A China respondeu ontem à imposição de tarifa de importação de 10% aos seus produtos pelos Estados Unidos com impostos de 10-15% sobre uma série de produtos norte-americanos, incluindo petróleo, máquinas agrícolas e outros. Adicionalmente, a China vai investigar práticas indevidas de diversas empresas americanas, entre as quais gigantes tech como Google, Nvidia e Intel.
É o início da guerra comercial prometida pelo presidente Trump, embora os primeiros tiros tenham sido mais contidos do que aquilo que a retórica de campanha do político republicano sugeria. Agora se espera para saber se um eventual telefonema entre Trump e Xi Jinping, o líder máximo chinês, poderia levar a um recuo temporário dos Estados Unidos, como no caso do México e do Canadá.
Mas se a guerra comercial escalar - o que não se pode descartar dada a volatilidade decisória de Trump -, quão vulnerável está a China?
Na visão do economista Livio Ribeiro, da consultoria BRCG e do IBRE-FGV, e especialista em China, o país asiático deve surpreender os analistas pela sua resiliência a curto prazo diante do possível acirramento da guerra comercial.
Ribeiro nota que, desde o final de setembro, a China tomou uma série de medidas preventivas ao choque que pode ser provocado pelas iniciativas de Trump: cortes maiores que os usuais em diversas linhas de crédito; injeção de liquidez de 1 trilhão de yuans; garantias para sustentação de grandes bancos e incorporadoras; estímulos ao mercado imobiliário; capitalização de grandes bancos; e subsídios aos consumidores.
A China conseguiu cumprir a meta de crescimento do PIB de 5% em 2024, e o analista acredita que a mesma meta será estabelecida para 2025. E há um trunfo este ano que não houve no passado: o carregamento estatístico para 2025 é de 2,1%, comparado a 1,7% tanto em 2023 quanto em 2024. O carregamento estatístico significa quanto o PIB vai crescer se permanecer no mesmo nível do final do ano passado. Quanto maior, menor o crescimento adicional necessário para se chegar à provável meta de 5%.
E há espaço, segundo Ribeiro, para pisar no acelerador do crédito (a soma dos empréstimos bancários com o "shadow banking" já ultrapassou 300% do PIB em 2024 e deve subir mais este ano); e da política fiscal, com projeção de aumento do déficit de 8% do PIB em 2024 para 10% este ano. Além disso, o analista prevê que o "microgerenciamento" da economia, como o programa de compra de residências pelo governo, deve prosseguir com esta e outras iniciativas.
"Tem muitas políticas públicas sendo feitas na China, em caráter monetário, creditício, fiscal e parafiscal", resume Ribeiro. Ele nota que essas políticas estão longe de ser a melhor combinação para as necessidades de médio e longo prazo da China, que sofre de um grave e profundo problema de fraqueza de demanda por insegurança financeira e patrimonial das famílias.
Por outro lado, aquelas iniciativas devem "conseguir barrar uma onda externa mais desfavorável no curto prazo", ele acrescenta. É claro que isso vai depender do tamanho da onda negativa - isto é, do nível a que vai se chegar a guerra comercial -, mas ainda assim ele vê a China com espaço de manobra para se defender no curto prazo, referindo-se principalmente a 2025.
"Penso que o crescimento de curto prazo da China pode surpreender positivamente - isso pode ser ao custo de aumento dos desequilíbrios de médio prazo, mas esses efeitos não serão visíveis no curto prazo e 2025 vai parecer um bom ano para a economia chinesa", conclui Ribeiro.
Fernando Dantas escreve às terças, quartas e sextas-feiras (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 5/2/2025, quarta-feira.