No Brasil, onde o desemprego está em níveis historicamente baixos, a escassez de profissionais para preencher vagas tornou-se um desafio crítico, especialmente no setor de supermercados. Em casos extremos, a falta de mão de obra tem levado até ao adiamento da inauguração de novas lojas, segundo a Associação Paulista de Supermercados (Apas).
Oito de dez ocupações que respondem por quase 70% da força de trabalho empregada no setor de supermercados enfrentam escassez de mão de obra, revela um levantamento feito pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) a pedido do Estadão.
Nessa lista constam:
- Operador de caixa
- Padeiro
- Açougueiro
- Embalador
- Repositor de mercadorias
- Atendente de loja
- Vendedor
- Auxiliar de serviços de alimentação
Esses profissionais, especialmente os que desempenham funções mais técnicas e com maior qualificação, são caçados a laço pelos recrutadores, confirmam redes de supermercados ouvidas pela reportagem.
Além do desemprego baixo, de 6,5% da População Economicamente Ativa no trimestre encerrado em janeiro, segundo o IBGE, outros fatores contribuem para o aperto no mercado de trabalho. De acordo com empresários do setor, muitos jovens que têm o supermercado como o primeiro emprego preferem hoje trabalhos informais devido à maior flexibilidade. Supermercadistas também levantam a hipótese de que os programas sociais acabem reduzindo a oferta de trabalhadores.
Para avaliar o tamanho da escassez de mão de obra nos supermercados, a CNC fez um levantamento a partir de informações que medem o emprego formal com carteira assinada, isto é, usou dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho. Também considerou dois critérios combinados para identificar quais são as ocupações mais afetadas nos supermercados pela escassez de trabalhadores.
O primeiro critério, adotado pelo autor do estudo, o economista da CNC Fabio Bentes, foi identificar entre as ocupações mais frequentes no varejo de supermercados aquelas cuja variação do salário inicial de contratação cresceu em 12 meses até dezembro de 2024 acima da média nominal de todo o mercado de trabalho no mesmo período (5,9%).
O segundo critério foi avaliar entre as ocupações mais demandadas pelo setor aquelas que também ampliaram as admissões no período, além de terem aumentado o salário inicial de contração acima da média do mercado.
Aumentar o salário inicial de admissão acima da variação média do mercado é uma forma de atrair profissionais, quando as empresas enfrentam problemas de escassez de mão de obra
Fabio Bentes, economista da CNC
A rede Hirota, por exemplo, com 18 lojas de supermercados na Grande São Paulo, que acaba de inaugurar uma loja no bairro da Vila Formosa, zona leste da capital paulista, enfrentou dificuldade para preencher as 80 vagas abertas na nova unidade. “Consegui inaugurar a loja contratando 65 pessoas e levando 15 funcionários de outras lojas do grupo”, conta Helio Freddi, diretor da rede.

Diante do quadro de escassez de mão de obra, o Hirota iniciou as admissões para a nova loja quatro meses antes da data prevista para inauguração. O normal, segundo o executivo, seria começar o processo seletivo 45 dias antes da abertura da loja.
Para a próxima unidade programada para abril, na Granja Viana, o processo de seleção está em curso desde janeiro. Cerca de 40% das 70 vagas disponíveis foram preenchidas. O ideal seria que, neste momento, 80% do quadro estivesse completo, diz o executivo.
Não lembro, na minha carreira de 30 anos no varejo, ter enfrentado tanta dificuldade assim (para preencher vagas)
Helio Freddi, diretor da rede Hirota
Esse problema também foi verificado pela rede de supermercados Tauste, com sede em Marília (SP), que inaugurou a 10ª loja em Campinas (SP) em agosto do ano passado. “Conseguimos contratar 450 funcionários para a loja de Campinas e 120 vieram de outras unidades do grupo”, conta o diretor-executivo da rede, Rogério Montolar.

