A conclusão em 12/9, quinta-feira, da votação pela Câmara do projeto de lei (PL) com compensações para a manutenção da desoneração da folha de pagamentos de 17 setores premia o empenho do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em resolver esse problema superespinhoso. Com o acordo, além de prever medidas para contrabalançar esse gasto não orçado em 2024, fica determinado o fim gradual de um custoso benefício "temporário" criado no primeiro governo de Dilma Rousseff, e que, desde lá, nenhum governo conseguiu extinguir.
A visão é do economista Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do IBRE-FGV. O pesquisador teve passagens pelo governo federal como coordenador de política fiscal na SPE da Fazenda e chefe da assessoria econômica do Planejamento.
O PL aprovado prevê a reoneração gradual da folha dos 17 setores, iniciando-se em 2025 e completando-se em 2027. As medidas compensatórias devem em tese cobrir R$ 26 bilhões do custo da manutenção da desoneração da folha este ano, o que não consta do Orçamento, mas foi aprovado pelo Congresso.
As medidas compensatórias são renegociação de multas cobradas pelas agências reguladoras, IR sobre recursos não (ou indevidamente) declarados no exterior ou no Brasil, IR sobre atualização de valor de imóveis de pessoas e empresas, pente fino no INSS, simplificação da transferência de depósitos judiciais para o Tesouro e resgate de depósitos judiciais esquecidos.
Pires recorda que o Congresso renovou e ampliou a desoneração da folha (incluindo pequenos municípios) que estava prevista para acabar no final de 2023. A desoneração é o típico programa "temporário" que tende no Brasil a se eternizar ou se tornar muito duradouro. Iniciado em caráter temporário no primeiro governo de Dilma Rousseff, a desoneração foi sendo renovada sucessivamente, com alterações nos setores envolvidos. A pressão dos grupos empresariais beneficiados junto ao Congresso tornou extremamente difícil descontinuar o programa.
Pires nota que Haddad conseguiu esse fim gradual da desoneração (que também vai colaborar com o fiscal crescentemente já a partir do ano que vem) no meio do ciclo político, o que foi uma estratégia inteligente. Normalmente, o Executivo tentava a acabar com a desoneração no fim de um ciclo eleitoral, e o novo Legislativo tendia a não reconhecer o acordo e renovava a desoneração, como ocorreu em 2024. Agora, o Congresso que vai validar e confirmar o acordo é o mesmo que o aprovou. A validação se dará após uma decisão política do Legislativo tomada poucos meses antes.
Pires considera que Haddad comprou essa briga até conseguir uma solução, que envolveu a judicialização. A questão chegou ao Supremo, que determinou que, em razão da necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a perda não orçada de receita da desoneração em 2024 teria que ser contrabalançada por medidas que compensassem financeiramente a União.
Pires considera que levar a questão ao Supremo foi uma atitude contundente do governo, por iniciativa de Haddad. A liminar concedida pelo ministro Cristiano Zanin em abril (e confirmada pela maioria do STF em junho), suspendendo a desoneração por descumprir a LRF, reforçou a posição do Executivo na negociação que se seguiu.
Para o economista, a solução do imbróglio reforçou a LRF, algo que pode ser creditado a Haddad.
"Espera-se que o Congresso tenha atenção a essa questão daqui em diante, no sentido de disciplinar as desonerações e de mostrar maior respeito LRF", diz o especialista em contas públicas.
Um segundo ponto positivo do PL, na visão de Pires, é que ele faz com que o governo se aproxime bastante do cumprimento da meta de resultado primário em 2024, usando a banda inferior, isto é, -0,25% do PIB.
"As medidas compensatórias têm potencial de frustração em relação aos R$ 26 bilhões, mas mesmo que fiquem no intervalo de R$ 10-15 bilhões, já têm potencial de fazer a diferença para se alcançar a meta", ele avalia.
Finalmente, claro, pelo lado positivo, há o ganho fiscal do fim gradual da desoneração.
Mas nem tudo são flores no acordo entre o Executivo e o Legislativo, ressalta Pires. Ele nota que, paradoxalmente, apesar de toda a estratégia de reforço da LRF embutida no acordo, nenhuma das medidas compensatórias se encaixa na determinação da própria LRF para se compensar renúncia de receita não prevista no Orçamento. Neste caso, a compensação tem que ser pelo aumento de impostos, seja via alíquota, seja via base de tributação, o que não é o caso de nenhuma das medidas compensatórias.
Outro problema, que já envolveu até manifestação do Banco Central, é que o resgate de depósitos judiciais esquecidos é ajuste patrimonial, e não receita primária. Parece já haver um acerto em andamento para satisfazer a questão levantada pelo BC, mas Pires alerta que qualquer "forçada de barra" nesse tema pode ser prejudicial para a credibilidade das estatísticas fiscais.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 13/9/2024, sexta-feira.
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