Podemos reavaliar direção para o Brasil se não houver melhora fiscal, diz vice-presidente da Moody’s

Apesar da sinalização positiva para a nota de crédito do País, Samar Maziad vê quadro desafiador nas contas públicas, com necessidade de ajuste pelo lado do gasto e incerteza quanto à retomada do grau de investimento

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Foto do author Aline Bronzati
Atualização:
Foto: Moody's/Divulgação
Entrevista comSamar Maziadvice-presidente da Moody's para risco soberano

NOVA YORK - A agência de classificação de risco Moody’s melhorou a perspectiva da nota de crédito do Brasil de estável para positiva, mas ainda vê um quadro fiscal “desafiador” no País. A mudança, anunciada nesta quarta-feira, 1º, foi motivada pela trajetória de crescimento da economia, que melhorou quando comparada aos anos pré-pandemia, e também pela expectativa de um desenho mais positivo das contas públicas, com o novo arcabouço fiscal atuando para estabilizar a dívida brasileira à frente.

“Se isso não acontecer, teremos de reavaliar a direção, certo?”, alerta a vice-presidente da Moody’s para risco soberano, Samar Maziad, de Nova York, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast. Na sua visão, mais do que metas fiscais ambiciosas para os próximos anos, o que importa é a direção, o compromisso com o arcabouço fiscal, que ainda não foi capaz de convencer o mercado.

Quanto às chances de o Brasil recuperar o grau de investimento no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Maziad reforça o coro ao fiscal: “Essa questão ainda terá de ser respondida, mas ainda levará algum tempo antes que possamos falar sobre outro movimento positivo”. O Brasil está dois degraus abaixo do grau de investimento pela Moody’s. A seguir, confira os principais trechos da entrevista.

A Moody’s mudou a perspectiva do Brasil para positiva, mas manteve o rating. Por quê? O que motivou a alteração neste momento?

Temos de ter uma visão mais de médio prazo. Sobre o momento da melhora da perspectiva, algumas boas notícias, outras más, vindo. Então, nossa decisão não é motivada pelo ciclo de notícias. É mais uma visão de médio prazo e futuro. Mas, o principal gatilho é que a gente já vê um reforço no perfil de crédito por causa do desempenho do crescimento, que será mais fraco este ano do que no ano passado, mas vemos uma dinâmica de expansão diferente do período pré-pandemia, quando tivemos anos de baixo crescimento, e até mesmo a recuperação da crise da (Operação) Lava Jato, que foi lenta e demorou muito.

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Mas o Brasil crescerá menos neste ano...

Olhando para frente, temos uma dinâmica diferente de crescimento. Nos últimos dois anos, fomos surpreendidos positivamente e mesmo as nossas projeções futuras não são ruins. Prevemos uma expansão de 2% neste ano e este é um indicativo de melhora no perfil de crédito. Então, esperamos que isso continue. Esse foi um fator chave para a melhora da perspectiva (da nota do Brasil) para positiva. Também consideramos a trajetória fiscal e baseamos nosso cenário em uma consolidação fiscal gradual. E o fiscal será melhor do que no ano passado, e espero que seja consistentemente melhor ao longo do tempo. Portanto, gostaríamos de ver uma consolidação fiscal gradual, mas consistente.

Mas, recentemente, o governo mudou as suas metas fiscais e anunciou alvos menos ambiciosos para os próximos anos. Qual a visão da Moody’s sobre essa revisão? Quão preocupada a agência está?

Nosso cenário prevê um déficit primário neste ano e um déficit primário menor no próximo. Então, vemos essa melhoria. De certa forma, o que importa é a direção e a postura, o compromisso com o arcabouço fiscal, que ainda precisa de algum trabalho, porque o mercado não está alinhado com as previsões do governo. A implementação ou os resultados das novas regras são fundamentais para melhorar a credibilidade do arcabouço.

A mudança nas metas cria ruído e dúvidas sobre o risco de novas revisões.

A mudança das metas fiscais é uma ameaça para o alvo deste ano ou para o arcabouço?

As limitações ou deficiências do novo arcabouço fiscal permanecem, que é a dependência das receitas. Isso de certa forma não mudou. A mudança nas metas cria ruído e dúvidas sobre o risco de novas revisões. No entanto, a revisão está relacionada a um menor volume de receitas por medidas aprovadas no Congresso, o que exige ações do lado da despesa, e ainda não vimos isso. Mas não significa que a meta fiscal deste ano será revisada. A questão é que serão necessárias medidas adicionais para alcançar a meta em 2025. Ainda é um quadro desafiador, mas, no geral, melhorando o desempenho ao longo do tempo e permitindo a estabilidade da dívida, que é o que temos no nosso cenário base, então conversa com uma perspectiva positiva. Se isso não acontecer, teremos de reavaliar a direção, certo?

