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Economia e políticas públicas

Opinião|As commodities e a inflação

Relatório do Banco Mundial aponta que estabilização de preços de matérias primas em nível elevado pode atrapalhar desinflação global. Mas especialista Carlos Thadeu, da Asset 1, pensa que no Brasil, em 2024, pode ser um pouco diferente.

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Foto do author Fernando Dantas

O processo de desinflação nos Estados Unidos e em outras economias, que parecia caminhar bastante bem até o final do ano passado, tornou-se mais problemático recentemente. Uma das possíveis causas, como mostra o documento Panorama dos Mercados de Commodities, do Banco Mundial, divulgado hoje, é a estabilização dos preços das commodities após um período de queda que ajudou a desinflacionar o mundo. O repórter Gabriel Tassi Lara, do Broadcast, reportou algumas das principais conclusões do relatório em notas no início desta manhã.

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De acordo com o documento do Banco Mundial, os preços das commodities mergulharam 40% entre meados de 2022 e meados de 2023, tirando dois pontos porcentuais (pp) da inflação global entre esses dois anos. Mas a maré virou na segunda metade de 2023, e a queda foi estancada. Mesmo que, como o Banco Mundial projeta - na suposição de que as atuais tensões geopolíticas não se agravem -, as matérias primas caiam 3% e 4% em, respectivamente, 2024 e 2025, ainda assim permanecerão num nível 38% acima do prevalecente nos cinco anos anteriores à pandemia.

Segundo Indermit Gill, economista-chefe e vice-presidente sênior do Banco Mundial, "uma força chave para a desinflação - a queda do preço das commodities - essencialmente 'bateu num muro'. Isso significa que as taxas de juros podem permanecer mais altas do que o atualmente esperado neste e no próximo ano".

Gill acrescentou que "o mundo está num momento vulnerável: um grande choque de energia pode minar muito do progresso em reduzir a inflação dos dois últimos anos". As declarações constam do material de divulgação do relatório das matérias-primas do Banco Mundial.

Mas será que as commodities caras representam um risco especificamente para a inflação no Brasil?

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Na visão de Carlos Thadeu Freitas Gomes, economista sênior da gestora Asset 1, o risco é menor do que pode parecer para 2024, mas 2025 é outra história. As suas projeções para o IPCA são de, respectivamente, 3,3% este ano (bem abaixo dos 3,73% do Focus) e 3,7% em 2025, mas podendo subir para próximo de 4%.

Segundo Thadeu, as commodities agrícolas mais importantes para o IPCA são soja e milho, e têm mostrado bom comportamento. No relatório do Banco Mundial, menciona-se queda, no primeiro trimestre de 2024, de 5% da soja. Já o milho recuou 11% no mesmo período.

"Commodities agrícolas que subiram, como o cacau, que quase triplicou este ano por problema pontuais de oferta, e o café, não são centrais para a inflação brasileira,", diz o analista da Asset 1.

Ele acrescenta que os bens industriais não parecem ser problema, com as cadeias mundiais de suprimento bem azeitadas e sem demanda exacerbada por parte dos consumidores. O economista nota que a China está "inundando" o mundo de aço, levando a medidas protecionistas, inclusive no Brasil, que acaba de impor cotas ao produto e uma sobretaxa de 25% se forem excedidas. A superoferta de aço é um fator desinflacionário para veículos, por exemplo.

Já o petróleo, voltando às matérias primas, poderia ser problemático para a inflação brasileira. Como indica o relatório do Banco Mundial, o barril do Brent atingiu o preço de US$ 91 no início de abril, US$ 34 acima da média de 2015 a 2019. Thadeu, no entanto, observa que o preço dos combustíveis no Brasil está "congelado", isto é, mantido num nível mais baixo que a paridade internacional, e não há sinal de que essa postura mude a curto prazo. Assim, na prática, não parece ser uma ameaça ao IPCA de 2024.

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O economista acrescenta que o momento é ruim para os preços de petróleo por causa dos conflitos geopolíticos e a perspectiva do verão no Hemisfério Norte (quando férias aumentam o fluxo de veículos e o consumo de gasolina). Mas adiante no ano, porém, esses fatores podem refluir, assim como pode haver alguma apreciação do real.

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Essa valorização está ligada a melhoras na parte da inflação que Thadeu vê como "a maior dúvida e o maior incômodo", que é a de serviços. É justamente a interação entre inflação de serviços e mercado de trabalho aquecido que piorou as expectativas inflacionárias nos Estados Unidos, se refletindo na alta dos juros (com adiamento e rebaixamento das expectativas do ciclo de cortes da taxa básica, os Fed Funds, no país). Isso fortalece o dólar, contribuindo para a depreciação recente do real no Brasil, na esteira de certa deterioração do risco percebido, o que não ajuda no front inflacionário.

Finalmente, Thadeu nota que o ouro é uma commodity em alta que tem peso significativo em índices de matérias primas. Mas a valorização do ouro é muito mais consequência, como hedge, da alta da inflação do que causa.

Processando esses diversos fatores, o economista mantém seu otimismo para a inflação de 2024, mas vê uma "não linearidade" entre esta e a inflação de 2025. O problema é a chegada do fenômeno La Niña, que pode provocar rupturas na oferta de grãos, especialmente nos Estados Unidos. No Brasil, Thadeu chama atenção para o fim próximo de um ciclo de abate de fêmeas na pecuária.

Ele nota, finalmente, que os movimentos inversos típicos (até passado recente) das commodities e do dólar não estão ocorrendo agora (matérias-primas em alta e real desvalorizado). Thadeu, contudo, crê que aquele padrão ainda possa retornar quando a inflação de serviços mostrar recuo nos Estados Unidos, o que tirará pressão dos juros e da tendência altista do dólar.

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Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras.

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast, excepcionalmente, na quinta-feira, 25/4, e não na quarta-feira (fojdantas@gmail.com)

Opinião por Fernando Dantas
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