China - e os outros países se alinhando nisso.
Essa história começa a mudar em 2008. Em 2009 teve a crise financeira internacional e nunca nos recuperamos dela, para falar a verdade. A recuperação econômica foi bem medíocre. Há desaceleração do crescimento econômico mundial. A despeito da inteligência artificial, a despeito do progresso da tecnologia de informação, a despeito de todas essas coisas maravilhosas que estão acontecendo, a atividade econômica global está caindo no horizonte de longo prazo.
Temos menos investimento direto transnacional no mundo inteiro, menos fluxo de comércio e esse é um mundo no qual deixamos de estar numa era da globalização. O que estamos vivendo agora é ainda uma era de globalização, os principais protagonistas têm agendas globais, só que essas agendas não são mais agendas concordantes, elas são agendas conflitantes.
Por que?
É um mundo no qual, por exemplo, a maior economia vai perseguir uma agenda que é atrair o máximo de recursos para os Estados Unidos, produção local, retaliação contra qualquer outra economia que eles acham que não esteja jogando a regra do jogo do jeito que deve ser jogado, China especialmente.
O ponto interessante é que o quadro global não é uma combinação de quadros regionais que são exatamente iguais. A América Latina, nesse período de globalização fraturada, não teve uma surpresa negativa de crescimento. Na verdade, pegando a economia principal, que é o Brasil, tivemos, ao longo dos últimos anos, surpresas positivas. No comparativo, a América Latina não está mal na fotografia, está até melhor do que outras regiões.
E, nesse quadro, qual o papel da política econômica doméstica? Especialmente falando sobre o caso do Brasil.
Na globalização fraturada, as políticas econômicas domésticas que, na verdade, definem quem são os grandes ganhadores, nessa recolocação dos protagonistas da economia global.
O que temos é uma melhora institucional, estrutural da economia brasileira. Estamos no campo dos que acham que o que aconteceu de 2008 pra cá no Brasil, mesmo com toda a turbulência política no meio do caminho, o conjunto de reformas aprovadas desde então torna a economia brasileira estruturalmente menos problemática. Ela tinha uma taxa de crescimento muito baixa, e o produto potencial do Brasil agora cresce em velocidade maior. Tem progressos feitos no ponto de vista de combate à inflação, independência do Banco Central. O conjunto da obra não é ruim e provavelmente explica as surpresas recorrentes de crescimento. O Brasil caiu muito menos do que se imaginava durante a pandemia de 2020, recuperou mais do que se imaginava em 2021 e também superou as expectativas em 2022, 2023 e 2024, mais do que tudo.
O grande problema a resolver é o problema fiscal. Tem um setor público que gasta muito, há muito tempo, e gasta muito mal. E aí, para financiar essa combinação toda, você tem de ter uma carga tributária excessivamente elevada para um país emergente como o Brasil.
Há economistas que dizem que pode até ter havido uma melhora no PIB potencial em razão dessa mudança estrutural, mas que há um crescimento positivo surpreendente por conta desse impulso fiscal, de gasto do governo. O sr. concorda? É estrutural ou temporário?
A história de melhora de fundamento não é uma história binária. É uma história contínua ao longo do tempo. A melhora dos fundamentos foi o resultado de várias reformas. Reforma trabalhista, tirar o monopólio do setor público no setor de saneamento e permitir investimento de infraestrutura privada em saneamento, a independência do Banco Central.
E isso vai gerando efeitos ao longo do tempo que demoram para se manifestar e você precisa ver o efeito cumulativo delas. O que tínhamos era um crescimento real do PIB per capita no Brasil não era muito diferente de zero. É bem mais significativo hoje.
Agora, nós estamos falando de um crescimento do PIB per capita potencial ajustado de 1,5% a 2%, que se traduz de um crescimento do PIB em si, dadas as condições que a gente tem hoje, que é alguma coisa entre a faixa de uns 2,5%, talvez 3%, dependendo de condições externas mais ou menos favoráveis. Mas o PIB não está crescendo, nem 2,5%, nem 3%. A expectativa de crescimento é acima de 3%.
Então, estamos crescendo acima do que seria o potencial? Sim. Estamos crescendo muito, muito acima? Não. Tanto é que não temos um grave problema de inflação.
Agora, como eu falei, essa história não é uma história estática, é uma história dinâmica. Se você mudou o sinal fiscal, se passou a introduzir uma incerteza na trajetória da dívida pública, se você vai ou não conseguir estabilizar essa dívida pública, isso começa a trabalhar contra a melhora estrutural. Então, o crescimento do PIB potencial per capita pode ser diferente em 2026, se você não contar uma história fiscal interessante desde agora. Os mesmos 3% de crescimento em 2026 pode se mostrar um crescimento excessivo se você não mudar a rota fiscal.
