O desempenho da economia global no primeiro ano do governo Lula segue bastante nebuloso, com desafios bastante diversos nos seus principais motores, o que torna a resultante mais difícil de prever.
Nos Estados Unidos, as dúvidas sobre a suavidade ou não do pouso da economia prosseguem. Como nota o economista José Júlio Senna em artigo publicado na quinta-feira (16/2) pelo Blog do Ibre ("Faz realmente sentido falar em aperto monetário sincronizado?"), "de maneira simplificada, pode-se dizer que a inflação plena [dos EUA] roda no momento a um ritmo anual próximo de 2,0%, a inflação nuclear em torno de 3,0%/3,5%, a inflação de bens é negativa, mas a inflação de serviços situa-se perto de 5,0%, ou um pouco mais". Ele utiliza móveis médias trimestrais.
Outro dado (este não consta do artigo de Senna) é de que a média móvel trimestral anualizada e dessazonalizada dos serviços exclusive energia até janeiro nos Estados Unidos chegou a 6,8%.
Ou seja, a fotografia do índice cheio pode ser boa, mas é enganosa, porque a inflação de serviços, mais ligada à demanda e aos salários, permanece elevada. E o recuo do preços dos bens não tem como ser permanente, devendo em breve se transformar num ritmo inflacionário normal.
Nesse cenário, o mercado está mais otimista que o Fed, em termos de projeção da trajetória futura das taxas de juros, e o Fed está mais otimista do que analistas mais conservadores. A novidade recente é que, como nota Senna, "as apostas de mercado finalmente se ajustaram para cima, e passaram a seguir mais de perto as sinalizações oficiais".
Ainda assim, prossegue numa corrente de analistas a sensação de que o mercado precifica uma convergência da inflação norte-americana de volta para a meta de 2% com um custo demasiadamente pequeno em termos de atividade econômica e emprego. As apostas ainda estão em aberto.
Em seu artigo, Senna mostra que o atual episódio inflacionário e o ciclo monetário dele decorrente são bem diferentes na zona do euro, comparados ao que ocorre nos Estados Unidos. Na zona do euro, a parcela da inflação devida aos choques de alimentos e de energia é muito superior à dos Estados Unidos. Isso, por sua vez, faz com que o aperto monetário recomendado na zona do euro seja significativamente menor do que nos EUA, segundo Philip Lane, economista-chefe do Banco Central Europeu (BCE).
Na verdade, aponta Senna, o juro real nos Estados Unidos é positivo e está em terreno contracionista, mas o mesmo não ocorre nos dois outros grandes centros da economia do mundo avançado, a zona do euro e o Japão.
Já a China, segundo recente relatório do JP Morgan Asset Management , está sendo reimpulsionada por quatro fatores: apoio adicional do governo para o problemático setor residencial, relaxamento de novas regulações sobre o setor de tecnologia, melhora na relação com o resto do mundo e, principalmente, o fim da política de Covid zero. Segundo a instituição, "o boom da reabertura pós-Covid já está acontecendo e é veloz". Todos esses movimentos seriam consequência de uma virada das lideranças chinesas numa direção mais pragmática e voltada ao crescimento econômico.
De acordo com a revisão de janeiro das projeções do FMI, o mundo deve crescer 2,9% este ano, desacelerando dos 3,4% de 2022. Em 2023, a projeção do Fundo é de que os Estados Unidos cresçam 1,4%; a zona do euro, 0,7%; o Japão, 1,8%; e a China, 5,2%.
A análise mais detalhada, porém, indica que há muita incerteza sobre esses prognósticos e que surpresas, negativas ou positivas, podem ocorrer. Para as autoridades econômicas brasileiras, o ideal seria se preparar para o pior, e torcer pelo melhor.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 16/2/2023, quinta-feira.