
Pessimista, o economista Paulo Tafner projeta um cenário difícil para o Brasil nos próximos anos. Ele teme que a economia brasileira possa enfrentar uma crise econômica igual à do governo Dilma Rousseff, quando o Produto Interno Bruto (PIB) despencou mais de 3% em dois anos seguidos, 2015 e 2016.
“Se continuar nessa trajetória e não enfrentar as questões de base da nossa economia, nós vamos chegar em 2027 aos trancos e barrancos, com risco de uma profunda crise econômica como tivemos no governo Dilma”, afirma Tafner, diretor-presidente do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social. “É um avião que ainda está subindo, mas mostrando que vai cair. É isso que está acontecendo com a economia.”
Sem uma perspectiva de melhora, Tafner enxerga um desencanto de parte da população com o Brasil e aponta para uma saída de adultos jovens qualificados do País. “Você tira os craques ― como gosta o presidente Lula de falar num linguajar futebolístico ―, o time melhora ou piora? Não precisa perder mais do que meio segundo para responder. Se exportamos mão de obra qualificada, a média está caindo”, avalia.
Até a eleição presidencial de 2026, Tafner deve apresentar uma proposta para uma nova reforma da Previdência ― como fez em 2018, quando juntou um grupo de especialistas para elaborar e apresentar um projeto para os candidatos daquela disputa eleitoral. O País aprovou a reforma em 2019, mas o economista enxerga a volta de vários privilégios por causa de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Um princípio fundamental dessa nova reforma será desconstitucionalizar a Previdência no Brasil”, afirma o economista. “Tirar muita coisa da Constituição que trata da Previdência. Isso não é matéria constitucional. É um direito. O direito é constitucional, mas a regulamentação, não.”
A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.
Como o sr. avalia essa piora dos ativos brasileiros que ocorre desde o fim do ano passado?
Basicamente, estamos repetindo um ciclo que a economia brasileira já conhece. É a expansão da atividade econômica baseada num empuxo fiscal. O governo sai gastando, estimula a economia. Ele tenta baratear o crédito, se não pelo Banco Central através da redução da taxa básica de juros, através do crédito subsidiado. E isso tem ocorrido com muita frequência no BNDES ou em outras agências do governo federal, inclusive, fazendo algumas artimanhas contábeis para fortalecer o empuxo fiscal e a redução do custo de crédito para alguns setores e atividades. Isso gera, como consequência, um aumento da atividade econômica. Está aí o PIB, com um crescimento de 3,5%. Mas a exemplo do que a gente já viu num passado bastante recente, isso tem fôlego curto.
Por quê?
O mercado olha para as grandes variáveis macroeconômicas e decide emprestar ou não dinheiro para o governo. E se emprestar, a qual taxa? Isso não é uma coisa de banco. Os maiores detentores de títulos públicos não são as tesourarias de banco. São os bancos agindo em nome de terceiros. Além disso, muitos fundos de pensão, como Petros e Previ, têm títulos públicos. Os emprestadores somos todos nós. É o funcionário da Petrobras, o funcionário do Banco do Brasil, são os pequenos poupadores, alguns grandes poupadores, as tesourarias do banco, claro. Entram também os agentes internacionais, que, ao longo de 2024, foram se retirando do mercado brasileiro. Não se trata de complô, de ideologia. Não se trata de nada disso. Eles olham e enxergam o risco. E quando percebem que o risco está alto, caem fora do País.
E a percepção do mercado é que, a despeito do desempenho esplendoroso do mercado de trabalho e do PIB, isso não será sustentável ao longo do tempo. Quando eles percebem isso, começam a precificar. Ou seja, quanto eu vou cobrar para emprestar para o Estado? Eles percebem que a inflação está fugindo da meta. Quando a inflação foge da meta, o que esperam? Esperam que o Banco Central, para defender a moeda, aumente a taxa de juros. Eles antecipam esse movimento e começam a cobrar mais. Quando você vê a curva de juros, começa a bater em 15%,16%. Chegou a bater em 17%. Todos perceberam que esse desenho de crescimento econômico não é sustentável. Sabem que a inflação vai sair do controle e que a dívida pública vai crescer. Passam a exigir juros mais elevados e fogem dos ativos básicos da economia. Começam a fugir de título público e do real. E aí dispara o dólar. Se houve algo surpreendente, do meu ponto de vista, é que o governo se autossabotou.