Mas a necessidade de novas medidas para cumprir as metas fiscais surge em meio à deterioração da relação do governo com o Congresso. Quais os riscos?

Citamos as medidas e as reformas na mudança da perspectiva. Isso também está por trás da melhora do perfil de crédito. Isso não se refere somente ao que acontece no governo, mas também no Congresso. Reconhecemos, é claro, o papel do Congresso na viabilização de reformas ou na consolidação fiscal. Então, para o próximo ano, nem todas as medidas foram aprovadas e isso tem a ver com risco político e talvez as metas não sejam alcançadas por causa disso. É um fator de risco. E, caso esse fator de risco permaneça e as receitas não venham, o governo pode ter problemas para atingir as metas fiscais.

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A mudança das metas fiscais pode postergar uma melhora do rating do Brasil?

Mudar a meta significa uma menor ambição. Esse é o problema. Esse é um fator de risco e não apenas o alvo. Para nós, o importante é não só a mudança do número, mas da política, da direção. Portanto, o fiscal não melhora, o que significa que a dívida não estabiliza. A mudança da meta fiscal é um sinal, mas se a melhoria for implementada, é isso que importa.

A Moody’s mencionou o benefício de reformas na mudança de perspectiva do Brasil. Na visão da agência, quais são as mais importantes após a tributária?

Não estamos vendo uma grande iniciativa no horizonte, mas é necessário que continue o apoio ao investimento e à melhoria do ambiente de negócios. Atualmente, o maior avanço que poderia acontecer é no lado fiscal, mostrar que o novo arcabouço pode proporcionar sustentabilidade fiscal. Isso é fundamental neste momento. Isso apoiará um menor prêmio de risco, menor carga de juros e mais confiança geral na direção da política fiscal. Mas, especificamente, as medidas que apoiam a transição energética e atraem investimentos em energia limpa serão importantes para as perspectivas de crescimento a médio prazo, o que é realmente um fator-chave na melhoria da perspectiva do rating do Brasil.

Mas a Moody’s vê apetite do atual governo por reformas, em trabalhar nesses pontos? Porque vemos diferentes correntes na atual gestão...

Depois da reforma tributária, e ainda precisamos de toda a regulamentação, o que deve ocupar o topo da agenda, mas é importante porque, sem isso, a reforma não pode ser implementada. Um passo fundamental é focar na taxonomia verde, no mercado de carbono e elementos que apoiam mais investimentos nesta área. Então, essas são as duas áreas em que acho que vemos muita discussão.

Um rating mais alto dependerá do caminho fiscal, de modo que essa questão ainda terá de ser respondida, mas ainda levará algum tempo antes que possamos falar sobre outro movimento positivo.

O Brasil está no caminho para recuperar o grau de investimento no governo Lula?

Temos uma perspectiva positiva. Um rating mais alto dependerá do caminho fiscal, de modo que essa questão ainda terá de ser respondida, mas ainda levará algum tempo antes que possamos falar sobre outro movimento positivo. O Brasil está dois degraus abaixo do grau de investimento neste momento.

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O Fed manteve os juros inalterados novamente e o mercado teme que o primeiro corte atrase ainda mais por conta da inflação, além de maiores riscos geopolíticos. Como o cenário externo poderia impactar o Brasil em termos de crescimento e na política monetária?

A posição da política monetária no Brasil pode ser um pouco influenciada pelos juros globais, mas talvez menos, porque o diferencial ainda é muito elevado entre as taxas locais e dos EUA. Então, há espaço para o Banco Central no Brasil seguir perseguindo os seus objetivos. Mas o mais importante, que impulsiona o prêmio de risco e os custos dos empréstimos para o governo, é a incerteza em torno da trajetória fiscal. Esse é um ponto importante porque o Brasil paga muitos juros sobre a sua dívida, e isso é fundamental. É também uma restrição de crédito. Melhorar a credibilidade do quadro fiscal reduzirá os encargos com juros à medida que as taxas começarem a descer.

Os problemas domésticos pesam mais que os externos?

Para o Brasil, neste momento, provavelmente sim. Acho que o balanço de riscos é mais influenciado por fatores domésticos.

Quão preocupada a Moody’s está com a escolha do futuro presidente do Banco Central no Brasil?

Agora, temos um Banco Central independente no Brasil. Essa foi uma melhoria que apoia a estrutura da política monetária. Então, só temos de ver isso. Não podemos comentar sobre isso.

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O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, falou sobre a expectativa de relatórios da Moody’s e da Fitch. A divulgação na data de hoje já estava prevista ou teve alguma relação com as falas do ministro?

Temos um processo e damos às autoridades a chance de revisar o comunicado antes de ser divulgado à imprensa e, então, o publicamos. Portanto, não teve relação.

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