‘Brasil precisa passar mensagem forte de compromisso fiscal’, diz CEO do Itaú BBA

Segundo o executivo, preocupação com a parte fiscal gera muita incerteza e isso acaba afetando o apetite dos investidores, especialmente dos estrangeiros

PUBLICIDADE

Foto do author Aline Bronzati
Atualização:
Foto: Aline Bronzati/Estadão
Entrevista comFlávio SouzaPresidente do Itaú BBA

DAVOS - O presidente do Itaú BBA, Flávio Souza, reforça o coro quanto à necessidade de o Brasil mandar ao mundo uma mensagem forte de compromisso fiscal, após a frustração com as medidas apresentadas pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A preocupação com as contas públicas no Brasil gera incerteza e isso tem afetado o apetite do investidor externo, alerta ele.

“Diante desse cenário macro, no mercado internacional e no Brasil, com a velocidade do crescimento da dívida, é realmente fundamental que o fiscal continue sendo tratado. E, eu diria, com um nível de assertividade ainda maior”, diz Souza, em entrevista ao Estadão/Broadcast, diretamente de Davos, na Suíça, onde participa do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês).

Para 2025, o banqueiro vê uma ‘acomodação’ no ritmo do crescimento do crédito corporativo no Brasil em meio aos juros altos. Mas diz que ainda é cedo para saber o impacto na inadimplência. Se vier, os bancos podem ter de lidar com um cenário ‘um pouco mais difícil’, conforme Souza. Abaixo, os principais trechos da entrevista:

O Fórum em Davos acontece em meio a um cenário complexo, com o mundo de olhos na gestão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, enquanto no Brasil temos a pressão fiscal e a recente crise do Pix. Quais são as suas expectativas?

Realmente é um cenário conturbado, cheio de incertezas, mas tem uma oportunidade de a gente tentar olhar as coisas com uma perspectiva mais de longo prazo. É óbvio que precisamos estar sempre atentos, o famoso ‘um olho no gato e o outro no peixe’, mas a expectativa é conseguir continuar discutindo temas como a questão relacionada ao uso de tecnologia, à importância da inteligência artificial e à transição energética.

Publicidade

Trump ameaça essa agenda de transição energética?

A posição do Trump traz algum impacto e a gente deve ver nos próximos dias os primeiros atos nessa direção. Mas, no longo prazo, a direção está definida, é absolutamente clara. Obviamente, pode ter ajuste em velocidade, intensidade, mas o mundo está na direção da transição energética, mesmo com eventuais ‘pushbacks’ (retrocessos) que essa agenda possa sofrer nos Estados Unidos.

Flávio Souza, presidente do Itaú BBA, diz que Brasil precisa fazer o dever de casa bem feito Foto: Aline Bronzati/Estadão

Por que os bancos americanos saíram da lista de financiamento climático?

É muito cedo para dizer que essas companhias vão fazer uma revisão radical da agenda de descarbonização. É só olhar o que está acontecendo em Los Angeles, as enchentes no Sul do Brasil, há evidências científicas que mostram que esse assunto precisa ser tratado até sob uma perspectiva de risco.

Na temporada de resultados, os banqueiros de Wall Street enfatizaram uma melhora significativa na confiança do empresariado nos EUA. Como isso se reverbera em negócios para o banco?

Trump chega com um poder bastante superior ao do primeiro mandato e com uma atuação muito pró-negócio no ambiente americano. Ou seja, de menos regulação, de tentar estimular a produção nos Estados Unidos, através de tarifas, etc. É um ambiente favorável. Como isso vai transbordar e repercutir fora dos Estados Unidos é uma das questões que vamos ver como irá se desenvolver.

E os efeitos para o Brasil?

Esse cenário do Trump tem um potencial de manter o nível de atividade nos Estados Unidos mais aquecido, portanto, a taxa de juros deve permanecer em um patamar mais elevado. A nossa área de macroeconomia acabou de atualizar o cenário com a expectativa de manutenção dos juros nos EUA, sem cortes neste ano. Quando a gente olha para o Brasil, com uma expectativa de a taxa continuar subindo, significa redução da intensidade da atividade econômica.

Publicidade

Para quanto?

O Brasil teve indicadores muito positivos no ano passado, com crescimento do PIB - ainda não tem o número oficial, mas deve ser mais de 3% -, com desemprego bastante controlado. Mas, naturalmente, uma preocupação com a inflação, muito em cima do tema fiscal e os impactos nos juros. Para este ano, estamos vendo um nível de atividade perto de 2%, 2,2%, com um vento a favor vindo do agronegócio, como no ano passado. Sem isso, talvez esse número pudesse ser até um pouco menor.

