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Empresas precisam ir além da diversidade nas contratações e acolher mulheres, dizem especialistas

Líderes precisam entender necessidades e problemas nas companhias e olhar para inclusão não só pelo aspecto do gênero

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Por Luis Filipe Santos
Atualização:

Programas de contratação com vagas afirmativas se popularizaram nos últimos anos, buscando levar uma maior diversidade às empresas. Alguns são focados na questão de gênero, normalmente visando ampliar a participação das mulheres. Embora sejam bem-vindas, as ações das empresas não podem parar neste ponto, e dependem da cultura corporativa, da governança e da realização de mais ações da porta para dentro, de acordo com especialistas ouvidas pelo Estadão.

A diversidade e a inclusão, avaliam, dependem de um diagnóstico interno da empresa para encontrar possíveis problemas, saber o que as colaboradoras veem como questões e entraves e, a partir de então, a formulação de estratégias e planos de ação. Além disso, não se pode perder de vista que a diversidade não se restringe a um único aspecto como o de gênero, devendo se preocupar com o racial, de orientação sexual, etária e para pessoas com deficiência, entre outros.

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A diferença entre homens e mulheres no mercado de trabalho aparece em diversos pontos, como na diferença salarial para a mesma função e na menor participação delas em cargos de liderança e no próprio mercado. No Brasil, as mulheres ganham, em média, cerca de 22% menos que os homens, ao se comparar profissionais da mesma escolaridade e idade e na mesma categoria de ocupação, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

As mulheres ocupam apenas 38% dos cargos de liderança nas empresas brasileiras, de acordo com levantamento da consultoria PwC Brasil. A taxa de desemprego delas é superior à dos homens: estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em 2022, estimou que 51,56% das mulheres está no mercado de trabalho formal, enquanto o número é de 71,64% para eles.

Busca por diversidade precisa corrigir problemas da cultura das empresas Foto: Unsplash / @arlington_research

Em comparação com outros países, o Brasil aparece na posição 66 entre os que têm leis para garantir a igualdade de gênero, conforme o relatório 2023 “Mulheres, Empresas e o Direito”, do Banco Mundial. O País teve a pontuação de 85, o que significa que as mulheres desfrutam de apenas 85% dos direitos a que os homens têm acesso - igual à Venezuela, por exemplo, e atrás de outros países da América Latina como Uruguai, México, Paraguai e Bolívia. A média mundial é de 77,1 pontos. O Fórum Econômico Mundial estimou, em 2022, que serão necessários 132 anos para fechar a diferença salarial entre os gêneros.

Ao se fazer o recorte racial, a desigualdade fica ainda mais aparente. Conforme a pesquisa “Mulheres no Mercado de Trabalho”, realizada pelo Instituto Locomotiva a pedido da consultoria iO Diversidade, mulheres negras com ensino superior recebem 55% menos do que homens brancos com o mesmo grau de escolaridade.

O levantamento mostra que 43% das trabalhadoras brasileiras já sofreram pessoalmente algum tipo de preconceito ou violência no trabalho, o que representa 16,3 milhões de mulheres. A diferença salarial ainda é observada entre uma mulher branca com ensino superior - que possui uma renda média de trabalho de R$ 5.097, e uma negra com o mesmo grau de escolaridade – R$ 3.571. Um homem branco com diploma universitário, por sua vez, recebe em média R$ 7,9 mil.

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O reflexo desses números é uma economia mais fraca, que desperdiça diversos talentos e não está atenta aos problemas de parte da população. Pesquisa da FGV, conduzida pelo economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, mostrou que a redução da diferença de participação entre homens e mulheres no mercado de trabalho poderia acrescentar até 0,3 ponto percentual de crescimento ao PIB brasileiro ao longo de 20 anos, enquanto a agência de risco Moody’s Analytics estimou que US$ 7 trilhões à economia mundial poderiam ser acrescentados se não houvesse desigualdade salarial.

Dentro das empresas

Se o cenário é complicado, a responsabilidade fica para cada empresa realizar um diagnóstico interno e entender como pode agir. “A empresa está olhando para as mulheres que já estão nela? As funcionárias estão sendo promovidas? Há desigualdade salarial? Há planos de carreira? Precisam de flexibilização de trabalho?”, questiona Carine Roos, CEO da consultoria focada em diversidade Newa.

“É necessário realizar uma revisão de processos de RH, de atração e retenção, que muitas vezes foram construídos numa lógica de dez anos atrás que era muito mais machista. Precisa prestar atenção em vieses inconscientes que fazem homens serem contratados, e em processos internos de avaliação e desempenho que não levam as mulheres em consideração”, considera Ian Nujanra, diretor executivo da consultoria iO Diversidade.

