Economia e políticas públicas

Opinião | Guinar para a esquerda ou para o centro, eis a questão

Marqueteiro de várias campanhas vitoriosas de Lula e do PT, João Santana vê presidente em situação desfavorável e recomenda guinada à esquerda. Cientista político Octavio Amorim Neto vê alguns aspectos lógicos no conselho, mas discorda.

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Foto do author Fernando Dantas

Diante da popularidade baixa e em queda a pouco mais de um ano e meio da eleição presidencial, é natural que Lula e seus estrategistas políticos pensem em mudanças. E um dilema que surge imediatamente em um governo de centro-esquerda é: se for para mudar, o governo deve ir mais para o centro ou mais para a esquerda?

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A nomeação de Gleisi Hoffmann para ministra da Secretaria de Relações Institucionais (SRI) sugere que Lula pensa em pender um pouco mais para a esquerda. É verdade que Hoffmann vem sendo elogiada pelo Centrão como negociadora confiável, e que parece ter deixado de lado por ora a postura de crítica implacável da atuação do Banco Central e do que vê como concessões à ortodoxia liberal por parte do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ainda assim, ideologia não se muda da noite para o dia, e a escolha de Lula permanece como um sinal de virada (ainda que contida) à esquerda.

Em entrevista esta semana ao jornal O Globo, o marqueteiro João Santana, que trabalhou para Lula e o PT em três vitoriosas campanhas presidenciais (2006, 2010 e 2014) disse "não ter a menor dúvida" de que o atual presidente deve dar uma guinada à esquerda, tendo em vista a eleição de 2026.

Santana vê Lula numa situação muito difícil, pior que a de 2005 (ano do mensalão), em função de redes sociais disruptivas, crescimento dos evangélicos, protagonismo do Centrão e situação mundial. Diante da "direita selvagem e antidemocrática", Santana considera que a esquerda não deve buscar o equilíbrio no "centro amorfo", mas sim "partir para alguns enfrentamentos". O marqueteiro cita a escala 6X1 como exemplo, tema em que enxerga timidez do governo por temor das "reações de corporações".

O cientista político Octavio Amorim Neto, da EBAPE-FGV, discorda de Santana, mas ainda assim reconhece alguns alicerces sólidos na recomendação de guinada à esquerda.

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O pesquisador nota que, no Brasil, com o poder do incumbente, isto é, de quem está no governo, de tomar medidas favoráveis à sua própria candidatura (ou do seu candidato, caso não concorra) e com a forte polarização, uma campanha de Lula marcadamente à esquerda com certeza colocaria o atual presidente no segundo turno.

Ele observa que Bolsonaro, com um governo pleno de problemas, tomou uma série de medidas eleitoreiras em 2021 e 2022 (de barateamento de combustíveis à farra nos critérios de concessão do Auxílio Brasil) e quase se saiu vitorioso no segundo turno das últimas eleições presidenciais, perdendo por margem muito pequena.

Segundo Amorim Neto, outro potencial fator favorável à esquerda em 2026 é a radicalização de Donald Trump em seu segundo mandato. Os ataques do presidente norte-americano a países aliados está dando um impulso à popularidade dos governantes dessas nações agredidas. No caso do Canadá, o partido liberal, de centro-esquerda, que já se dava como derrotado na próxima eleição parlamentar nacional de definição de primeiro-ministro, teve uma impressionante recuperação nas pesquisas depois que reagiu à altura à agressão trumpista. Colaborou também o fato de os conservadores terem mostrado alguma simpatia a Trump no passado.

No Brasil em 2026, a forma injuriosa como o governo Trump trata imigrantes brasileiros ilegais deportados ou a declaração antipática do presidente norte-americano de que os Estados Unidos precisam muito menos do Brasil do que vice-versa podem ser munição contra a direita, na visão do cientista político da EBAPE.