Como os juros altos devem impactar o mercado de capitais e os negócios de bancos de investimento?

A expectativa de um mercado de capitais favorável para ações acabou não acontecendo. Tivemos um terceiro ano bastante fraco, sem nenhum novo IPO (abertura de capital). Para esse ano, com juros subindo, fica menos provável um ambiente favorável para ações. Por outro lado, o setor de renda fixa teve o seu ano mais forte, com R$ 600 bilhões em emissões em 2024. Com esse patamar e a redução do nível de atividade, é razoável haver alguma acomodação em renda fixa, mas o mercado está absolutamente aberto. Também foi um bom ano para fusões e aquisições e 2025 tem uma perspectiva positiva, com um horizonte de negócios bastante robusto.

Como o sr. vê a ponte de negócios entre Brasil e Estados Unidos?

Sobre tarifas, a gente tem de olhar com alguma tranquilidade, porque o Brasil tem uma relação deficitária em balança com os Estados Unidos, pequena, é verdade, mas o Trump tem prioridades mais relevantes, como o México, o Canadá e a China. Para o Brasil, é uma situação mais neutra. Por mais que tenhamos governos com uma maneira diferente de enxergar o mundo, no fim do dia, existe de fato um ambiente de negócio muito estabelecido entre o Brasil e os EUA. É muito saudável que as empresas brasileiras considerem expandir suas operações, inclusive nos EUA.

Há chances de mais IPOs de empresas brasileiras nos EUA?

Listar uma companhia fora do Brasil depende de uma série de fatores. O fato de que o mercado americano é aberto e empolgante é um deles, mas não é o único. Temos exemplos de empresas brasileiras que já se listaram lá fora e que não alcançaram o que esperavam em termos de liquidez e valorização. É importante em um processo desse, fazer uma análise profunda, saber quais são as motivações. A gente costuma dizer: faça pelas razões certas. Abrir o capital nos EUA por uma situação conjuntural mais específica não é necessariamente a razão certa.

Publicidade

E quanto às emissões de empresas brasileiras no exterior com o Fed mantendo os juros altos? Tivemos poucas operações neste início de ano, que é uma janela importante.

PUBLICIDADE

Ainda poucas. O mercado não está fechado, mas também não tem uma indicação que tende a ser um ano muito forte para emissões externas, pelo menos até agora, porque os juros continuam altos e o rendimento dos Treasuries também. Agora, as empresas que estão acessando o mercado (externo) estão tendo receptividade. Nas últimas semanas, vimos algumas transações com um bom nível de demanda.

É uma sinalização de que o apetite estrangeiro por Brasil está centralizado no setor privado, diante dos problemas fiscais no País?

A preocupação com o fiscal no Brasil gera incerteza e isso acaba afetando o apetite. Em uma perspectiva mais estratégica, de médio e longo prazos, esse fluxo continua existindo e chega a um certo ponto em que começa a ter atratividade pelo nível de preço. Então, o investidor estratégico de mais longo prazo começa a olhar o Brasil como uma eventual oportunidade de entrada. Mas, para isso, é importante um cenário mais claro, principalmente na parte fiscal, como vai afetar os juros e a capacidade de extrair valor das transações no Brasil.

O governo sinaliza mais ações na questão fiscal após o pacote ter frustrado as expectativas?

Está muito clara a necessidade de uma postura fiscal importante por parte do governo. Diante desse cenário macro, no mercado internacional e no Brasil, com a velocidade do crescimento da dívida, é realmente fundamental que esse tema continue sendo tratado. E, eu diria, com um nível de assertividade ainda maior.

Publicidade

Qual é a preocupação com o impacto dos juros altos nas empresas no Brasil?

A gente vem de um ciclo de crédito corporativo no Brasil bem saudável nos últimos anos. Apesar de casos de empresas em recuperação judicial, o desempenho dos bancos em geral têm sido bastante benigno. O mercado de dívida teve em 2024 o melhor ano da história, nossa carteira cresceu perto de 14% até setembro, e o fim do ano andou bastante bem. Com juros altos, é natural uma acomodação. Se isso vai se materializar em um cenário de deterioração a ponto de termos um problema, ainda é cedo para dizer. Se o mercado caminhar nessa direção, com casos relevantes, mostrando maior dificuldade, isso pode trazer um cenário um pouco mais difícil.

Isso irá acontecer?

É difícil dizer isso nesse momento. Prefiro acreditar, trabalhar e tentar influenciar para as oportunidades e potencialidades do Brasil. O País precisa passar uma mensagem forte do ponto de vista do compromisso fiscal, a oportunidade de criar um ambiente de negócios favorável para o Brasil é mais próxima do que parece. Mas o Brasil precisa fazer o dever de casa bem feito.

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.