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Opinião|PEC da Transição constitui uma contrarreforma, pois a ideia de que o teto fracassou é errada

Tirar o Auxílio Brasil do teto é um equívoco, porque reforça a tendência de ‘colocar fora do teto’ uma gama cada vez maior de rubricas

Foto do author Fabio Giambiagi
Atualização:

A regra atual do teto de gasto, na prática, tinha caducado. Como mostrei com Manoel Pires no Texto para Discussão n.º 2, Perspectivas fiscais para a década: dilemas e escolhas, publicado no site do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), ela implicaria contrair as despesas discricionárias dramaticamente no próximo governo. Isso seria inviável.

A questão é como mudar a regra, mas preservando a noção de limites. A (falsa) solução de tirar o Auxílio Brasil do teto é um equívoco. Primeiro, porque reforça a tendência de “colocar fora do teto” uma gama cada vez maior de rubricas: quanto menor a representatividade do gasto objeto de contenção, menor a relevância da regra.

Deveríamos torcer para que daqui a quatro anos se gaste muito menos com o Auxílio Brasil e que esses recursos poupados possam ser canalizados para investimentos públicos Foto: Diego Vara/Estadão

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Segundo, porque aponta para incentivos perversos: nós deveríamos torcer para que daqui a quatro anos se gaste muito menos com o Auxílio Brasil e que esses recursos poupados possam ser canalizados para investimentos públicos, ciência e tecnologia, saúde, etc. Mas, do jeito proposto, o incentivo seria exatamente o oposto: que nas eleições de 2026 o valor unitário aumente para R$ 1.200, para ajudar a eleger o sucessor, porque “isso não afeta o teto”.

Terceiro, a solução de tirar o Auxílio Brasil do teto é um equívoco porque, num país com pressões inflacionárias, expandir fortemente o gasto é um erro macroeconômico grave. E, quarto, porque estaríamos repetindo erros antigos, dos quais o mais recente foi o de Mauricio Macri na Argentina, que no começo do seu governo se negou a fazer um ajuste e foi abalroado por uma crise severa dois anos depois.

A ideia de que “o teto fracassou” é errada. Nos 25 anos entre 1991 e 2016, o gasto primário federal passou de 11% para 20% do Produto Interno Bruto (PIB). De 2016 a 2021, com exceção de 2020, a relação gasto/PIB caiu em todos os anos e, em 2022, o gasto deverá ser de menos de 19% do PIB. O déficit público de 1995 a 1998, de 6% do PIB, em média, nos levou à crise de 1998. Ora, o déficit de 2023 poderá ser de 7% a 8% do PIB. À luz dessa perspectiva, a “PEC da Transição” constitui uma verdadeira contrarreforma.

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Faço aqui uma proposta: 1) incluir dentro do teto todos os itens hoje abrangidos no “extrateto”, com exceção dos créditos extraordinários; 2) definir um teto, com tudo incluído, de R$ 2 trilhões de gasto para 2023, em torno de 19% de um PIB de R$ 10,5 trilhões; 3) ter uma regra de expansão posterior do teto de IPCA mais 1,5% ao ano, por 8 anos.

Aprovar esses dispositivos pavimentaria o terreno para uma trajetória fiscal sustentável e permitiria ao País focar na reforma tributária em 2023. Vale a pena avaliar a ideia.

Opinião por Fabio Giambiagi

Economista, formado pela FEA/UFRJ, com mestrado no Instituto de Economia Industrial da UFRJ

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