O escândalo da Petrobrás e o sonho perdido dos brasileiros

Grande parte da chancela que o Brasil adquiriu recentemente seria em decorrência de fraudes, e para maior humilhação, fraudes orquestradas numa companhia que já foi símbolo de sucesso

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Por David Segal
Atualização:

Alberto Youssef, um antigo bon vivant condenado por lavagem de dinheiro, estava sentado numa cela de cadeia brasileira, em março do ano passado, preparando-se para contar sua história a seus advogados. Tratava-se de um esquema elaborado de propina envolvendo a Petrobrás, a gigante de petróleo controlada pelo governo. Ele começou com uma previsão soturna. "Rapazes", disse Youssef, "se eu falar, a república vai cair."

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Para esses advogados, Tracy Reinaldet e Adriano Bretas, que recentemente relataram a conversa, a profecia pareceu um tanto melodramática. Mas Youssef apanhou então uma folha de papel e começou a escrever os nomes de participantes no que em breve viria a ser conhecido como o escândalo da Petrobrás. Reinaldet olhou para os nomes e perguntou, não pela última vez naquele dia: "De verdade?"

"Ficamos chocados", ele recordou, sentado numa sala de conferência de seu escritório de advocacia no centro de Curitiba, a capital do Estado do Paraná, certa manhã de junho. "No Brasil, nós sabemos que a corrupção é um monstro. Mas nunca vimos realmente o monstro. Aquilo foi como ver o monstro."

Sede da Petrobrás no Rio de Janeiro Foto: Fábio Motta/Estadão

O que Youssef descreveu a seus advogados, e em seguida a promotores depois de assinar um acordo de confissão de culpa no ano passado, é uma fraude que desestabilizou o sistema político do País, ajudou a empurrar a economia para a recessão e deixou milhares de desempregados. Ele praticamente devastou a situação do Brasil como um ingressante no cenário mundial.

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O escândalo da Petrobrás seria pura tragédia, não fosse pelo elenco de personagens prontos para Hollywood e seus adereços extravagantes. Estes últimos incluem um enorme estoque de regalos - relógios Rolex, garrafas de vinho de US$ 3 mil, iates, helicópteros e prostitutas. Houve também quantias fenomenais de dinheiro, a maioria delas fluindo por uma rede de corporações fantasmas, parte delas entregue em mãos por um cavalheiro idoso que voava pelo mundo com maços de dinheiro bem embalados e presos por baixo de meias compridas e corpetes femininos.

No centro do escândalo está um velho esquema de propina. A partir de 2004, segundo procuradores, um pequeno número de funcionários de alto escalão da Petrobrás se mancomunou com um cartel de empresas para superfaturar trabalhos de construção e manutenção para a companhia petrolífera. O cartel decidia quais de suas companhias integrantes ganharia um contrato para, por exemplo, fazer a manutenção de um poço de petróleo ou construir parte de uma refinaria. Esta competição fraudulenta era supervisionada por cúmplices de dentro da Petrobrás, que eram premiados com propinas. Eles guardavam parte do dinheiro, mas compartilhavam boa parte dele com figuras políticas (embora a companhia seja de capital aberto, o governo detém 51%, e muitos executivos da Petrobrás devem seus empregos a autoridades eleitas).

O que chocou os brasileiros não é a novidade da fraude, mas sua escala épica. O primeiro de muitos suspiros de espanto nacionais foi emitido em dezembro, quando um ex-empregado da Petrobrás chamado Pedro Barusco prometeu devolver cada centavo de seus ganhos indevidos - ao todo, US$ 100 milhões.

Era apenas o começo. Barusco contou às autoridades, em fevereiro, que o governante Partido dos Trabalhadores havia embolsado até US$ 200 milhões ao longo dos anos, dinheiro supostamente usado para financiar campanhas políticas.

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Até agora, 117 indiciamentos foram emitidos, cinco políticos foram presos, e casos criminais foram abertos contra 13 companhias.

Em março, aproximadamente um milhão de brasileiros saíram às ruas em cidades de todo o país para protestar. Boa parte do furor era endereçado à presidente Dilma Rousseff, que era a presidente do conselho da Petrobrás durante parte do tempo em que o esquema de propina operou (ela nega qualquer envolvimento e não foi acusada). Mas políticos de seu partido e de cinco outros partidos foram implicados, de modo que havia muita responsabilidade em jogo.

Até agora, 117 indiciamentos foram emitidos, cinco políticos foram presos, e casos criminais foram abertos contra 13 companhias. Funcionários da Petrobrás estipularam o valor total das propinas em aproximadamente US$ 3 bilhões, uma cifra que faz o escândalo da Fifa parecer trabalho de amadores.