O explica o governo ter se autossabotado?
Mesmo antes de tomar posse, o governo inicia dizendo que tem um rombo e vai ter de financiá-lo. Mas ele pegou muito mais (dinheiro) do que o necessário. Não precisava pegar R$ 180 bilhões. E, em vez de, a partir de então, tomar as medidas para conter despesa, o governo não fez isso. Continuou gastando. Estabeleceu um arcabouço fiscal e, poucos meses depois, mudou esse arcabouço. Ficou evidente que eram necessárias medidas para controlar a despesa. E aí ficaram três meses preparando um pacote, que é um traque.
Efetivamente, foi muito pouco a contenção de despesa para o tamanho do rombo. Obviamente, o mercado se desesperou. E a consequência a gente viu: só em dezembro o Banco Central foi obrigado a vender US$ 30 bilhões. A reserva é alta, mas, se você pegar quatro ou cinco meses de necessidade de injeção de US$ 30 bilhões, ela cai pela metade. E aí o risco aumenta muito mais. Então, o governo se autossabotou. Dobrou a aposta. O resultado foi esse. O patamar de dólar não volta mais para abaixo dos R$ 6. Todas as projeções são de dólar acima de R$ 6 e, com o risco, dependendo da situação, porque o quadro externo vai ficar mais difícil.
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E como sr. enxerga, então, o quadro externo?
Vai ficar mais difícil, mas não pelo fato de que o presidente Trump vai perseguir o Brasil. Ele não vai fazer nada disso. O Brasil não existe para os Estados Unidos. O Trump não está preocupado com o Brasil. O fato é que vai ficar mais difícil pela política econômica que o Trump vai adotar. As taxas de juros já subiram nos Estados Unidos. Isso afeta o Brasil. Você prefere ganhar 6%, 5% nos Estados Unidos ou arriscar a ganhar 11% no Brasil com risco de default (calote)? Eu prefiro ganhar 5% nos Estados Unidos. É isso o que vai acontecer. As pessoas se esquecem, mas a gente tem uma história de calote. Temos uma tradição de hiperinflação, de forte interferência na economia e de péssima gestão de fundos de Previdência do setor público. Temos uma péssima reputação em termos de um confisco de poupança ou de alteração de regras durante a vigência do contrato. Obviamente, para o investidor estrangeiro, o risco do Brasil subiu. Você não vai ver dinheiro de estrangeiro no Brasil. E, agora, com risco de descontrole de gastos, sem que o governo dê sinais (de mudanças). O máximo que ele fez foi reduzir o incremento real do salário mínimo, que indexa 50% dos benefícios previdenciários e 100% do Loas (Lei Orgânica da Assistência Social).
Qual é o impacto para as contas públicas dessa indexação?
A cada 1% de aumento real do salário mínimo, significa, se nada mais ocorrer, que o impacto é de 0,6% de aumento real na Previdência e assistência. Como tem efeito demográfico, ou seja, mais gente passa a receber aposentadoria e benefício assistencial, haverá um crescimento real grande. Isso já consome um volume gigantesco de recursos do Tesouro Nacional. E não há perspectiva de mudança disso. Quando o governo anuncia que vai dar isenção tributária para quem ganha até R$ 5 mil e que isso seria, eventualmente, compensado com o aumento de tributação dos mais ricos, o que é certo é a isenção e o que é incerto é a arrecadação. (Os congressistas) Podem achar que R$ 50 mil por mês é muito pouco e haverá um lobby enorme. Todos os juízes, todos os procuradores desse País vão ser contra. Podem ser que aumentem a faixa. Não para R$ 50 mil, mas para R$ 100 mil, R$ 120 mil. Nós sabemos, em toda a história econômica e política deste País, que o Congresso apoia atos populistas como esse, mas não apoia aumento de tributo com a mesma intensidade.
