Recentíssima apresentação de Olivier Blanchard, ex-economista chefe do FMI e renomado acadêmico, traz análise sobre a relevante questão da trajetória dos juros no mundo avançado.
A apresentação trata da tendência dos juros, da sustentabilidade da dívida pública e de qual seria a política fiscal ótima atualmente (o foco são os países ricos).
Do ponto de vista do Brasil, entretanto, a questão da tendência dos juros internacionais é a mais importante, já que o ambiente atual de baixas taxas e grande liquidez é muito mais complacente em relação à fragilidade fiscal brasileira - o que compra tempo para o ajuste sem que uma crise mais séria provoque um ajustamento forçado, com todas suas consequências negativas em termos socioeconômicos.
A análise de Blanchard, nesse sentido, é relativamente reconfortante para o Brasil do ponto de vista conjuntural, mas não tanto para os países ricos.
Ele aponta dois fenômenos das últimas décadas no mundo desenvolvido, e ressalta que são problemas distintos.
Um deles é aquilo que se convencionou denominar como "estagnação secular", que pode ser sintetiza no fato de que taxa de juros real neutra, consistente com o produto em seu nível potencial, é menor que o crescimento do PIB.
O outro está associado ao chamado "Zero Lower Bound", ou limite inferior do zero. Trata-se do fato de que as taxas de juros nominais não podem ir para muito abaixo de zero, a não ser em níveis bem pequenos (que vêm ocorrendo em determinados títulos em países desenvolvidos recentemente).
O ZLB implica que, se uma economia estiver operando muito abaixo do seu potencial, e com taxa de juro nominal perto de zero, o banco central não tem muita margem de manobra para estimulá-la da forma convencional, isto é, promovendo reduções dos juros.
Para Blanchard, esses dois fenômenos mudam a forma de se pensar na política fiscal (tema no qual vem trabalhando, e sobre o qual vai publicar um livro) e monetária.
Na apresentação, ele se pergunta se "vamos encarar tanto estagnação secular quanto o zero lower bound durante muitos anos e talvez para sempre?".
A resposta de Blanchard é "sim, acho que vamos ter esses dois constrangimentos por bastante tempo".
O economista exibe três gráficos sobre a queda dos juros reais ao longo do tempo. O primeiro, de 1985 a 2020, que mostra uma queda expressiva (para Estados Unidos, zona do euro e Japão) nas últimas décadas, é considerado enganador por Blanchard.
A causa fica clara no segundo gráfico, que vai de 1950 a 2020. As décadas de 70 e 80 tiveram um comportamento muito atípico em termos de juros reais (no caso, nos Estados Unidos). Primeiro eles caem forte em relação ao padrão anterior e depois disparam para conter a alta inflação dos anos 1970.
Dessa forma, o ponto de partida do primeiro gráfico, 1985, registra um juro anormalmente alto e desenha uma tendência de queda exagerada a partir daí, se comparado como gráfico que começa em 1950. De todo modo, a tendência de queda do juro real também está lá, ainda que mais suave. O juro médio de 1950 a 1970 é superior ao do período de 1990 a 2020.
Mais fascinante é o terceiro gráfico, da taxa de juros real "segura" (o custo capital para o "soberano", isto é, governante de uma jurisdição política, e teoricamente o tomador de recurso mais seguro para o emprestador) de 1300 até a década atual, elaborado por Paul Schmelzing, economista da universidade Harvard.
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O gráfico, como se vê acima, mostra uma indiscutível tendência suprassecular de queda da taxa de juro real global.
Blanchard aponta como possíveis razões para essa tendência o fato de que a taxa de poupança se eleva à medida que aumenta o nível de renda, o que não é seguido na mesma magnitude pelos investimentos; e o aumento da liquidez dos ativos seguros, como títulos do governo, que dá a possibilidade de reaver o dinheiro a qualquer momento (reduzindo o prêmio exigido pelos investidores para carregar esses papéis).
O economista francês vê riscos de "bumps" (repiques de inflação e juros no caminho), e cita inclusive a sua crítica aos pacotes fiscais de Biden, que lhes parecem exagerados em termos de magnitude e levando a risco de superaquecimento e pressõesinflacionárias. Mas esses serão eventos temporários, e o mundo, ao menos o avançado, voltará à estagnação secular e aos baixos juros.
Em seguida, Blanchard faz uma análise detalhada e sofisticada sobre limites de endividamento e alternativas de política fiscal para os países ricos.
Do ponto de vista do Brasil, entretanto, fica a constatação que, afora um repique de alta de juros que pode balançar o barco nos próximo anos por causa do Bidenomics, o cenário mais de médio e longo prazo continua sendo um com juros globais baixos (e cadentes) e muita liquidez.
O que é uma boa notícia em termos de solvência pública brasileira, mas nem tanto em termos de crescimento econômico.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fernando.dantas@estadao.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 4/6/2021, sexta-feira.
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