O superávit primário de R$ 36,7 bilhões do setor público consolidado em janeiro, acima do teto das expectativas dos analistas consultados pelo Projeções Broadcast, sugeriu uma tênue luz no fim do túnel da crise fiscal. No mesmo sentido, houve a divulgação da arrecadação total em janeiro de R$ 137,4 bilhões pela Receita Federal, com alta real de 0,79% na comparação com o mesmo mês de 2016.
Um destacado analista de contas públicas, porém, acha que ainda não há motivos para comemorações, por diversos motivos.
Em primeiro lugar, o resultado do setor público consolidado é apurado pelo Banco Central, com diferenças metodológicas em relação à divulgação imediatamente anterior do resultado do governo central (Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) pelo Tesouro Nacional.
Pelas contas do Tesouro, o governo central apurou superávit de 18,97 bilhões em janeiro de 2017. Já nas contas do BC, o governo central teve superávit de R$ 27,3 bilhões - R$ 7,3 bilhões a mais do que o resultado apontado pelo Tesouro.
O especialista explica que essa diferença se deve em grande parte ao fato de que, por determinação do TCU, o BC contabiliza subsídios por competência, mês a mês; enquanto o Tesouro contabiliza em janeiro o acumulado do segundo semestre, e em julho o acumulado do primeiro semestre. De fevereiro a junho, os resultados do BC tendem a "devolver" a vantagem inicial na comparação com os do Tesouro.
Em termos de esforço fiscal propriamente dito, o analista nota que "os gastos discricionários e os investimentos vieram surpreendente baixos em janeiro". Vieram inclusive abaixo da fração de 1/18 determinada por decreto em janeiro, para valer até março, e que não é um corte, mas sim uma redistribuição do que está orçado para o período de abril e dezembro.
De qualquer forma, até o final de março o governo deve divulgar a reavaliação bimestral de despesa e receita do primeiro bimestre, a partir da qual espera-se que faça um contingenciamento, que o analista mencionado prevê que fique em R$ 40 bilhões.
Por outro lado, ele observa que a economia nos gastos discricionários e investimentos em janeiro, como apontado pelo próprio governo, já é uma consequência positiva da estratégia de 2016 de intensificar pagamento de restos a pagar, o que ajudou a pressionar menos os gastos em janeiro.
Quanto à arrecadação em janeiro, como a própria Receita explicou, a melhora foi impulsionada por um aumento de quase 70% nos royalties. O especialista acha que a alta do preço do petróleo, embora possa ter ajudado na elevação dos royalties, provavelmente não explica um salto desta magnitude. "É algo a investigar".
Mas ele ressalva que não houve sinal expressivo de melhora das rubricas da receita ligadas à atividade econômica, o que é de se esperar, dado que o mercado de trabalho continua no fundo do poço, e o comércio e o serviço não se recuperaram. O que existe de concreto, ele aponta, é que o recuo da receita recorrente em relação aos mesmos meses do ano anterior já tem uma tendência de queda mês a mês, o que significa que "estamos saindo do fundo do poço, o que é diferente de dizer que estamos reagindo".
Ele observa, finalmente, que as empresas que apuram lucro em base trimestral podem pagar o imposto de janeiro a março. Nos números do IRPJ arrecadado em janeiro, é difícil saber quantas empresas anteciparam o pagamento devido em todo o trimestre e quantas pagarão parceladamente. Esta é mais uma dificuldade para se tomar o resultado de janeiro como sinal de que a recuperação da receita está começando. (fernando.dantas@estadao.com)
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 24/2/17, sexta-feira.