País pode movimentar US$ 5 bi ao ano com mercado voluntário de carbono, diz executivo da Ambipar

Plínio Ribeiro afirma que hoje há mais de 25 mercados regulados no mundo; no Brasil, expectativa é que o Projeto de Lei ainda seja aprovado para ser levado a COP-28, que começa dia 30

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Plínio RibeiroPresidente da Ambipar Decarbon
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Por Karla Spotorno
Atualização:
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O potencial do Brasil em um mundo em descarbonização é grande. Considerando apenas o mercado voluntário de crédito de carbono, o País poderá movimentar US$ 5 bilhões por ano segundo a projeção classificada como modesta por Plínio Ribeiro, presidente da Decarbon, na Ambipar Environment.

Ribeiro atua na elaboração de soluções baseadas na natureza (NBS, na sigla em inglês) há mais de 15 anos, quando fundou a Biofílica, comprada pelo grupo Ambipar depois do IPO (oferta pública de ações) em 2020, na B3. “No Brasil, olhamos o mercado como um fim (ou seja, a finalidade) e isso é um equívoco. O mercado de carbono é o meio. O fim é a descarbonização”, pontua.

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Sobre o projeto de lei (PL) do mercado regulado de crédito de carbono, aprovado no Senado Federal e que tramita na Câmara dos Deputados, Ribeiro avalia como positivo. Um ponto fundamental, na opinião dele, é a conexão entre os mercados voluntário e regulado.

Para o Brasil, diz ele, seria importante a aprovação do PL antes da 28ª Conferência das Partes sobre Mudanças do Clima das Nações Unidas (COP-28), que será de 30 de novembro a 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. “É muito importante, do ponto de vista geopolítico, o País dar essa sinalização”, disse Ribeiro, que já participou de 13 COPs. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Plínio Ribeiro, presidente da Ambipar Decarbon Foto: DANIEL TEIXEIRA

Ao falar sobre mercado de carbono no Brasil, estamos falando do mercado voluntário. Em 2022, globalmente, esse segmento havia batido o recorde de US$ 2 bilhões transacionados, mas desacelerou neste ano em volume e também preço. Como está esse mercado no mundo?

Essa distinção entre o voluntário e o regulado é fundamental. (Em primeiro lugar,) o nome ‘voluntário’ é um pouco infeliz, porque dá a impressão de que as empresas estão fazendo de forma filantrópica. Mas, na verdade, não se trata disso. As companhias engajadas no mercado voluntário de carbono fazem isso por uma demanda dos seus consumidores, dos acionistas, da sociedade.

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...dos reguladores.

Dos reguladores. Existe uma demanda no mercado que se chama de “pre-compliance” ou pré-regulação. São aquelas empresas que entram no voluntário para entender a dinâmica porque sabem que, em breve, estarão sob um regime regulado. Então são regimes muito complementares.

No Brasil, essa ideia do “pre-compliance” praticamente inexiste porque, em primeiro lugar, ainda não há regulação e, em segundo lugar, porque esse tema é sensível para companhias com exposição internacional. Entre empresas brasileiras que atendem apenas mercado doméstico, contudo, o desinteresse por carbono parece grande.

É verdade. O carbono é um custo induzido ao negócio para que a empresa deixe de causar uma externalidade, como chamamos na economia. Essa agenda é menos avançada no Brasil e mais presente nos desenvolvidos, porque os países que se desenvolveram antes construíram uma economia altamente poluente. Nos últimos 200 anos, a Revolução Industrial se deu no mundo desenvolvido. Então é natural que quem se desenvolveu em primeiro lugar começa a se atentar aos problemas ambientais antes. A outra razão que explica um pouco o Brasil estar menos desenvolvido nisso tem a ver com a forma como o Pais produz os nossos bens e serviços, que são majoritariamente dependentes da natureza e produzidos a partir de uma energia renovável. Hoje há mais de 25 mercados regulados de carbono no mundo. O maior é o da União Europeia e deve chegar próximo de US$ 1 trilhão esse ano. Esses mercados foram pensados com base na emissão da indústria que é estacionária, ou seja, a emissão sai de uma chaminé. Essa não é nossa realidade (a maioria das emissões no Brasil vem das mudanças do uso da terra).

Ou seja, existe um motivo para o Brasil ainda não ter o mercado regulado como os países desenvolvidos.

Tem um motivo histórico. Mas o País não pode se acomodar, porque, como você colocou, uma parte importante da nossa industrialização é para exportação. Então, essa conta vai chegar (para as empresas). Na Europa, já chegou como imposto de fronteira. Em breve, as nossas exportações vão estar submetidas a impostos transfronteiriços relacionados a carbono. Então, é mais inteligente, do ponto de vista de alocação de recurso, que o País faça esses investimentos em descarbonização dentro do nosso território, nas nossas indústrias e que atraia indústrias de outros países para produzir no Brasil.

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Quero voltar em um dos pontos da pergunta que é como está hoje o mercado voluntário de carbono no mundo em termos de volume e preço.

O mercado voluntário é um mercado global e que mais de 90% da origem (oferta) dos créditos ocorre nos trópicos e a demanda, nos países desenvolvidos - em geral na Europa, nos Estados Unidos, e, começamos a ver na Ásia, no Japão, em Cingapura. Em termos de volume de emissões, esse mercado cresceu mais de dez vezes em cinco ou seis anos. O que está por trás desse crescimento são os compromissos empresariais de descarbonização de mais de 6 mil multinacionais no mundo.

