Esse exercício de projeção foi elaborado pelo economista Gabriel Leal de Barros, especialista em contas públicas do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio. São previsões que confirmam os recentes temores do mercado em relação à trajetória da dívida brasileira e ao futuro das condições de solvência do País. Basicamente, os números mostram que o Brasil voltou à fase de superávits primários insuficientes para estabilizar a dívida líquida.
Em todos os cenários, a evolução da taxa nominal de juros implícita da dívida pública é a mesma, com a suposição de que a Selic (a taxa básica) suba até 12% em 2015, e depois caia gradualmente ano a ano. Assim, a taxa nominal implícita sai de 15,5% em 2013 para 15,6% em 2019, com um pico de 16,8% em 2015. Barros partiu da constatação de que, nos últimos dez anos, a taxa implícita subiu 63% da elevação da Selic, quando esta estava em alta, e caiu 34% da queda da Selic, nas fases de redução da taxa básica.
A taxa implícita real de juros, porém, varia nos três cenários, de acordo com a inflação. Assim, o cenário otimista tem taxa de juros reais até um pouco maiores por causa da melhor previsão de inflação, que volta ao centro da meta (4,5%) em 2017 e lá permanece até 2019. No cenário de referência (o mais provável, segundo Barros), a inflação só chega a 4,5% em 2019. No pessimista, ela ainda está em 5% em 2019.
A taxa real de juros implícita da dívida pública acaba não variando muito nos três cenários. Ela começa em 9% em 2013, sobe para um máximo entre 10,4% e 11,2% entre 2015 e 2017, e cai para a faixa entre 10,1% e 10,6% em 2019.
Em termos de crescimento, os três cenários tem 2,51% para 2013. A partir daí, no cenário de referência, a expansão do PIB cai para 1,82% em 2014 e sobe até 2,8% em 2016, onde permanece até 2019. No cenário otimista, o PIB cresce 2,1% no próximo ano, e acelera para 3% em 2016, mantendo esse ritmo até o fim do período. No cenário pessimista, há uma freada para 1,5% em 2014, seguida de uma recuperação até 2% em 2016, número que se repete até 2019.
Nos três cenários, o superávit primário projetado para 2013 é de 1,8% do PIB, considerando as receitas não-recorrentes mas descontando os "abatimentos da meta" usados pelo governo federal. Em 2013, o superávit primário em função do "esforço fiscal" (que exclui as receitas não-recorrentes) é de 0,8%, com mais 1% do PIB de receitas não-recorrentes. Para 2014, o cenário de referência tem um primário de 1%, composto por 0,6% de esforço fiscal e 0,4% de receitas não-recorrentes.
No cenário de referência, o primário sobe para 2% do PIB em 2015 e aí permanece até 2019. No cenário otimista, registra 1,5% em 2014, sobe para 2,3% em 2015, e também fica neste nível até o fim do período considerado. No cenário pessimista, cai para 0,8% no ano que vem, e depois vai para 1,8% em 2015 e aí se mantém até 2019.
A parte mais importante do trabalho de Barros, porém, é a que mostra quanto teria de ser o superávit primário para que a dívida líquida não subisse, a cada ano, em cada cenário.
Em 2013, este primário "estabilizador" é de 2,3% do PIB nos três cenários. No cenário de referência, ele sobe para 2,7% em 2014 e 3,1% em 2015, e oscila em torno de 3% até 2019, quando registra 3,2%. O cenário otimista não é muito diferente: o primário estabilizador sobe até 3% em 2015, e oscila nesta faixa até 2019, quando fica no mesmo valor. Já no cenário pessimista, o primário estabilizador já chega a 3,2% em 2015, e termina em 3,5% em 2019.
Barros nota que, em qualquer cenário, o superávit estabilizador da dívida pública vai para o nível de 3% do PIB ou mais, que é o patamar que vigorou entre 1999 e 2008. O problema, porém, é que, após a reação anticíclica à crise global de 2008 e 2009, quando o primário efetivo (sem abatimento de meta) cai para 2%, a política fiscal distanciou-se muito do nível de 3%. Hoje, não há nenhuma indicação de que exista vontade política, ou mesmo os instrumentos institucionais, para reeditar a política de superávits primários de 1999 a 2008. Não é à toa, portanto, que a preocupação com a solvência do Brasil retornou aos mercados: ela vem na esteira da percepção de que a dívida líquida vai aumentar, e que não parece haver no horizonte sinais de que se tentará estabilizá-la.
Mudanças nas receitas e despesas
"Os números podem mudar um pouco, porque isso é um exercício de projeção, mas o importante é mostrar a direção - o relaxamento fiscal dos últimos quatro a cinco anos foi tão grande que recolocou a solvência no radar dos investidores, uma questão que antes estava praticamente equacionada", diz Barros.
Ele nota que as agências de rating estão fazendo contas parecidas com a dele, e que o governo deveria fazer um esforço para voltar aos superávits de 3% do PIB, o que hoje não é nada fácil. Segundo o pesquisador, seriam necessárias mudanças pelo lado das receitas, com o fim de uma série de desonerações, e, no lado da despesa, questões como a regra do seguro desemprego e a sistemática de aumentos reais do salário mínimo teriam de ser revistas.
Notando que em parte da fase de altos superávits primários, de 2004 a 2008, houve a contribuição de um crescimento econômico mais robusto, Barros que a situação pode ficar mais alarmante se o desempenho do PIB nos próximos anos for ainda pior do que o do cenário pessimista. Neste caso, o superávit estabilizador poderia se aproximar de 4% do PIB, um nível acima da média do registrado no período de estabilização. "Isso geraria uma percepção de risco enorme, que seria penalizada pelo mercado,", ele diz.
Fernando Dantas é jornalista da Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Este artigo foi publicado ontem na AE-News/Broadcast
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.