Economia e políticas públicas

Opinião | Levando a sério a hesitação de Lula em se recandidatar

Economista Andrei Spacov (gestora Exploritas) considera que falas recente em que Lula lança dúvidas sobre se recandidatar em 2026 se juntam a outros fatores, como maior estabilização do câmbio e da curva de juros com guidance firme de alta de juros pelo BC, criando um cenário de possível "reação dos mercados locais".

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Foto do author Fernando Dantas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva andou falando da possibilidade de não concorrer em 2026, associada a problemas médicos que teve recentemente. Em uma das últimas reuniões ministeriais, segundo relatos na imprensa, ele não só mencionou essa possibilidade como opinou que talvez os democratas pudessem ter ganhado a última eleição presidencial norte-americana se Joe Biden não tivesse demorado tanto a desistir, em função de seguidos sinais graves de senilidade.

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Muitos analistas não dão a menor importância a essas falas de Lula, convictos de que não há a menor chance de que ele não seja candidato (salvo o surgimento, como fato novo, de um grande impedimento, como um problema de saúde que realmente o impeça de exercer o cargo). E, efetivamente, para o PT e a maioria das forças de esquerda no Brasil, Lula é imprescindível para a missão de derrotar novamente em 2026 a direita revigorada pelo bolsonarismo (mesmo que o ex-presidente não concorra).

O economista Andrei Spacov, no entanto, está levando a sério as declarações de Lula sobre a possibilidade de não concorrer em 2026. Na sua conta na rede X, Spacov, sócio e economista-chefe da gestora Exploritas, considera como um evento relevante "Lula dizer para os ministros que não quer cometer o erro de Biden".

No mesmo comentário, o economista diz que Lula colocar dúvidas sobre sua recandidatura é inesperado, e pode antecipar uma campanha eleitoral que normalmente só entraria no foco mais forte do mercado no segundo semestre deste ano.

A esta coluna, Spacov acrescenta que, além da questão da saúde, os problemas com a popularidade (bem ilustrados pelo emblemático episódio recente da volta atrás na portaria do Pix) podem de fato estar fazendo com que o presidente avalie a possibilidade de não se recandidatar.

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O analista raciocina que, ao contrário do governador de São Paulo, Tarcísio Freitas, os incentivos de Lula como incumbente não parecem incluir a postura de esconder a sua candidatura até o limite do possível, muito pelo contrário. A firmeza de Lula como candidato é importante para se formar uma coalizão forte para a próxima eleição, e evitar que "a turma toda pule do barco".

Por outro lado, no caso de se decidir por apoiar outro candidato que não ele, também existe toda uma preparação que precisa ser feita e decisões a serem tomadas. Tanto num caso como no outro, é preciso saber se haverá uma tentativa de coalizão com o centro ou se a opção será caminhar na direção de uma chapa mais "puro sangue", petista ou marcadamente de esquerda.

Um curioso corolário da postura de Spacov, de levar a sério o que seria certa hesitação de Lula quanto à sua candidatura em 2026, é que esse elemento faz parte de um quadro de otimismo cauteloso e relativo que no qual o analista crê.

No seu texto na rede X, Spacov escreve que "juntam-se a isso [a fala de Lula sobre a candidatura] os preços muito depreciados com o estresse do pacote, o posicionamento leve dos mercados em Brasil, mais o compromisso firme do BC de não mudar a trajetória sinalizada para a Selic de mais duas altas de 100 pontos até março (que tende a dar mais estabilidade à curva de juros e ao câmbio) - podemos ter aí os ingredientes para o início de uma reação dos mercados locais".

Uma eventual saída de Lula da disputa direta em 2026 evidentemente reforçaria a candidatura de oposição e até, possivelmente, poderia levar a um candidatura de esquerda mais propensa a fazer um governo efetivamente de coalizão com o centro. Daí porque a hesitação de Lula, se for real, seria um fator positivo para o mercado.

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Na visão de Spacov, Lula fez uma campanha vendendo a ideia de governo de coalizão, mas não cumpriu essa sinalização ao chegar novamente ao poder. O fato de que não tenha convocado - ou mesmo ouvido, para a formação do seu governo - apoiadores da campanha dele de centro-direita, como Henrique Meirelles, seria uma demonstração de que a coalizão (no sentido empregado por Spacov) não ultrapassou a fase da disputa eleitoral.

Mas há outros fatores que, para o analista, também podem contribuir para a "reação dos mercados locais".

Um deles é a organização que o BC conseguiu dar ao processo de alta da Selic, com seu guidance de mais duas altas de 1 ponto porcentual - e o fato de que a firmeza posterior na comunicação tanto do presidente Gabriel Galípolo quanto do diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, tenha disciplinado o mercado em relação ao guidance.

Spacov nota que a estabilização da curva de juros, especialmente da parte intermediária, torna o grande juro real do Brasil mais atrativo para o investidor estrangeiro. No momento de tumulto e muita oscilação, mesmo com o juro alto, a cautela tende a imperar. O mesmo pode ser dito em relação ao câmbio, que vem se comportando bem melhor neste início de 2025 do que no final de 2024.

O economista acrescenta que a efetivação de Trump no poder, com uma batelada concreta de medidas, também ajudou a reduzir incertezas, mesmo que as decisões possam não agradar. Com a conhecida imprevisibilidade do novo presidente americano, tende-se a trabalhar com hipóteses negativas extremas cuja não confirmação já é uma boa notícia. Nesse caso, porém, Spacov ressalva que esse é um fator positivo um pouco frágil - por causa da própria imprevisibilidade de Trump já mencionada, a qualquer momento o novo presidente dos Estados Unidos pode causar novas ondas de choque nos mercados.

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O economista frisa que não está dizendo que o mercado de ativos brasileiros esteja bom. Toda a questão é se os problemas estão devidamente - ou exageradamente - descontados nos preços. Ele observa que a valuation de vários papéis na bolsa estão piores que no segundo mandato de Dilma Rousseff, e o câmbio bem mais depreciado.

"Para o investidor estrangeiro, isso aqui está numa liquidação que nem na Dilma se viu, e pode ser que eles estejam esperando acalmar para entrar", conclui Spacov.

Fernando Dantas é colunista do Broadcast e escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)

Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 22/1/2025, quarta-feira.

Opinião por Fernando Dantas
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