Concluída a aprovação da reforma da Previdência, é cada vez maior o ceticismo de investidores e analistas sobre o que passará no Congresso ainda neste ano e, especialmente, em 2020 em termos de novas medidas para consolidar o ajuste fiscal, melhorar o ambiente de negócios, atrair investimentos e aumentar a produtividade da economia brasileira.
Poderá ser a Previdência a única reforma de fôlego que o Congresso terá aprovado até o fim de 2020? Sem as reformas tributária e administrativa, o Brasil conseguirá acelerar o ritmo de crescimento da economia para além de 2,5%?
O Congresso entra em recesso a partir de 23 de dezembro, o que deixa pouco espaço numa agenda já congestionada pelo envio de três propostas de emendas constitucionais (PEC) pelo governo Bolsonaro, além de medidas provisórias e projetos de lei na fila para serem apreciados. Isso sem contar que, obrigatoriamente, o Congresso precisa aprovar o Orçamento de 2020.
Se o número de sessões legislativas até o recesso é o principal obstáculo a um ímpeto reformista ainda neste ano, as eleições municipais do ano que vem deverão limitar o tempo e a disposição dos parlamentares para aprovar matérias econômicas de interesse do governo em 2020.
Dificilmente, o foco do Congresso estará em outra coisa a não ser a eleição municipal a partir do segundo semestre, quando a campanha para o pleito começar a esquentar. As eleições municipais, aliás, já começaram a mexer com o tabuleiro político, pois são consideradas cruciais para as pretensões de partidos e candidatos à eleição presidencial de 2022.
De olho no desempenho nas eleições municipais, muitos partidos e parlamentares não estão dispostos a votar a favor de medidas polêmicas ou impopulares, como as reformas tributárias e administrativas. Não à toa, o governo não enviou até o momento suas propostas para essas reformas.
No início do mês, a equipe econômica enviou ao Congresso três PECs: a dos fundos (acabando com fundos setoriais), a da emergência fiscal (que aciona gatilhos para reduzir despesas obrigatórias, com corte de salários de servidores públicos) e a do pacto federativo (que muda, por exemplo, a distribuição de receitas entre União, Estados e municípios). Essas três propostas fazem parte de um pacote de ajuste fiscal. Não se espera um avanço significativo dessas PECs no Congresso neste ano. Para 2020, a aprovação também não é garantida. Talvez, a PEC da emergência fiscal consiga avançar.
O analista político da MCM Consultores, Ricardo Ribeiro, se diz cauteloso em relação à aprovação do pacote fiscal e de outras medidas da agenda pós-Previdência. “O Congresso continua com perfil favorável a medidas de ajuste alinhadas com a ortodoxia econômica, mas a agenda ficou muito congestionada e ainda não há uma prioridade clara, pois Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Paulo Guedes têm prioridades diferentes”, diz Ribeiro, referindo-se aos presidentes da Câmara e do Senado e também ao ministro da Economia. “É ano eleitoral, o ex-presidente Lula solto fortalece oposição e deixa o ambiente político mais acirrado e sujeito a turbulências, além de o governo Bolsonaro ser sempre uma potencial fonte de confusão.”
Os analistas também estão céticos quanto à aprovação pelo Congresso de outras medidas importantes, como o projeto de lei que atualiza o marco regulatório do setor de saneamento básico ou o que dá independência ao Banco Central. “Não está parecendo que o marco regulatório do saneamento e a independência do BC vão passar neste ano”, diz José Pena, economista-chefe da Porto Seguro Investimentos. “E à medida que nos aproximamos das eleições municipais do ano que vem, a chance de essas medidas serem aprovadas diminui, especialmente a do saneamento, que sofre resistências de governos estaduais e municipais.” Para ele, apenas se a situação da economia se deteriorar muito em 2020 é que seria maior a pressão para os parlamentares aprovarem alguma reforma no ano que vem. “Eles se veriam obrigados a fazer uma nova rodada de reformas para reconquistar a confiança.”
Ou seja, se o crescimento do PIB brasileiro acelerar em 2020 e o cenário externo melhorar, com um acordo parcial entre EUA e China na disputa comercial, cai o incentivo para o Congresso avançar com reformas estruturais. Mas, sem elas, o fôlego da economia tem vida curta.*É COLUNISTA DO BROADCAST