Em 2025, eu vejo um arrefecimento da atividade econômica, com apreciação no dólar e a desvalorização dos ativos em Bolsa. E só não será maior porque parte das empresas cotadas na Bolsa opera em dólar, porque vende commodities. A receita delas é em dólar. Se tirar essas empresas e pegar o índice Ibovespa apenas daquelas que operam em real, a perda média vai para 45%. Imagina um empresário que teve 45% de desvalorização do seu ativo? Uma coisa é o cara fazer uma loucura e perder, a outra coisa é a política econômica levada pelo governo impor perdas bastante expressivas.

E o cenário para a inflação?
A inflação é um imposto superperverso. Nós chegamos a quase 5%. As expectativas oscilam, mas certamente vão ser 5% ou mais. Bom, 5% de inflação média não reflete necessariamente a inflação da cesta de consumo dos mais pobres. Se olhar os itens de consumo dos mais pobres, a inflação é maior. Esses caras estão perdendo 8%, 10% da renda em um ano. É uma paulada. Não vai me surpreender se nas próximas pesquisas de avaliação o Lula tiver despencado ainda mais, porque o povo sente no bolso.
E como chega o País no próximo mandato presidencial, em 2027?
Eu fico preocupado. Se continuar nessa trajetória e não enfrentar as questões de base da nossa economia, nós vamos chegar a 2027 aos trancos e barrancos, com risco de uma profunda crise econômica como tivemos no governo Dilma.
Mas pode ser uma crise parecida?
Sim. Podemos ter uma crise desse tipo. A Dilma é o ponto culminante, mas começou a partir do terceiro ano do primeiro mandato do Lula. A partir de 2005, ele começou a pisar no acelerador, o segundo governo (Lula) foi extremamente gastador, a Dilma continuou, foi reeleita, mas, depois de um ano e meio, tudo estava negativo. Ou seja, é um avião que ainda está subindo, mas mostrando que vai cair. É isso que está acontecendo com a economia. Nós tivemos dois anos de queda acentuada de produto (em 2015 e 2016), maior do que a queda de 1929. Eu fico preocupado de que a gente chegue a 2026 e a 2027 na porta de uma brutal crise. Eu suspeito que o Brasil está perdendo população não apenas por conta da taxa de fecundidade, mas porque muita gente está migrando. Eu já identifiquei vários elementos que indicam isso. Não temos uma estatística fortemente confiável, mas, se você olhar os grupos demográficos que mais perderam gente, são os grupos de adultos jovens. Como pode diminuir adulto jovem? Morrer não morreu, porque não é o grupo que morre muito. Eles estão deixando o País.
É um desencanto com o País?
É um desencanto. Quem está indo embora é gente qualificada. Você tira os craques ― como gosta o presidente Lula de falar num linguajar futebolístico ― o time melhora ou piora? Não precisa perder mais do que meio segundo para responder. Se exportamos mão de obra qualificada, a média está caindo. A trajetória não é boa. O percurso não é bom. Temos decisões de toda a natureza. O Supremo tomou decisões a respeito da reforma da Previdência de 2019 totalmente contraproducentes, restabelecendo privilégios. A Justiça e o Supremo derrubaram metade da reforma trabalhista. Não é à toa que o número de processos trabalhistas, que vinham caindo, voltou a crescer. A gente não é medíocre por acaso. Fomos tomando decisões rumo à mediocridade. Eu costumo dizer que o Brasil tem uma quantidade grande de políticos da elite que são adolescentes. O Brasil vive a era da adolescência sem, no entanto, ser jovem demais. O Brasil está ficando velho, mas a sua elite econômica, política e cultural continua pensando como adolescente, porque tomam decisão sem custo. Não existe isso.
E qual o resultado dessa combinação para a Previdência do País, de revisão promovida pelo STF e o ganho real trazido pelo arcabouço?
