A Lei Complementar n.º 212, tratando das dívidas estaduais, se insere no contexto da balbúrdia brasileira. A lei, feita sob inspiração do senador Rodrigo Pacheco, contempla, essencialmente, dois pontos.
O primeiro é o artigo 3.º, que autoriza o pagamento da dívida mediante a “transferência, para a União, de participações societárias em empresas de propriedade do Estado”, entre outras possibilidades. Para explicar o tema, vou recordar uma anedota ocorrida com meu filho, quando era criança. Estávamos de férias em Punta del Este, e ele começou a juntar conchinhas. Indagado acerca do que iria fazer, respondeu, cheio de convicção: “Vou vendê-las!”. Curioso, perguntei: “E vai vender pra quem?”. Resposta: “Pra você, ué”.
A proposta do senador, convertida em lei, se assemelha ao empreendedorismo do meu filho. Ele costurou uma solução que engendrará uma enorme disparidade de expectativas, como nessas situações em que o vendedor de um apartamento diz que “vale R$ 1 milhão” quando ninguém daria mais de R$ 300 mil por ele. É aí que entrará em jogo a política, com as notinhas de jornal dizendo que “o governo está cansado do fanatismo dos servidores que não compreendem a necessidade de resolver a questão” e outros mecanismos que o conhecimento da história permite supor que serão acionados. Boa sorte aos técnicos que colocarão seu CPF em jogo.

O outro componente da proposta é a divisão da taxa de juros de 4%, deixando de lado os detalhes, em três componentes: i) 2% que sumiriam se a dívida abatida for de pelo menos 20%; ii) 1% para um “fundo de equalização” em favor dos Estados, o que significa que o dinheiro sairá do bolso direito do conjunto dos Estados para o esquerdo; e iii) mais 1% em gastos feitos numa série de iniciativas consideradas meritórias, o que implica, nos termos do item anterior, que o recurso nem sequer sairá do bolso direito, porque não ultrapassará as fronteiras do próprio Estado.
Diante disso, só resta lembrar o sketch em que um personagem de Jô Soares, espremido por um conjunto de demandas, perguntava a seu interlocutor: “E pra beber, não vai nada?”.
P.S.: Nosso surrealismo é tão grande que, mesmo com as benesses do plano, ele vem sendo criticado por alguns governadores. Nesse caso, o saldo poderá ser um enorme favor fiscal a São Paulo, que deverá aderir ao novo programa, o que fará de um possível adversário do presidente em 2026 o grande beneficiário da iniciativa. É algo digno de gênio.