Para quem não vive no Brasil, o imbróglio da Petrobrás provavelmente foi registrado, se foi, como um golpe exotérico perpetrado por pessoas e corporações cujos nomes não reconhece. No Brasil, ele convulsionou o País com fúria e um sentimento pungente de traição.

Na última década, o Brasil parecia estar à beira da expansão econômica sustentável que seus líderes haviam previsto anos antes. O antecessor de Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva havia ousadamente previsto que o Brasil ascenderia à grandeza no século 21, uma projeção que parecia totalmente plausível quando, em 2010, a economia do País cresceu a uma taxa de 7,5%, seu maior desempenho em 24 anos. O Brasil, junto com China, Índia e Rússia, era considerado entre os mercados emergentes mais promissores do mundo.

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O petróleo era central para a estratégia brasileira, e isso deu à Petrobrás um papel importante na influência crescente da nação. Em certo momento, ela foi a sexta maior companhia do mundo por valor de mercado e respondeu por aproximadamente 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. A título de comparação, a Apple, que tem o dobro do valor máximo de mercado da Petrobrás, representa 0,5% da PIB americano.

A empresa perdeu mais da metade do seu valor no ano passado, cerca de US$ 70 bilhões. Parte disso decorre da queda mundial dos preços do petróleo, mas nenhuma rival da companhia foi tão severamente punida. Esse mergulho teve repercussões para investidores mundiais. Por exemplo, a Petrobrás era um investimento favorito para grandes fundos de bônus de mercados emergentes para investidores americanos.

'Nunca vi meus compatriotas tão revoltados', observou Maurício Santoro, professor de Ciências Políticas da UERJ

No Brasil, a crise da Petrobrás teve efeitos cataclísmicos, na opinião de analistas, e esta é uma das razões mais importantes pelas quais, este ano, a economia deverá registrar uma contração superior a 1%. O desemprego está aumentando, e a agência Standard & Poor's baixou a nota da dívida de longo prazo do País para um ponto acima da classificação de alto risco.

Tudo isto provocou consequências que transcendem a revolta. Os brasileiros se encontram em plena crise de identidade. Grande parte da chancela que o Brasil adquiriu recentemente seria uma decorrência de fraudes, e para maior humilhação, fraudes orquestradas numa companhia considerada há muito tempo o símbolo do sucesso e das aspirações brasileiras.

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"Nunca vi meus compatriotas tão revoltados", observou Maurício Santoro, professor de Ciências Políticas da UERJ. "Hoje, nos damos conta de que o sonho acabou".

Operação Lava Jato. "No fim, tudo vai acabar em pizza", concluem com resignação os brasileiros quando porventura ricos e poderosos são presos, sugerindo que, na realidade, o sistema judiciário favorece as elites, e, em geral, os acusados se livram da cadeia.

Se é possível extrair alguma coisa boa do colapso da Petrobrás, é a tênue sensação de que desta vez poderá ser diferente. Isto se deve, em parte, ao trabalho do juiz Sérgio Moro, responsável pela investigação, denominada oficialmente Operação Lava Jato. No Brasil, os juízes têm amplo espaço de manobra para definir tanto os rumos quanto o alcance das investigações criminais; por outro lado, a determinação do juiz Moro de perseguir inclusive os personagens mais destacados e influentes o transformou num herói popular. Em frente ao tribunal para o qual foi designado em Curitiba, fitas amarelas e verdes, as cores da bandeira, foram amarradas às árvores, num silencioso sinal de solidariedade e apoio.

Outro motivo de otimismo da sociedade encontra-se no oitavo andar de um edifício de escritórios a alguns quilômetros dali, em salas que poderiam servir para uma pequena empresa de telemarketing. Neste lugar, trabalha a equipe de nove promotores que atuam na Lava Jato.

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O promotor Deltan Dallagnol, que chefia a equipe, tem 35 anos e é formado pela Faculdade de Direito de Harvard. Uma espécie de prodígio, ele se tornou promotor aos 22 anos, e ingressou na força tarefa anticorrupção três anos mais tarde.

A investigação começou em Brasília, graças a um verdadeiro golpe de sorte. "Seria necessária uma série de fatores improváveis para dar início a este caso", disse Dallagnol, sentado à mesa da sala de conferências. "Foi como se os deuses nos tivessem concedido esta oportunidade".

Em 2012, a polícia federal estava realizando um inquérito sobre lavagem de dinheiro, no qual uma das tarefas consistia em grampear o telefone do proprietário do Posto da Torre (onde funcionara um lava jato, posteriormente fechado, que deu o nome à operação). Durante uma escuta, um policial percebeu que estava ouvindo uma conversa gravada de Alberto Youssef.

