Uma das grandes interrogações econômicas da atualidade é se os juros reais vão retornar, especialmente nos países ricos, aos níveis baixíssimos pré-pandemia, depois que o atual episódio inflacionário estiver definitivamente controlado.
Como apontado no segundo capítulo do recém-lançado World Economic Outlook (Perspectiva Econômica Mundial, WEO, na sigla em inglês) do FMI, que trata da taxa "natural" (neutra) de juros e suas causas, ela vem caindo no mundo rico desde a década de 80 - com flutuações, naturalmente.
O juro real, no entanto, subiu recentemente na esteira da alta de inflação pós-pandemia e da reação dos bancos centrais a isso. A questão é saber se essa alta é ou não temporária, com o juro neutro voltando ao reduzido nível pré-pandemia, caso em que, superado o episódio inflacionário, os juros voltariam para os níveis muito baixos pré-pandemia.
No estudo do FMI, como observado em recente nota de Aline Bronzati, do Broadcast, enviada especial à reunião de abril do FMI e Banco Mundial, os economistas Philip Barrett e Jean-Marc Natal concluem que "os juros podem voltar ao patamar pré-covid nas economias avançadas, com uma 'convergência gradual' dos emergentes".
Os grandes fatores da queda da taxa natural ao longo de várias décadas, de acordo com o trabalho, são a redução do crescimento demográfico e a desaceleração da produtividade. E são essas forças, que permanecem ativas, que mantêm o juro natural muito baixo, fazendo com que as taxas reais voltem a cair depois de superado o repique provocado pela inflação pós-pandemia.
Uma parte particularmente relevante do segundo capítulo do WEO de abril são as recomendações de política econômica.
A projeção é de que as taxas de juros terão de permanecer elevadas por um período prolongado para trazer a inflação de volta para as metas. Porém, após essa convergência, com o juro natural mantendo-se em níveis muito baixos no mundo avançado, e com tendência de queda nos emergentes, a capacidade de os bancos centrais afrouxarem a política monetária baixando os juros nominais (novamente sem muito espaço para baixo antes de bater no zero) pode ser limitada.
Assim, Barrett e Natal (leia aqui artigo deles sobre o estudo no Blog do FMI) apontam que pode voltar à cena todo o combo pré-pandemia de política monetária quantitativa, "forward guidance" (orientação prospectiva por parte dos BCs), coordenação com política fiscal e discussão sobre nível ótimo de metas de inflação.
Um problema na seara fiscal, entretanto, é que muito combustível foi usado na crise da pandemia, trazendo de volta a preocupação sobre o elevado nível da dívida pública dos países em relação a seus PIBs.
As dívidas altas, por sua vez, tendem a aumentar a taxa natural de juros. Como a sustentabilidade da dívida depende do famoso "r menos g", isto é, a taxa real de juro subtraída da taxa de crescimento da economia (quão menor e quão mais negativo o resultado dessa subtração, melhor), taxas naturais mais altas são ruins, tudo o mais constante.
O "remédio" são os resultados fiscais primários - quanto maiores, melhor, do ponto de vista estrito da sustentabilidade da dívida. Nos cálculos dos economistas do FMI, os Estados Unidos precisam de um ajuste fiscal primário de 3,7-3,9 pontos porcentuais (pp) do PIB no curto prazo, e mais 0,29-0,32pp em cinco anos. Já a China precisa de 7,6-7,7pp no curto prazo e mais 0,87-0,93 em cinco anos.
O trabalho destaca Brasil e Japão como países em que a política fiscal foi um fator que se contrapôs à tendência geral de queda da taxa neutra nas últimas décadas, pré-pandemia. No Brasil, segundo os autores, isso se deu pelo grande aumento do consumo do setor público financiado por tributação.
A grande questão, no Brasil, é justamente se a retomada, que começou ainda no governo Bolsonaro, do modelo de política fiscal de aumento constante de gastos - e, agora, também dos impostos - não pode estar justamente elevando a taxa natural de juros no Brasil. O que, num círculo vicioso, exige primários cada vez mais altos para se alcançar uma verdadeira estabilidade macroeconômica, sem a qual dificilmente há crescimento sustentado.
Fernando Dantas é colunista do Broadcast (fojdantas@gmail.com)
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 12/4/2023, quarta-feira.