O governo fez um anúncio de um conjunto de medidas para tentar responder esse problema fiscal, mas teve efeito negativo no mercado. Qual sua avaliação?
Durante a campanha eleitoral de 2022, o vencedor, o presidente Lula, não queria se comprometer com meta fiscal nenhuma, porque nos primeiros dois mandatos dele não tinha isso, ele achava que a reputação dele era suficiente para resolver. Ele foi obrigado a aceitar um arcabouço fiscal. O novo arcabouço fiscal foi implementado e precisava ser melhorado. E essa é a discussão que estava permeando os debates.
Só que aí tivemos um anúncio de um conjunto de medidas fiscais que, embora tenha ido na direção correta, ficou aquém daquilo que seria necessário para fazer o fortalecimento do arcabouço fiscal como se esperava. E ninguém esperava que a agenda eleitoral entrasse tão cedo na pauta, mas foi claramente o que vimos.
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Não era o momento de fazer isso. Coloca aquele ponto de interrogação: quanto mais de melhora na área fiscal a gente pode ter até 2026, se agora o debate vai ficar sempre em cima dessa coisa do eleitoral? O fiscal ficou mais incerto. O que o mercado menos gosta não é um cenário ruim, é insegurança, essa incerteza muito forte que você não consegue colocar preço no ativo.
Fica claro que foi uma decisão do presidente Lula, direcionada à população, é um presidente que afirma que não quer falar só para o mercado financeiro. Há uma aposta de que o ruído do mercado, uma hora, se dissipa. Ele se dissipa mesmo? Ou o impacto atravessa o cenário econômico e atinge também a política?
A discussão de estratégia de ajuste econômico é válida. A discussão eleitoral que é indevida. O mercado foi aumentando as expectativas, o governo foi dando sinais de que a reforma era maior do que o imaginado. Inflaram expectativas, depois frustraram essas expectativas e introduziram um elemento extemporâneo no pacote. Poderia ter essa discussão (sobre isenção do imposto de renda) no ano que vem, no bojo da reforma tributária, e o governo atender a plataforma que já tinha colocado durante a campanha eleitoral, de que ele queria isentar os que ganham até 5 mil reais. Não causaria estranheza a ninguém. Isso já estava meio programado.
Mas introduziu-se uma discussão eleitoral, um conjunto de medidas de ajuste fiscal. E, ao fazer isso, pegaram um evento que deveria acontecer daqui a dois anos. Tudo o que o governo propuser ou deixar de propor, fizer ou deixar de fazer, vai ser visto como uma discussão eleitoral. O problema não é a discussão política. Lógico que tem. Em toda estratégia econômica de ajuste existe uma decisão política de como fazer. Agora, introduzir um aspecto eleitoral na política econômica não tem como justificar.
Com relação ao mercado, até quando os índices pioram?
O presidente pode estar certo. Nada piora para sempre. Tem uma hora que estabiliza. Mas vai estabilizar a que ponto? O dólar vai cair para próximo do que estava antes? Os juros futuros projetados vão voltar muito? Talvez isso não aconteça. Então, talvez pare de piorar, mas aí você está com uma constelação de preço de ativo tão ruim que o estrago para fazer em crescimento, investimento e coisa e tal já está dado.
Passar não é suficiente. Tem de voltar para mais ou menos a constelação de preço de ativo que você tinha antes. É difícil de ver isso acontecendo, a menos que o governo mude a rota de novo.
Com base em tudo isso, o que o sr. projeta para 2025 no Brasil?
Tem vários cenários possíveis, mas começando com o que temos mais certeza. O cenário internacional é ruim, mas não para o Brasil, para a América Latina. Do ponto de vista relativo, é um cenário até mais benigno. Vamos ganhar investimento direto, ganhar comércio exterior daquelas outras geografias e regiões.
Do ponto de vista local, se continuar exatamente do jeito que está, vamos ter um ajuste fiscal. O Congresso vai mexer em algumas coisas. Talvez ele seja mais rigoroso na regra do salário mínimo, por exemplo. Minha impressão é que o Congresso irá mexer nesse pacote com a concordância da equipe econômica.
O ponto que não está claro é o que te falei: 2025 e 2026 agora ficaram juntos, porque se colocou a questão eleitoral no debate. Há um encurtamento do horizonte temporal. Nossa impressão preliminar é que provavelmente ainda vai ter uma outra rodada de ajuste de contas fiscais entre agora e 2026.