O executivo diz que a saída de realocar funcionários de outras unidades para completar o quadro de funcionários da nova loja gera um custo enorme para empresa, com diárias de hotel, despesas com alimentação e transporte de empregados vindos de outras cidades.
A próxima loja da rede, que será aberta em julho deste ano em Taubaté (SP), terá 570 vagas.
A nossa preocupação é grande com as contratações, e o que nos tranquiliza é que temos como socorrer com o pessoal de outras lojas, mas esse socorro custa muito caro
Rogério Montolar, diretor-executivo da rede Tauste
O quadro é semelhante no Grupo Muffato. Com 110 lojas de supermercado e atacarejo espalhadas pelo Estado de São Paulo e o Paraná, a rede tem 1,2 mil vagas abertas no momento. A empresa informa que hoje está mais difícil admitir pessoal, comparado com o período pré-pandemia.

O Grupo Carrefour, líder do setor de supermercados no Brasil, sente de perto o problema de escassez de mão de obra. Em nota, a companhia confirma que “enfrenta desafios na contratação de profissionais, especialmente em funções como repositores, empacotadores, operadores de caixa” e nos departamentos de açougue e padaria.
A varejista atribui a escassez de mão de obra a uma combinação de fatores. O crescimento do trabalho autônomo, que se tornou uma alternativa mais atrativa em comparação ao emprego tradicional, aliado à baixa taxa de desemprego e ao aumento da demanda por profissionais no mercado, tem intensificado essa situação.
Em recente entrevista ao Estadão, o presidente da Apas, Erlon Ortega, disse que há 30 mil vagas em aberto nos supermercados do Estado de São Paulo e que existem varejistas adiando inaugurações por falta de mão de obra.
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Fontes do mercado dizem que a Oxxo, rede de lojas de proximidade do grupo Nós, joint venture entre a Raízen e a Femsa, chegou a ter 30 lojas que não puderam ser abertas por dificuldade em preencher os quadros de funcionários.
Questionada pela reportagem, a rede Oxxo informou, por meio de nota, que “segue seu ritmo acelerado de expansão no Estado de São Paulo, de acordo com o seu calendário estratégico. O prazo de abertura das unidades leva em consideração diversos fatores, incluindo, licenciamento, prazo de obra, logística e também, contratação de mão de obra e treinamento de equipe”. A empresa não confirma nem nega o número de lojas que teriam tido a abertura adiada.
Como atenuar a falta de trabalhadores?
Além de deslocar funcionários de outras unidades, as redes de supermercados têm mudado a forma de contratação para virar o jogo da falta de pessoal.
O Tauste, por exemplo, começou a fazer campanhas para entrega de currículos também nas lojas físicas, o que antes estava restrito ao site da empresa. Além disso, passou a participar e promover feirões junto às prefeituras das cidades onde está presente.
Na entrega do currículo, o candidato já é entrevistado e inicia o processo de admissão. A empresa também está agilizando a burocracia na contratação, que antes demorava 15 dias. “Hoje em uma semana a pessoa está trabalhando”, diz Montolar.
Outra frente buscada pela varejista para preencher as vagas tem sido admitir profissionais mais velhos, com mais de 50 anos de idade e até aposentados.
Essa também tem sido uma das saídas usadas pelo Carrefour. A companhia informa que “é o maior empregador de pessoas com 60 anos no País e, em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Social, contratou 53 mil pessoas cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) em 2024”.
De toda forma, ganhos salariais e aumentos de benefícios são ainda as alternativas mais imediatas para atrair trabalhadores.
O Hirota, por exemplo, informa que tem ampliado os benefícios para reter os trabalhadores, mas não tem alterado salários. Para Freddi, diretor da rede, além da escassez de trabalhadores, o maior problema é a falta de experiência dos candidatos.
O Grupo Muffato tem uma universidade corporativa para treinar os funcionários. A rede está contratando pessoas sem experiência, profissionais com mais de 50 anos, pessoas com deficiência física (PCD), além oferecer diversos benefícios e plano de carreira.
O Carrefour informa que adota diversas estratégias para atrair e reter talentos, entre as quais estão programas de treinamento contínuo, com foco em desenvolvimento e progressão de carreira.