Economia e políticas públicas

Opinião | A encrenca do preço dos alimentos

Custo da comida é maior diferencial entre inflação brasileira (maior) e americana (menor). E, no Brasil, alta dos alimentos pesa mais na inflação dos pobres.

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Foto do author Fernando Dantas

Há uma forte correlação entre a inflação de alimentos no domicílio e a inflação da baixa renda (no IPCA, a alimentação fora do domicílio é computada como serviços).

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A alimentação no domicílio acumulada em 12 meses saiu de uma mínima de -0,52% (deflação) em outubro de 2023 para 8,22% em dezembro de 2024. Já a inflação acumulada em 12 meses das pessoas com renda muito baixa (renda domiciliar inferior a R$ 2.105,99, a preços de janeiro de 2024), na série do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), saiu de um mínimo de recente de 3,05% em abril de 2024 para 4,91% em dezembro do ano passado.

No mesmo período, a inflação acumulada em 12 meses das pessoas de renda baixa na classificação utilizada pelo IPEA (renda domiciliar de R$ 2.105,99 a R$ 3.158,99) saiu de 3,25% para 5,02%. No acumulado de 12 meses até dezembro de 2024, a inflação dos muito pobres e dos pobres ficou acima daquelas da renda média-alta (entre R$ 10.529,96 e R$ 21.059,92), que foi de 4,8%; e bem acima da inflação das pessoas de renda alta (mais que R$ 21.059,92), que foi de 4,4%.

O economista Gilberto Borça Jr., pesquisador associado do IBRE-FGV, que chama a atenção para essa correlação entre a inflação de alimentos e a inflação da baixa renda, nota que, além do problema climático de 2024, que afetou fortemente a safra agrícola, o câmbio foi um fator decisivo para a alta dos alimentos.

Borça Jr. observa que, em particular, a atualização dos modelos semiestruturais de pequeno porte do Banco Central (BC) no RTI de junho de 2024 mostra que - no caso do modelo de preços livres segmentado - o repasse cambial é muito intenso para os alimentos. Um choque de depreciação cambial de 10% eleva os preços livres de alimentos em 1,39 ponto porcentual (pp) em um horizonte de quatro trimestres. Em comparação, o mesmo exercício para os bens industriais de preço livre mostra um impacto de 0,77pp.

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"Então temos uma espécie de tempestade perfeita, uma vez que o clima jogou contra [contribuiu para a inflação] e o repasse cambial, que costuma ser rápido, é mais intenso na parte de alimentos; isso afeta na veia a popularidade do governo", comenta Borça Jr.

A questão do preço dos alimentos também é abordada em artigo do economista Francisco Pessoa Faria, publicado hoje (11 no Blog do IBRE. Faria apresenta uma harmonização classificatória entre o IPCA brasileiro e o CPI norte-americano. A partir daí, ele constata que o grupo 'alimentação e bebidas' foi o principal responsável pelo diferencial de preços ao consumidor de Brasil e Estados Unidos entre 2012 e 2024.

Nesse período, o item 'alimentação e bebidas' teve alta de 154% no IPCA brasileiro e de 43% no CPI dos Estados Unidos. Em particular, no mesmo período, a 'inflação no domicílio' teve alta de 162% no IPCA e de 33% no CPI. Já o IPCA cheio subiu 109%, e o CPI, 33%, entre 2012 e 2024.

No artigo, Faria se pergunta se, dado que o BC não controla choques de oferta, a intensidade dos movimentos e a volatilidade dos preços dos alimentos no Brasil não deveriam ser levadas em conta ao se determinar a meta de inflação. Por outro lado, ele mesmo ressalva, o comportamento desses preços pode estar ligado a custos de produção e distribuição, "alguns deles suscetíveis à condução da política monetária". Nesse caso, ele tem outro questionamento: "E se for possível identificar a causa do encarecimento absoluto e relativo da alimentação no Brasil, quais medidas (se há alguma) poderiam ser tomadas para reverter tal quadro"?

Seja como for, o preço de alimentos vem sendo, pelo menos na última década, um fator muito importante na inflação brasileira. Faria nota que a única vez em que o IPCA anual ficou praticamente no nível da atual meta de 3% foi em 2017, quando 'alimentação no domicílio' registrou queda de -4,8%. Na verdade, a meta de inflação em 2017 era de 4,5%, com piso de 3%, e, portanto, o IPCA ficou ligeiramente abaixo do piso do intervalo de tolerância naquele ano.

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A questão do preço de alimentos pode suscitar uma discussão sobre a adequação da atual meta de inflação brasileira, mas esse debate em nada mudará o fato de que o custo da comida permanecerá como um ingrediente importantíssimo da popularidade presidencial.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 11/2/2025, terça-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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