'Estou convencido de que estamos numa armadilha de baixo crescimento'

Segundo economista, PIB terá expansão de média de 2,4% entre 2011 e 2013, índice 'baixo sob qualquer critério'

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Foto do author Raquel Landim

O economista José Roberto Mendonça de Barros, sócio da MB Associados, está convencido de que o Brasil ficou preso numa "armadilha de baixo crescimento" no governo Dilma. Nas suas contas, o País vai crescer, em média, 2,4% entre 2011 e 2013, um avanço baixo "sob qualquer critério".

Mendonça de Barros identifica algumas razões para o fraco desempenho. O crescimento da demanda vai ser mais fraco, porque o "grosso" da inclusão de brasileiros no mercado de consumo já ocorreu e porque as finanças públicas não resistem a novos reajustes significativos do salário mínimo e dos programas de transferência de renda.

O problema mais grave, no entanto, é o "desmonte" dos investimentos, que provoca uma restrição na oferta de produtos. "É o avião que fica parado na pista, os apagões, a falta de gasolina que começa a pipocar", enumera o economista, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda na gestão Fernando Henrique Cardoso.

Um dos maiores especialistas em economia real do País, Mendonça de Barros aborda essas questões no livro Crescer não é fácil, que está lançando pela editora Elsevier. O volume reúne seus artigos publicados no caderno de Economia do Estado do início de 2010 até os primeiros meses deste ano.

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A previsão média no mercado é que o PIB (Produto Interno Bruto) vai crescer 1,5% este ano, abaixo da maioria dos países da América Latina. Por que o Brasil vai crescer tão pouco?

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Três grandes fatores convergiram: a crise internacional, o desmonte do investimento, e a trava no setor automotivo. A última razão é bem conhecida. Houve uma crise no mercado de automóveis no fim do ano passado, que levou a uma paralisia brusca do setor. Foi provocada não só pela inadimplência, mas também pela queda do preço do carro usado, que é um prejuízo importante para a classe C, que tem no carro o seu principal ativo. Sem liquidez no mercado de usados, caem as vendas de carros novos. O governo reagiu, mas não foi suficiente para reverter. Na MB Associados, prevemos um crescimento de 1,3% este ano, abaixo da média do mercado.

Como a crise global afetou o Brasil?

A crise provocou uma queda na exportação de produtos industriais. As exportações de manufaturados caíram a bagatela de 20% para a Argentina. Acredito que o "efeito Argentina" ajuda a explicar porque a desaceleração da economia foi muito maior do que se projetava. Houve uma dramática mudança na política econômica argentina - o clássico caso do rabo que balança o cachorro. A escassez de dólares obrigou o governo argentino a trabalhar com uma meta de superávit comercial de US$ 10 bilhões independente do nível da corrente de comércio. Como a exportação argentina caiu, prejudicada pelos efeitos da seca na safra agrícola, o país foi obrigado a cortar drasticamente as importações, pegando de surpresa o Brasil. A crise também prejudicou os investimentos no Brasil de setores que são competitivos, como celulose, siderurgia ou mineração. Todas as companhias desses setores foram obrigadas a rapidamente postergar ou arquivar investimentos.

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A crise foi a responsável pelo que o senhor chamou de desmonte do investimento produtivo?

Também, mas não foi só isso. Houve uma generalização da percepção de que o Brasil é pouco competitivo, especialmente na indústria. Os industriais - que sempre colocaram toda a culpa no câmbio, quando a moeda voltou a R$ 2 - foram obrigados a perceber que o problema é muito maior. Isso expôs claramente outras questões, como limitações de infraestrutura, falta de mão de obra, alta tributação. E precisamos somar a isso o drama da Petrobrás. Ao longo do ano ficou claro que a empresa tem um problema de gente grande. A estatal e seus fornecedores são quase um quarto dos investimentos do País. O resultado geral é que tivemos uma mudança no sinal do investimento e dificilmente vamos transpor a barreira de 20% do PIB.

O intervencionismo do governo está atrapalhando os investimentos?

A regulação está atrapalhando demais. É um excesso de intervenção que piora as expectativas e derruba o investimento. O exemplo mais recente é a drástica mudanças nas regras para a energia elétrica. O desmonte do investimento é o que mais me preocupa, porque o investimento de hoje é o crescimento da economia amanhã. Estou cada vez mais convencido que estamos presos numa armadilha de baixo crescimento.

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O senhor pode explicar melhor?

