Economia e políticas públicas

Opinião | Fiscal não mudou, mas dólar caiu: mercado errou?

Recente valorização do real veio nas asas de redução do medo da guerra comercial de Trump, principalmente, mas também de alguma melhora de percepção interna, sobre a qual economistas têm diversas visões.

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Foto do author Fernando Dantas

O dólar saiu de R$ 5,75 em 18 de novembro para R$ 6,27 em 18 de dezembro, levando o Banco Central (BC) a fazer uma intervenção maciça no mercado cambial, que superou US$ 20 bilhões em vendas à vista de dólares e US$ 10 bilhões em leilões de linha. Durante o conturbado final do ano passado, analistas do mercado insistentemente cobraram do governo ações mais decisivas na área fiscal, vista como a maior fragilidade do País, e uma das causas principais do tamanho da desvalorização do real.

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Agora, porém, cerca de um mês e meio após aqueles dias de quase pânico, o câmbio voltou para R$ 5,76, sem que nada de significativamente novo tenha ocorrido na área fiscal. Dessa forma, observadores, especialmente da arena política, mais uma vez apontam o que seriam as falsas narrativas da "Faria Lima". Afinal, não era o fiscal a causa da megadesvalorização do final do ano?

Essas críticas ao mercado têm também as suas fragilidades. O real ainda está muito desvalorizado para o padrão de 2023 e da maior parte de 2024. O nível mais desvalorizado atingido no governo Lula até maio do ano passado foi de R$ 5,27, em março de 2023. O câmbio chegou a cair a um mínimo de R$ 4,73 em julho de 2023. E a revalorização recente veio na esteira da enorme intervenção no mercado cambial, que reduziu de forma relevante as reservas internacionais e a posição cambial líquida do BC. Isto é, houve um custo.

Na verdade, as idas e vindas do câmbio respondem a uma interação complexa entre fatores externos e domésticos cujo resultado escapa às explicações simplistas.

Carlos Kawall, sócio-fundador da gestora Oriz Partners, diz que não antecipou o "banho de sangue" de dezembro - que, na seara externa, foi impulsionado pela alta do dólar, por sua vez causada pela combinação de piora da percepção sobre o cenário inflacionário nos Estados Unidos (com o consequente efeito na política monetária e nos juros) e o temor de uma guerra comercial catastrófica com a posse de Trump.

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Agora, porém, há claro sinais de que essas tensões arrefeceram e ressurgiu algum apetite de risco nos mercados globais. Kawall nota que o rendimento do título de dez anos do Tesouro norte-americano, grande referencial para os mercados mundiais, recuou de quase 4,8% em meados de janeiro para ligeiramente acima de 4,4%.

No Brasil, o economista vê uma disputa de interpretações sobre a projetada desaceleração da economia brasileira. Curiosamente, a corrente relativamente mais otimista é justamente a que já vê alguns sinais mais consistentes de resfriamento, que seriam efeito do aperto monetário já em curso. Nessa visão, o pico do atual ciclo de alta da Selic ficaria mais perto de 15% do que de 16%, a economia poderia crescer em torno de 2% este ano (um desempenho ainda bom no primeiro semestre, e pior no segundo), a inflação seria muito alta, mas já poderia melhorar em 2026. É, de certa forma, um pouso suave. A influência nos mercados dessa interpretação poderia estar sendo um fator doméstico favorável, com repercussões no risco e no câmbio, para Kawall.

Ele, particularmente, é mais cauteloso. "Os sinais atividade sugerem alguma desaceleração, mas nada que se possa dizer que estamos a caminho de uma tendência que vai reequilibrar inflação, que permita que o BC eleve os juros dentro do programado", diz Kawall.

O gestor diz que de fato há sinais de desaquecimento, com bancos mais retraídos na oferta de crédito e mercados de capitais mais parados. Por outro lado, a safra vem forte, com alta grande da renda agrícola, e o aumento real do salário mínimo é outro estímulo à economia. Também há aquecimento de investimento em concessões, o que no curto prazo é mais gás na demanda. Já a prometida isenção do IR até R$ 5 mil, para valer em 2026, deve entrar no radar da política monetária em mais alguns meses.

No lado fiscal, segundo o economista, o pequeno e decepcionante ganho do pacote de novembro deve ser erodido por inclusão no orçamento de programas que estavam fora, como o Pé-de-Meia e o auxílio-gás.

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Por outro lado, em termos de fluxos cambiais financeiros, depois de saídas recorde em dezembro, voltou a haver saídas líquidas fortes em janeiro, e a melhora no câmbio se deu pelo lado de posicionamentos em derivativos.

Finalmente, Kawall vê um quadro nos Estados Unidos ainda bastante complexo, tanto em termos do que Trump pode vir a fazer quanto no front de inflação e política monetária.

Assim, o analista se preocupa com uma leitura política do governo de que dezembro foi um evento ligado à suposta histeria de mercado, e que agora tudo está bem encaminhado. Para ele, a atual calmaria deveria ser, ao contrário, uma oportunidade de o governo reforçar os fundamentos, especialmente fiscais, caso o cenário externo volte a azedar.

Samuel Pessoa, economista chefe do Julius Baer Family Office (FBFO) e pesquisador associado do IBRE-FGV, vem há alguns anos trabalhando (junto com seu colega no IBRE, Livio Ribeiro) em um modelo que tenta discriminar fatores internos e externos na evolução do câmbio.

Em relação à valorização do real em janeiro, o modelo aponta que aproximadamente ¾ se deveram a fatores internacionais e ¼ a fatores domésticos.

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Pessoa considera fácil de decifrar o que está por trás do fator externo: "É o Trump usando tarifa como instrumento de negociação, e não elevando as tarifas para valer como ele disse que ia fazer". A referência, claro, é ao mês dado pelo presidente norte-americano para negociar com México e Canadá antes de impor a tarifa de 25%, e a tarifa de 10% (e não os 60% da campanha) imposta à China.

Já o aproximadamente ¼ da valorização do real em janeiro atribuído pelo modelo a fatores domésticos é um pouco mais difícil de entender, para Pessoa. Ele suspeita que pode se dever a piora de Lula nas pesquisas de avaliação de governo (que ele diz serem mais importantes a essa distância da eleição do que a pesquisa de voto, que ainda dá vitória a Lula) e a possibilidade de Lula não vir a ser candidato. Nesse caso, o mercado avaliaria que outro presidente, que não Lula, a partir de 2026 seria melhor para a economia e para os mercados.

Pessoa frisa que, independentemente do que ele pensa, não se trata aqui de uma opinião pessoal, mas sim da sua interpretação sobre como a corrente majoritária do mercado vê a possibilidade de um quarto mandato de Lula.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Excepcionalmente, esta coluna foi publicada pelo Broadcast numa quinta-feira (06/02/2025).

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Opinião por Fernando Dantas
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