Adicionalmente, há as incertezas econômicas e geopolíticas pelas decisões radicais e erráticas de Trump, e a insistência em instrumentos (como tarifas) que quase todos os economistas consideram que podem ser desastrosos e um tiro no pé dos próprios Estados Unidos. Já se fala em possível recessão na economia americana e não é trivial o risco de que a "trumponomics" dê muito errado e jogue a nação mais poderosa do mundo numa maré econômica muito negativa. Se isso ocorrer, a popularidade do presidente dos EUA, que já dá sinais bastante ruins, pode desabar. Como maior símbolo mundial da direita populista, a eventual debacle de Trump seria um prato cheio para a esquerda no Brasil explorar contra seus adversários em 2026.

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Sociais-liberais - Mesmo apontando todos esses argumentos em prol de uma virada à esquerda de Lula, Amorim Neto não concorda com a recomendação, porque um fator fundamental, a seu ver, ficou faltando na equação eleitoral: o posicionamento do que ele chama de eleitorado "social-liberal".

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Os sociais-liberais, eleitorado centrista por excelência, prezam a democracia, a estabilidade macroeconômica, o combate consistente à inflação e, na esfera internacional, têm algumas preferência claras e a que dão muita importância: o principal exemplo é o rechaço à Venezuela ditatorial de Maduro. Por outro lado, dão muita importância ao meio-ambiente e ao combate à mudança climática, são firmes no apoio a grupos tradicionalmente discriminados e/ou minoritários, como negros, mulheres e LGBTs etc., preferem o Estado laico etc.

Amorim Neto nota que os sociais-liberais representam uma parte muito pequena do eleitorado, que poderia ser aproximadamente identificada com os eleitores de Simone Tebet (4,2% dos votos válidos no primeiro turno de 2022). A questão é que, diante da margem apertadíssima, de menos de 2%, da vitória de Lula no segundo turno da última eleição presidencial, a migração dos votos dos sociais-liberais provavelmente foi um fator decisivo.

Tebet, atual ministra do Planejamento, apoiou Lula no segundo turno. Não há informação confiável sobre a transferência dos eleitores da emedebista para Lula no segundo turno de 2022, mas tudo indica que foi suficiente para compor a vitória extremamente apertada do atual presidente.

Para Amorim Neto, dado que a polarização e a divisão do País permanecem, é bastante provável que o segundo turno de 2026 (supondo que ocorra, o que é ainda mais provável) seja muito acirrado e decidido por margem mínima. Nesse caso, o voto dos sociais-liberais será novamente decisivo, e uma forte guinada à esquerda de Lula na segunda metade do seu mandato pode afugentar essa parcela do eleitorado. A coluna acrescenta que essa hipótese se reforça no caso da candidatura de Tarcísio de Freitas, visto como mais moderado do que Bolsonaro, a quem permanece aliado.

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Prudência - O cientista político da EBAPE prefere a aproximação de Lula ao centro, em vez de à esquerda, também por uma questão de "prudência". Além do risco em relação ao eleitorado social-liberal, Amorim Neto aponta que não se pode descartar que Trump de uma forma ou de outra consiga manter prestígio e um nível razoável de popularidade até o final do ano que vem. Neste caso, o "sucesso" do populista de direita americano poderia ser um ativo contra a esquerda no Brasil. Evidentemente, pelo que se enxerga hoje, essa é a hipótese menos provável, mas dadas as incertezas que sempre rondam a economia e a política - e ainda mais em tempos conturbados como os atuais -, não é algo que possa ser descartado taxativamente a priori.

Finalmente, a coluna acrescenta que, na aparente sinalização de Lula ao escolher Hoffman e nas recomendações de Santana, não parece ter sido considerado o risco econômico. No ambiente instável e volátil da economia internacional, exacerbado pelo trumpismo, uma guinada à esquerda de Lula pode provocar forte reação nos mercados. E, digam o que disserem os ideólogos do PT e alguns economistas heterodoxos, dólar e juros em disparada e mais inflação são definitivamente fatores eleitoralmente prejudiciais aos incumbentes. Mais uma razão pela qual derivar para o centro parece ser uma ideia melhor a esta altura do campeonato do que a guinada à esquerda.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 14/4/2025, sexta-feira.

 

 

Opinião por Fernando Dantas
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