‘Preços do agro sobem e descem; o problema está na popularidade do governo’, diz especialista da FGV

Para pesquisador do FGV Agro, argumento do ministro Fernando Haddad de que supersafra e o recuo do dólar podem reduzir a inflação de alimentos é frágil e incompleto

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Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:
Foto: FGV/Divulgação
Entrevista comFelippe SerigatiPesquisador do FGV Agro

O argumento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que a supersafra de grãos e o recuo da cotação do dólar podem reduzir os preços dos alimentos foi considerado frágil e incerto pelo pesquisador do Centro de Agronegócios da Fundação Getulio Vargas (FGV Agro), Felippe Serigati.

“Do ponto de vista técnico, é uma afirmação muito frágil e incompleta”, diz o especialista. Ele observa que vários outros produtos da cesta básica que estão fora das estatísticas da supersafra, como café, carnes, açúcar, laranja, por exemplo, estão com preços nas alturas.

Também o recuo da cotação do dólar, que ocorreu nos últimos dias, segundo ele, por razões externas, é incerto. E, domesticamente, o câmbio pode continuar sendo afetado pelo desajuste da política fiscal, que persiste.

A saída para a inflação dos alimentos, segundo Serigati, é “deixar o mercado funcionar”. Ou seja, preços maiores levarão os produtores a aumentar os cultivos, e a oferta e demanda se equilibrarão no médio prazo.

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No entanto, o que move, na opinião de Serigati, o governo a ter grande preocupação com a inflação de alimentos neste momento, é o risco de ter a popularidade corroída. “Produtos agropecuários tem preços voláteis: sobem e descem. O problema não está no mercado, mas na popularidade do governo.”

Produção de alimentos não se resume à safra de grãos, como a soja Foto: Germano Rorato/Estadão

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia a afirmação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de que a supersafra e o recuo do dólar podem reduzir os preços dos alimentos?

Pode ser viável, mas temo que a gente atribua as consequências às causas erradas.

Como assim?

Em primeiro lugar, a nossa produção de alimentos não se resume à safra de grãos. Quando falamos em supersafra, estamos falando em grãos. No caso do café, do açúcar e da carne bovina, a história não é essa. De fato, as projeções para a safra de grãos são recordes, mas isso necessariamente não vale para outros produtos agropecuários. Por mais que os grãos sejam importantes, o universo agro vai além dos grãos.

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E o efeito do dólar?

O dólar explica uma parte do aumento dos preços dos alimentos. Mas geralmente isso está mais concentrado nas grandes commodities, que são transacionadas no mercado internacional e cujos preços são formados lá fora. No caso do café, açúcar, grãos, suco de laranja, o preço aumenta quase imediatamente para o produtor, para indústria. A transmissão de um choque cambial para o consumidor, na média, leva três meses. Ou seja, aquela elevação (do dólar) que vimos nas seis semanas de 2024 ainda não foi transmitida de forma integral para os preços da economia, por exemplo, para o pãozinho francês. O motivo é que a indústria alimentícia tem dificuldade de repassar esse choque de forma mais acelerada para o consumidor final. Ainda assim, a safra isolada reduziria os preços dos grãos? Sem dúvida. Mas qual efeito será maior: a alta do dólar ou o efeito da supersafra de grãos? Eu não sei dizer.

Mas o ministro fala do recuo do dólar somado à supersafra para reduzir os preços dos alimentos...

Hoje pela manhã (sexta-feira, 24) o dólar estava em R$ 5,91. Em outubro estava em R$ 5,60. O dólar vai chegar a R$ 5,60? Ainda assim, é um dólar caro. Qual é o ponto de referência? Além disso, esse recuo está acontecendo muito mais por fatores externos. Os nossos fundamentos continuam problemáticos, como a questão fiscal. Hoje saiu o IPCA-15, e a inflação de alimentos algebricamente foi a que mais puxou o índice. Mas o Banco Central está nem aí para a inflação de alimentos. A inflação de alimentos não se espalha para o restante da economia. O que preocupa o BC é a inflação de serviços.

Excluindo os grãos, qual é a situação de oferta de outros produtos agropecuários?