"Durante muitos anos Youssef foi piloto da aviação, e o policial tinha sido por algum tempo controlador de tráfego aéreo", contou Reinaldet, o advogado de Youssef. "O policial pensou: Conheço este cara. Então, o celular de Youssef passou a ser grampeado".

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Youssef passou a infância em Londrina. Adolescente, ajudava a mãe numa lanchonete no aeroporto da cidade. Foi ali que se tornou amigo do empresário José Jatene, piloto e futuro parlamentar.

Poucos policiais federais seriam capazes de reconhecer a voz de Youssef. Na época, ele havia sido preso pelo menos cinco vezes por crimes que iam de contrabando de produtos eletrônicos a desvio de dinheiro. Mas surpreendentemente, Youssef passou pouco mais de 15 meses na cadeia. Graças a acordos de delação premiada, ele fornecera informações e nomes em troca da redução da sentença.

Pode-se supor que a reputação de informante acabaria interferindo em sua atividade criminosa, mas ele dispõe de carisma e relações políticas para desarmar praticamente quem quer que seja. Isto inclui pessoas que ele já ajudou a pôr na cadeia. Quando, em maio, um parlamentar numa audiência no Congresso, em Brasília, perguntou a Nelma Kodama, condenada a 18 anos de prisão por sua participação na Lava Jato, sobre seu relacionamento com Youssef, ela começou a cantar Amada Amante, de Roberto Carlos, um sucesso dos anos 70.

Youssef passou a infância em Londrina. Adolescente, ajudava a mãe numa lanchonete no aeroporto da cidade. Foi ali que se tornou amigo do empresário José Jatene, piloto e futuro parlamentar.

Conseguida a licença para voar, Youssef dedicou-se ao contrabando de aparelhos eletrônicos procedentes do Paraguai, onde os impostos eram muito menores. Acabou se especializando no negócio muito mais lucrativo da lavagem de dinheiro. No final de 2006, já fazia parte do esquema de corrupção da Petrobrás. Posteriormente, contou ao juiz Moro e aos promotores que seu ingresso no esquema se deu a convite de Jatene, que morreu em 2010.

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A situação, no caso da Petrobrás, precipitou quando a polícia descobriu um e-mail de Youssef em que ele descrevia uma Range Rover adquirida para um executivo da Petrobrás, Paulo Roberto Costa. De 2004 a 2012, Costa foi diretor de abastecimento da estatal , emprego que o colocara numa posição ideal para aprovar importantes contratos. O presente sobre quatro rodas levou a um mandado de buscas no escritório de Costa e à sua prisão. Ele foi o primeiro executivo da Petrobrás a falar na Lava Jato.

Apesar de todos os seus efeitos nefastos, a Lava Jato revelou que o Brasil tem um grupo forte e independente de policiais, juízes e promotores federais, uma raridade em países assolados pela corrupção.

Logo em seguida, Youssef decidiu testemunhar contra seus cúmplices. Graças à cooperação de dois dos principais personagens do esquema, disse Dallagnol, "tínhamos um caso 100 vezes maior" do que sua investigação original previra. A próxima pizza

Apesar de todos os seus efeitos nefastos, a Lava Jato revelou que o Brasil tem um grupo forte e independente de policiais, juízes e promotores federais, uma raridade em países assolados pela corrupção. No mês passado, por exemplo, a polícia realizou buscas na casa do senador Fernando Collor, e saiu de lá com uma Ferrari, uma Lamborghini e um Porsche. (Collor não foi indiciado e nega envolvimento na Lava Jato.)

Meses atrás, Dallagnol e outro promotor foram a Washington para falar com funcionários do Departamento de Justiça, para solicitar ajuda. Segundo ele, sem entraves, as investigações da Lava Jato poderão durar anos.

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No entanto, será que ele prevê que o caso acabará em pizza? Talvez Dallagnol risse desta perspectiva, mas ele conhece muito bem o sistema. "É difícil prever", ele disse. "Segundo as estatísticas, quando você tem casos que envolvem ricos e poderosos, as coisas costumam acabar em pizza. Não temos ilusões, e nenhuma aspiração a super-heróis. Somos apenas um grupo de pessoas determinadas a fazer o melhor que pudermos".

Uma pessoa que comemorará logo mais é Alberto Youssef. Com o estresse e a prisão, seus cabelos ficaram grisalhos, perdeu cerca de 20 quilos e, no ano passado, teve de ser hospitalizado por causa de um enfarte. Sua mulher pediu o divórcio, e dizem que ele não tem mais recursos. Os dias em que ele era o elo financeiro do esquema acabaram.

Mas o juiz Moro disse que sua colaboração foi tão útil que recebeu a sentença mínima prevista em seu acordo de delação premiada. Com o tempo que ele já passou na prisão, estará em liberdade no início de 2017. /TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK E ANNA CAPOVILLA

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