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Acordo UE-Mercosul: Brasil diz que exigências são muito duras e que vai reavaliar documento

Ministro Mauro Vieira afirma em audiência no Senado que compromissos apresentados por Bruxelas como condição para assinar o acordo de comércio entre os blocos dão margem a retaliações

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Por Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou nesta quinta-feira, 11, que o governo Luiz Inácio Lula da Silva reavalia o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. O motivo, segundo o chanceler brasileiro, são brechas para aplicação de sanções ao País, que o governo identificou ao analisar as exigências adicionais apresentadas em março pelo bloco europeu. Ele disse que o Brasil pode ser retaliado se deixar de cumprir alguma meta de proteção e conservação ambiental.

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“Estamos reavaliando o acordo. O documento é extremamente duro e difícil”, disse Mauro Vieira. O chanceler avaliou que os europeus “apresentaram uma side letter leonina” - o termo em inglês é como o documento costuma ser chamado no jargão diplomático. Segundo ele, os termos apresentados pela UE podem trazer “prejuízos enormes” ao Brasil, com base em sanções aplicadas pelos europeus. Vieira afirmou que o texto proposto como declaração complementar sobre temas ambientais cria “uma série de barreiras e possibilidades de retaliação”.

É a primeira manifestação pública de um integrante do primeiro escalão do governo Lula a respeito das condições mais recentemente apresentadas pela União Europeia. Para o ministro, o bloco criou dificuldades tomando como ponto de partida a legislação ambiental europeia, que considerou “extremamente rígida e complexa de verificação”.

O ministro Mauro Vieira em cerimônia no começo do ano no Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); revisão do acordo para 'evitar punições' Foto: Wilton Junior/Estadão

O ministro ponderou que o governo defende a reindustrialização do País por meio do acordo comercial e que há interesse em todas as áreas da economia nacional. Por isso, afirmou que é necessário consultar todos os ministérios sobre temas como saúde, compras governamentais, agricultura, propriedade intelectual. “Não é simples negociar um acordo dessa magnitude com 27 países”, afirmou.

O chefe da chancelaria brasileira disse que vai propor uma reunião com os outros dez ministros no Itamaraty para analisar a proposta europeia, focada em compromissos ambientais.

O ministro afirmou, durante audiência no Senado, que o Brasil está fazendo uma avaliação interna no governo, entre áreas afetadas pelo acordo, e que em seguida fará contato com os demais países-sócios do Mercosul (Argentina, Uruguai e Paraguai), para apresentar a Bruxelas uma contraproposta consensual.

“Já estamos trabalhando numa nova carta, numa side letter que seja conveniente, que nos resguarde. Nós temos que buscar, à luz do interesse nacional, a melhor solução para esse acordo, que é importante, é relevante, sim, mas dentro de um acordo que seja bom para os dois lados.”

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Vieira indicou que, com base nos compromissos assumidos voluntariamente pelo Brasil no âmbito do Acordo de Paris, como as metas nacionalmente determinadas de redução de desmatamento ilegal, entre elas zerar a prática ilegal até 2030, poderiam ser tomadas como base para que o País fosse sancionado, se não atingidas. Dessa forma, argumentou, os compromissos passariam a ser na prática “mandatórios, porque, senão, pode haver retaliação”.

“Os compromissos que o Brasil vai respeitar e vai fazer a nossa contribuição apresentada é voluntária. Pode haver condições climáticas, condições de várias naturezas que não permitam atingir em um ano. Isso dá permissão a que, pela carta, pelo documento adicional, a União Europeia apresente sanções e aplique sanções, o que não é possível, porque, se a contribuição é voluntária, não pode ser motivo de uma retaliação”, argumentou o chanceler.

O acordo comercial é negociado há 22 anos. Em 2019, os dois blocos anunciaram a conclusão do acordo, da negociação entre áreas técnicas. O fato foi celebrado pelo governo Jair Bolsonaro como a conclusão das tratativas que se arrastavam. Porém, não houve nem a assinatura formal, tampouco a necessária ratificação interna nos parlamentos de todos os países envolvidos e dos dois blocos.

Logo depois do anúncio, diante da escalada de desmatamento, avanço do garimpo ilegal e queimadas na Amazônia, governos europeus anunciaram que apresentariam um documento adicional para tratar especificamente da mudanças climáticas e proteção ambiental, conhecido como side letter. Somente no início de maio, segundo o chanceler Vieira, a União Europeia finalmente entregou o documento com os compromissos exigidos do Brasil. A íntegra do texto nunca veio a público.

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“Nós estamos negociando internamente. O governo está em fase de finalização de uma posição comum. Já temos conversado muito com os outros três sócios do Mercosul - Argentina, Uruguai e Paraguai -, constantemente, e estamos ‘consensuando’ uma posição para apresentar uma contraproposta à União Europeia”, disse o chefe da diplomacia brasileira.

O chanceler também ecoou argumentos usados pelo governo Bolsonaro para reagir às exigências europeias, que postergaram a assinatura do acordo em 2019. “A União Europeia, sem crítica direta ao grupo ou a nenhum dos países diretamente, tem um viés muito protecionista”, afirmou Mauro Vieira. “É impressionante, porque há cláusulas muito complexas. A questão da lei de desflorestamento na Europa é muito complexa, pode causar, evidentemente por qualquer efeito, inclusive físico, uma perda maior de área florestal, por qualquer razão, incêndio; pode afetar as exportações, com possibilidades, inclusive, de retaliações, sem uma entidade que julgue e determine. Quer dizer, quem é que vai determinar, a União Europeia? Não tem mais floresta para desflorestar, para desmatar lá, já acabou também - deveriam ter preservado -, mas as nossas estão...”.

Além disso, os governos Lula e Alberto Fernández, da Argentina, já manifestaram resistências a alguns trechos do acordo e indicaram a intenção de rediscutir alguns pontos, o que significa a reabertura das negociações. O presidente brasileiro pede que os europeus flexibilizem sua posição e quer rever o capítulo sobre compras governamentais, por exemplo.

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Lula disse que trabalharia para a conclusão no primeiro semestre, o que foi considerado um prazo irreal por líderes europeus. Depois falou em apresentar avanços até o fim deste ano. As previsões do ministro, porém, contrastam com declarações de Lula. “Há perspectiva, e isso não é um segredo, de um período longo para a entrada em vigor. Isso é um fato concreto e inevitável”, afirmou Vieira.

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