No café, a florada não foi grande coisa, e não vamos ter uma safra tão espetacular assim. No açúcar, está chovendo muito nos canaviais do Estado de São Paulo. Temos canaviais machucados pela seca do ano passado e pelas queimadas. Algo semelhante acontece com os pomares, pegando os cítricos. Nas carnes, a alta de preços não tem tanto a ver com o dólar. A carne subiu porque há demanda aquecida tanto no mercado interno quanto no externo. No mercado interno, por causa do aumento de renda. A preferência do brasileiro é pela carne bovina, pelo bifão. Se houver mais renda, há fila no açougue. No mercado externo, tem uma demanda forte. E dos grandes exportadores de carne, o Brasil é praticamente o único que está conseguindo atender o setor externo. Isso fez com que o preço aumentasse. Por causa da demanda aquecida por carne bovina, o preço da arroba do boi aumentou e subiu o preço do bezerro. Com isso, o pecuarista vai reter as vacas para produção de bezerros. Esses bezerros lá na frente vão virar boi gordo. No curto prazo, vai ter contração na oferta de carne bovina. Isso faz com que o mercado continue operando com preços mais pressionados e não tem dólar que resolva isso.

Do ponto de vista macroeconômico, a afirmação do Haddad é parcial a respeito dos efeitos sobre a inflação?

A safra de grãos é importante, mas não diz respeito a toda a produção de alimentos e o efeito do câmbio é incerto. Quem garante que no final da safra, em junho, o câmbio vai estar em R$ 5,90. Se olhar para as projeções do Focus (Boletim Focus do Banco Central), não é isso e se for olhar para o mercado futuro (de câmbio) também. A afirmação de Haddad é menos técnica. O ministro é um agente político incrivelmente pressionado pelo presidente da República (Luiz Inácio Lula da Silva). A inflação de alimentos, embora não preocupe o BC, ela incomoda o Palácio do Planalto, porque corrói popularidade. Do ponto de vista técnico, é uma afirmação muito frágil e incompleta.

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Na sua avaliação, qual seria a alternativa para reduzir o preço dos alimentos?

Deixa o mercado funcionar. Quantas vezes não vimos o preço do tomate subindo. Se o preço do tomate está em alta, o pessoal vai querer produzir tomate no próximo ciclo. Isso significa que você vai ter preço baratinho o tempo todo? Não. Produtos agropecuários tem preços voláteis: sobem e descem.

Quando o sr. fala em deixar o mercado funcionar, isso leva tempo, porque a oferta não se ajusta do dia para noite e o governo tem necessidade de resolver a questão no curto prazo. Qual é o tempo do mercado e qual o tempo político?

O tempo do mercado é um ciclo biológico. A nova safra de soja só vai entrar no próximo ano, a gestação do bezerro demora nove meses. E do bezerro para virar um boi gordo abatido, 30 meses. É um ciclo biológico, não tem mágica. É normal: preço sobe, preço desce. O problema não está no mercado, mas na popularidade. O governo está preocupado com a sua popularidade. O que está incomodando é o alimento. O que está se tentando é dar uma solução para um problema que não existe. O preço do alimento caiu em 2023, daí o pessoal bateu tambor. Ele subiu em 2024.

E o que poderia ser feito para 2026?

Um programa de seguro rural mais consistente. Estamos passando por um ambiente de mudanças climáticas, quebras de safras têm sido frequentes. Vamos fazer com que a quebra de safra não contamine a capacidade desse produtor fazer o ciclo seguinte. Assim, a quebra de safra acaba sendo pontual, temporária. Seguro não vai reduzir em nada preços em 2025. É só para permitir que o mercado funcione de maneira mais estável.

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A volta política de garantia de preços mínimos seria uma saída?

Não. Existia no passado e não funcionaria hoje. É uma política cara. Hoje o mercado mudou. Quanto de feijão você tem de manter em estoque para conseguir segurar preço? Qual é o custo? Para produtos de larga escala da cesta básica, não faz sentido. E qual é o problema de os alimentos ficarem mais caros? O problema é a popularidade, essa é a raiz (da questão). Já vimos a inflação de alimentos antes. Por que não teve essa gritaria? Porque a popularidade está sendo corroída agora. O problema é político, deixa o mercado funcionar. Em 2023, o governo chegou a cogitar que restringiria as exportações de carne. Esse governo tem soluções curto prazistas para problemas que, de repente, não existem.

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