O próprio ministro Flavio Dino, em decisão monocrática, barrou uma coisa da reforma de 2019. O lobby dos polícias conseguiu ficar de fora da idade do padrão de aposentadoria, que é de 65 anos para homens e 62 para mulheres. Num acordo feito, ficou o seguinte: 55 anos para homens e mulheres. Passou (na reforma) e, assim, ficou. Obviamente, todo mundo sabe no Brasil que se faz o acordo e ele vai para a Justiça, que reverte esse acordo. O sindicato dos policias federais disse que era um absurdo homens e mulheres se aposentarem na mesma idade. E, obviamente, essa tese foi acatada pelo ministro Flavio Dino. Ele, com toda a pompa, diz que é inaceitável dar um tratamento diferenciado para policiais e que mulheres, em geral, se aposentam três anos mais cedo do que os homens. Portanto, foi concedida a aposentadoria aos 52 anos. O estanho é que ele não olhou para a regra geral. O que ele fez foi manter o 55 anos (para homens) e reduzir o 52 anos (para mulheres).
Uma policial federal que trabalha num gabinete com ar condicionado e olhando para o computador vai se aposentar aos 52 anos. Uma empregada doméstica vai se apresentar aos 62 anos. Se você me perguntar se o que o ministro fez é bom para o País, eu vou dizer não. Não é bom porque aumenta a despesa, aumenta a desigualdade, trata brasileiros de forma diferente e subverte uma reforma aprovada por Emenda Constitucional votada em dois turnos da Câmara e no Senado. Uma única canetada derruba isso. Essa democracia não é funcional. Ela não é funcional na economia, nos direitos coletivos, para o amálgama social que toda a sociedade deve ter e como estabelecedora de esteio moral de funcionamento dos partícipes. O que nós vamos ter é crise econômica, de um lado, e crise moral, do outro lado. Uma empregada doméstica olha para isso e fala: ‘Que brincadeira é essa? A madame da Polícia Federal vai se aposentar dez anos antes de mim?’.
O benefício da reforma foi revertido em grande parte…
Eu acho que será inexorável uma nova reforma da Previdência.
Já no próximo governo?
Eu acho. Não tem muito jeito, não. Eu devo apresentar uma proposta de reforma para o futuro governo, em 2027. É uma proposta abrangente como a de 2019. Foi uma proposta que foi absorvida pelo Paulo Guedes. Nós oferecemos a todos os candidatos (da eleição de 2018). O Paulo Guedes pegou e aproveitou boa parte. Um princípio fundamental dessa nova reforma será desconstitucionalizar a Previdência no Brasil.

E o que significa isso?
Tirar muita coisa da Constituição que trata da Previdência. Isso não é matéria constitucional. É um direito. O direito é constitucional, mas a regulamentação, não.
E as mudanças seriam mais fáceis, sem a necessidade de uma PEC?
Eu vou dar um exemplo. Por que é difícil mudar a idade? Como é uma matéria constitucional, é difícil para caramba mudar. As mudanças ocorrem a cada 15 anos, 20 anos. E aí a demografia mudou e tem de fazer um incremento muito grande de idade, que, obviamente, gera resistência. Praticamente, hoje, todos os países civilizados do mundo passaram a ter uma regra que não é constitucional, é infracional, que automatiza esse processo. Assim, a cada dois anos, em função da demografia, é feito um ajuste automático. E esse ajuste automático é pequeno: dois meses, um mês, às vezes, até reduz (para a aposentadoria).
Mas isso passa no Brasil?
O Brasil já teve um pouco disso com o fator previdenciário. O fator previdenciário fazia isso. Não tinha discussão. Não tinha polêmica. Todo ano mudava o fator com os dados do IBGE. Hoje, a idade está na Constituição. Você não consegue mudar. Aliás, eu diria que o lema de um novo governo deve ser desconstitucionalizar um monte de matéria, como obrigatoriedade de gasto com educação e saúde. Um novo governo deveria limpar a Constituição, não tem mais direito cristalizado.