Mas em 2023, as estimativas mostram uma queda.

Houve uma queda em relação ao ano passado, que foi o auge desse crescimento e quando (as estimativas apontam que) houve um volume desses US$ 2 bilhões que falamos. O valor é baixo quando olhamos o faturamento de muitas empresas. Mas para o setor florestal, é bastante alto porque o setor é muito pobre e subfinanciado. (O que importa é que) estudos de bancos de investimento, da (consultoria) da McKinsey dizem que, ao olhar a dificuldade daquelas 6 mil empresas para cumprir os compromissos climáticos, é possível estimar que o mercado voluntário vai chegar a algo como US$ 50 bilhões. Se o Brasil pegar apenas 10% desse total, embora o potencial seja de 25%, estamos falando de um negócio de US$ 5 bilhões. E essa agenda é muito essencial para o Brasil porque mais da metade das nossas emissões vem de desmatamento, de uma agropecuária mal feita, pouco produtiva sem tecnologia.

Para o crescimento desse negócio no Brasil, o problema fundiário é uma barreira, não?

O Brasil tem todos os elementos para resolver a questão fundiária. Tem as condições tecnológicas, de zoneamento, jurídicas. Mas essa é uma questão política e que envolve interesses importantes. É preciso entender que a questão fundiária do Amapá é diferente da do Amazonas. O Brasil é um país muito grande e não é possível generalizar. No Brasil, há milhões de hectares com a questão fundiária resolvida. Um exemplo disso são as concessões públicas. Em abril desse ano, foi promulgada a lei de concessão de florestas públicas que passou a permitir a prestação de serviços ambientais (nessas áreas que já tem a questão fundiária resolvida). À medida que vamos demonstrando o valor da floresta em pé existe um incentivo maior da regularização fundiária. O problema hoje é que a maneira como os incentivos estão organizados favorece quem desmata a floresta.

Qual é a avaliação sobre o projeto de lei do mercado regulado de crédito de carbono que prevê uma sinergia com o voluntário e que não contempla o agronegócio?

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O atual PL é o possível. Dentro de vários coletivos dos quais fazemos parte, a posição é que o projeto seja aprovado como está e que seja levado para a COP-28. Em primeiro lugar, é muito importante, do ponto de vista geopolítico, o País dar essa sinalização. Um segundo ponto é interoperabilidade entre os mercados regulado e voluntário. (O projeto) traz essa possibilidade, diz que (essa conexão) é desejável e não entra em questões que ainda não são possíveis de regular porque sequer estão claras na Convenção do Clima. Isso é bastante interessante para quem empreende nessa área. A (participação) do agro é mais uma questão de narrativa do que de prática. O mercado regulado foi feito para a indústria. É preciso fazer uma reavaliação do modelo do mercado.

Mas o fato é que o mercado no Brasil precisa atender as nossas características. No País, a maior parte das emissões vem das mudanças do uso do solo.

No Brasil, olhamos o mercado como um fim (ou seja, a finalidade) e isso é um equívoco. O mercado de carbono é o meio. O fim é a descarbonização. Então o que temos de olhar é a descarbonização do agro. A pecuária, a pastagem degradada contribui com quase 20% das emissões brasileiras. A pergunta que se faz é: qual é o melhor instrumento para descarbonizar essa atividade? Não é o mercado de carbono. Pelo contrário, é um instrumento ruim para isso. (O País) tem o Plano Safra da ordem de R$ 300 bilhões todos os anos e é uma baita política econômica e que pode ser usada para descarbonização. Há a integração lavoura-pecuária-floresta, plantio direto, assistência técnica.

Existe o Plano ABC (Agricultura de Baixo Carbono). Tem tudo isso e continua com os 20%. O mercado de carbono não poderia ajudar?

Não. Mas não podemos ser tão exigentes. Nenhum país está descarbonizando tão rapidamente. Essa COP vai ser muito interessante porque vai ser a COP do número (os países terão de divulgar os relatórios sobre a redução das emissões, o chamado Global Stocktake)e todo mundo está “para trás”. É preciso tomar cuidado como nós apontamos para nós mesmo. É bem verdade que a agropecuária no Brasil esta mais descarbonizada do que carbonizada. Mas há duas realidades no Brasil: um agro está no século 21 e outro no século 19, que está nas mãos de pessoas com pouco poder aquisitivo, com necessidade de financiamento, de tecnologia. Então é muito mais inteligente canalizarmos recursos financeiros - e o mercado de carbono não é o instrumento para isso - para desenvolver esse segmento e sair dessa agricultura do “século 19″. Ao fazer isso, vamos não apenas descarbonizar mas também aumentar a produtividade e, principalmente, não avançar sobre novas áreas florestais.

Por fim, quero perguntar qual é a expectativa com a COP-28 e se a Ambipar Decarbon estará na conferência?

Estaremos lá com certeza. A COP é um momento de relacionamento e troca de experiências entre todos que estão nessa agenda. E essa vai ser uma COP interessante por ser realizada num país do combustível fóssil. É uma COP em que os países irão mostrar o que já fizeram e as contas (preliminares) mostram que (as emissões) estão muito acima do que deveriam estar. Também será uma COP importante pela presença maciça do setor privado. A conferência deixou de ser um encontro de governos e passou a ser da sociedade global que está trabalhando no tema. É um lugar de oportunidade de fazer negócio, conectar com clientes, parceiros e trazer tecnologia para cá.

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