‘Brasil tem de ir devagar e não reagir politicamente; não tem cacife’, diz Rubens Barbosa

Ex-embaixador em Washington e Londres avalia que o governo não deve ameaçar fazer retaliações a medidas de Trump e que tem argumentos para convencer os EUA a não aplicar tarifas ao aço exportado

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Foto do author Carlos Eduardo Valim
Atualização:
Foto: Amanda Perobelli/Estadão
Entrevista comRubens BarbosaPresidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres e em Washington

Como embaixador do Brasil em Washington entre 1999 e 2004, Rubens Barbosa liderou a primeira das negociações do País para evitar que o seu aço exportado fosse taxado pelos Estados Unidos. A ameaça retornou depois, em outros governos, como foi na primeira gestão de Donald Trump, em 2018, e agora, no início do seu novo mandato.

O presidente americano assinou na segunda-feira, 10, dois decretos impondo tarifas de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio. A partir da experiência anterior e dos sinais que Trump vem dando, a melhor estratégia, para Barbosa, é seguir como o governo vem fazendo.

“Não adianta ameaçar retaliar”, afirma. “Tem de conversar e negociar.” E isso significa acionar não apenas os canais comerciais do governo estrangeiro, mas também falar com as empresas americanas importadoras do aço brasileiro, como também os Estados que exportam carvão para as siderúrgicas nacionais produzirem.

Leia os principais trechos da entrevista.

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O Brasil terá a oportunidade de negociar para que as tarifas anunciadas por Trump ontem para importações do aço e alumínio nos EUA não se apliquem ao País? O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, disse hoje que conversou com Trump e que ele concordou em considerar a possibilidade de isentar a Austrália.

Assim é o caminho. Em 2002, quando eu estava em Washington, pela primeira vez, colocaram tarifas para aço e alumínio, por causa desse problema de proteção da indústria americana. O Brasil é o segundo maior fornecedor de aço especial, de aço plano, beneficiado nos EUA. As empresas de lá dependem do Brasil. Então, temos de conversar com as empresas, como aconteceu em 2002, em 2018 e deve ser agora.

Rubens Barbosa, como embaixador em Washington, precisou negociar, em 2002, para evitar tarifas ao aço exportado brasileiro 

Será mais eficiente, agora, negociar do que aplicar reciprocidade, como se falou ontem que o governo brasileiro poderia fazer e aplicar tarifas aos EUA também?

Não adianta ameaçar retaliar. O governo está fazendo o certo, esperando para conversar e negociar. E isso não deve ser só com o governo, mas também com as empresas americanas, como as de automóvel e de aparelhos de linha branca. O Brasil supre diretamente este mercado com aço. Eles terão interesse de que exista algum tipo de cota sem taxação e de isenção. Mas tudo isso tem de ser negociado. Não pode ficar falando pela imprensa. O importante é negociar diretamente e discretamente.

As indústrias americanas que importam aço brasileiro podem ser prejudicadas pela taxação, e repassar aumentos de custos? Isso não é um problema também para o Trump no controle da inflação, já que um dos argumentos de votos para ele nas eleições é que os preços no governo anterior estavam altos?

Essas medidas que o Trump tem defendido serão negativas para o mercado americano. As empresas vão ter de pagar 25% de acréscimo no preço de compra dos insumos. Mesmo que parte da produção possa ser substituída por fornecimento interno, ninguém vai criar uma empresa agora. Levaria dois ou três anos para construir, para transferir a produção. E as tarifas afetam a quase todas as empresas exportadoras do setor. A Gerdau está produzindo lá, e vai até se beneficiar, porque o preço vai subir nos EUA e vão vender mais, mas outras, como a ArcelorMittal, precisam exportar. E não é uma discriminação contra o Brasil. É uma discriminação geral.

O Brasil tem bons argumentos para evitar a taxação, além do risco de aumento da inflação americana?

Há bons motivos para algum tipo de relaxamento para o Brasil. Seria do interesse americano. No caso do Brasil, vendo as estatísticas, somos deficitários no comércio bilateral com os EUA e também no comércio siderúrgico. Assim, o Brasil está bem posicionado para negociar. Trump tem falado que quer conseguir concessões de países com grandes superávits na balança com o seu país. O Brasil não é esse caso. Este é um ponto importante. O governo brasileiro e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços devem estar conscientes disso, e negociar.

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Linha de produção da unidade de aços laminados, da ArcelorMittal, em São Francisco do Sul (SC) Foto: Divulgavßv£o/ArcelorMittal

As siderúrgicas brasileiras chegam a comprar carvão americano para o coque usado para produzir aço, e também compra aço americano. Ou seja, essa indústria beneficia o comércio americano?

O Brasil pode alegar que se as tarifas forem impostas, vamos produzir menos aço e importar menos carvão e coque. Em 2002, visitamos Estados americanos produtores de carvão para conversar sobre isso. E o governo deve fazer isso de novo.

Então, há caminhos para uma abordagem pragmática, para evitar que o Brasil seja prejudicado?

Não se pode criar marola em torno disso. Tem de ficar tranquilo, sem radicalização, sem ideologia, e com pragmatismo. O governo vai buscar canais na área comercial do governo americano, e está abrindo negociação. Não sei como estão os canais de comunicação com o governo americano. Mas imagino que a embaixada tenha canais azeitados. É uma negociação técnica A decisão é tomada em Brasília, mas a negociação acontece em Washington.

A retaliação não deve ser discutida no momento, então?

O Brasil não tem de fazer nada. Só acompanhar, e reagir se afetar os interesses nacionais. O ideal é ficar quieto e não se meter no que não diz respeito ao Brasil. Chegou a sair a história que o Brasil poderia retaliar as medidas do Trump. Mas o governo não deve discutir nada por princípio. Precisa ver se afeta o interesse brasileiro. O Brasil tem de ir devagar e não reagir politicamente; não tem cacife (para isso). Temos um comércio exterior de US$ 600 bilhões, que pode crescer, e muitos interesses a preservar.

A Europa pode ser mais agressiva nessa negociação?

Temos de ver a reação deles. A Europa diz que vai reagir às tarifas de Trump. Não sei se vão querer mesmo. A Europa desde novembro de 2023 tem um mecanismo de retaliação. Por isso, o presidente francês, Emmanuel Macron, está falando mais. A União Europeia se adiantou e produziu legislação, já em vigor, para defender os produtos da região, a chamada lei contra medidas restritivas comerciais e de investimento. No caso do Brasil, não há legislação que permita a tomada de medidas contrárias à imposição de sanções, medidas restritivas ou tarifas unilaterais, em desrespeito às regras negociadas internacionalmente. O Brasil sempre defendeu que os direitos afetados na área comercial deveriam ser defendidos multilateralmente na Organização Mundial de Comércio (OMC).

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A OMC seria um caminho, como a China disse que vai acionar o órgão contra as tarifas americanas? O Brasil no passado já ganhou o direito de aplicar retaliações contra os EUA, mas acabou sem as adotar porque afetaria os preços locais.

Isso aconteceu no caso do algodão. O problema é que a OMC agora desapareceu. A China entrou na OMC por razões políticas. Mas não tem efeito nenhum. O organismo de solução de controvérsias não funciona mais, porque o órgão de apelação não existe mais. Então, contra os EUA vai fazer o quê? A própria diretora-geral da OMC (Ngozi Okonjo-Iweala) sugeriu ontem, quando perguntada sobre as tarifas, algo na linha de “calma, vão negociar com o Trump”. Ou seja, ela está dizendo “não vem que não tem”.