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Em 2013, devemos crescer 3% a 3,5%. No ano passado, o país avançou apenas 2,7%. A média no triênio, portanto, pode ficar em 2,4%, o que é baixo sob qualquer critério. O primeiro motivo de estarmos presos nessa armadilha que o crescimento da demanda vai ser mais lento que no passado recente. O grosso da inclusão de pessoas no mercado de consumo já ocorreu. A dívida das famílias já está em 45% da renda anual e o crédito já atingiu 50% do PIB, o que deixou de ser um número baixo. É claro que vamos ter mais pessoas entrando no mercado, mas não será um contingente tão expressivo. O segundo motivo é que as finanças públicas não sustentam mais uma rodada longa de aumentos reais do salário mínimo e reajustes substantivos dos programas de transferências de renda. A soma desses dois pontos significa que a demanda vai crescer, mas a taxas mais modestas. Até aqui é natural. O grande problema é a restrição da oferta. Temos um problema sério, que decorre dos custos altos e da baixa produtividade. E essa restrição está piorando. É o avião que fica parado na pista, os 65 apagões, a falta de gasolina que começa a pipocar e vai piorar, a queda na qualidade da telefonia. No curto prazo, tudo gera perda de eficiência na economia e reduz investimentos.

Mas não pode significar oportunidade de investimentos no futuro?

É verdade, mas não está ocorrendo por conta da crise internacional e dos problemas de regulação que mencionei. O governo promove uma privatização encabulada em querer controlar tudo e torna os projetos infactíveis. Há vários exemplos: a privatização das rodovias em 2007, a mudança de modelo no setor de petróleo, a concessão dos aeroportos. Mais recentemente tem esse lance ousadíssimo na energia elétrica em um momento em que o sistema está muito frágil. Não é preciso ser engenheiro elétrico para saber disso.

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É possível escapar da armadilha de baixo crescimento?

Possível, é. Finalmente o governo encampou a ideia de que é preciso reduzir o custo Brasil. Mas perceber o problema não significa resolvê-lo. Para isso, é preciso regras claras que permitam o setor privado ganhar dinheiro. Outro exemplo que é público: o governo tentou trazer as grandes operadoras de aeroportos para serem sócias minoritárias da Infraero. Quem pode pensar seriamente em fazer um negócio desse? Por isso, acho que esse impasse não será quebrado. O país só cresce se investir mais. O Brasil deixou de ser o queridinho do mercado e não é apenas por conta da especulação financeira que diminuiu. De fato, tem mais gente investindo no México e na Turquia.

Mas o investimento estrangeiro direto no Brasil nunca esteve tão forte.

São aquisições de ativos. Todas as firmas de private equity vieram para o País. Algumas compraram oito empresas em um ano. Em média, 70% do investimento estrangeiro direto é para a aquisição de ativos existentes. Suspeito que este ano o porcentual é maior. A aquisição de ativos é positiva, mas não significa mais estoque de capital e maior capacidade de crescimento do País.

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Se o país cresce pouco, por que os fundos de private equity estão vindo?

A consolidação já é uma grande atração para os fundos. E todas essas consolidações estão no setor de serviços, que não tem competição com importados e tem menos intervenção do governo. Como operava uma farmácia 10 anos atrás? Se o consumidor não encontrasse um remédio, a solução era voltar dias depois. Hoje as redes operam com uma central e vários motoqueiros. Se o consumidor não consegue o remédio em uma farmácia da rede, o motoqueiro entrega em casa em três horas. Evidentemente isso gera valor, porque o estoque é menor e a produtividade é elevada. É bom para a economia, mas não é o que faz o País crescer. Essa é uma distinção importante. Não estamos falando de novas fábricas, novas estradas, novos campos de petróleo.

Vale a pena produzir no Brasil?

No geral, a resposta é sim. Temos segmentos grandes que são claramente competitivos. Os setores de recursos naturais podem estar temporariamente com problemas, mas são competitivos. Temos uma demanda grande por habitação, educação e outros serviços. Além disso, as indústrias estão mudando seu modelo de negócios. Produtores tradicionais de sapatos e roupas encontraram um caminho ao se integrar com o varejo. Alguns abandonaram a indústria para se dedicar ao varejo, mas não é regra. A Lupo, por exemplo, tem várias lojas, mas é uma indústria.

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Vários gargalos de infraestrutura apareceram mesmo com um crescimento fraco. O que vai ocorrer se a economia se recuperar?

Se derem estímulo para crescer mais rápido, a inflação vai aparecer. É claro que não vai ser uma inflação de 20%. Mas é uma inflação persistentemente perto de 6%. E isso produz um enorme desconforto, porque temos uma história difícil com a inflação. É essa a armadilha: crescer sem gerar inflação.

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