Daniela Diniz, diretora de conteúdo e relações institucionais do Great People, reforça que a participação do alto escalão da empresa é essencial para que as mudanças de fato ocorram, e a cultura da empresa se torne acolhedora. “Tem que envolver as lideranças e cascatear isso. Se a política não vira prática, deixa de ser internalizada, por isso ela precisa ser praticada por todos”, afirma.

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Ela recomenda quatro ações para as companhias: realizar treinamentos sobre a cultura interna de respeito, que não deve criar um clima hostil; desenvolvimento de lideranças, revisitação da cultura e criação de metas para a contratação e promoção de mulheres. “É um processo contínuo de conscientização, entender que está prezando pela equidade. Se não consegue sustentar isso durante a jornada, começa a ter evasão de mulheres”, alerta Diniz.

Outro ponto a se ter atenção são as chamadas microagressões — situações como interrupções quando uma mulher fala, ou dar pouco crédito às opiniões dela, que em situações mais graves se tornam assédio moral. “É necessário trabalhar para todas as pessoas, ter palestras para reconhecimento de vieses e diferentes tipos de microagressões”, comenta Roos. “A mudança de cultura interna que leva tempo, não é do dia para a noite, é uma jornada”, completa.

Carine Roos, CEO e fundadora da Newa Foto: Paulo Liebert/Divulgação

Assim, ter canais de denúncia anônimos e códigos de ética e conduta para que se saiba como agir em cada situação - e de fato colocá-los em prática, incluindo as punições - é parte fundamental de como a cultura das empresas deve estar presente no cotidiano. O maior número possível de situações deve estar previsto, e levar a sério as informações que chegam por meio do canal é fundamental para que haja confiança e ele seja procurado.

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Vagas afirmativas

Se a cultura interna não deve começar na contratação, também deve passar por esse momento. Assim, o uso de mecanismos como seleções de currículos às cegas e o uso de vagas afirmativas se torna necessário para corrigir os vieses e tornar o corpo de trabalhadores mais diverso, com os benefícios que isso traz. “Costuma-se olhar a presença de grupos minorizados pela falta, pelo que eles supostamente não têm, e não pela potência de dinamizar e melhorar a produtividade e o ambiente da empresa”, destaca Rachel Rua, diretora de conteúdo da iO.

Ao mesmo tempo, não se pode esquecer que as vagas precisam ser trabalhadas de forma interseccional, ou seja, considerando os diferentes grupos minorizados da sociedade e levando em conta também critérios como raça, idade e a presença de deficiências físicas ou cognitivas. “É preciso entender e adaptar para essa realidade de modo que o ambiente de trabalho consiga ficar mais produtivo. Se queremos de fato trabalhar a inclusão, ela não vem da Faria Lima, tem que trazer de Paraisópolis ou Heliópolis”, ressalta Nujanra.

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“Enquanto trabalhar as políticas de formas separadas, nunca vamos entender as complexidades das identidades. O correto é desenhar estratégias específicas para contratação, promoção, retenção, olhar componentes de gênero, raça, orientação sexual e outras identidades”, corrobora Carine Roos.

Um exemplo disso vem da empresa do setor de eventos corporativos MCM Brand Experience. A companhia privilegia pessoas de grupos minorizados e separa algumas vagas exclusivamente para alguns grupos. “Já no questionário antes da contratação pode colocar se faz parte de algum grupo minorizado e esse é um dos pontos na hora de contratar”, cita a presidente da empresa, Monica Schimenes. Uma demonstração é que a recepcionista necessariamente é uma mulher trans, segundo Schimenes, “para ser o primeiro rosto da empresa”.

A busca por diversidade nos cargos criativos também existe e é considerada parte fundamental para a empresa. “Só é possível pensar fora da caixa quando tem processos educacionais e pedagógicos diferentes, pessoas diferentes”, explica Schimenes. Para ela, a inclusão é parte do propósito. “Se não trouxermos mulheres que possam ser inspiração, não vamos transformar o mundo, e essa é uma das nossas missões”, afirma a empresária.

Gravidez

Outro estigma que prejudica as mulheres no mercado de trabalho é o da gravidez. Segundo estudo da FGV, 50% das brasileiras que se tornam mães são demitidas em até dois anos após retornarem. A situação expõe como as mães ainda são vistas como principais responsáveis pelo cuidado com os filhos, ao invés de ser uma responsabilidade compartilhada.

As atitudes possíveis para as empresas vão desde antes da gravidez realmente começar. Sinalizar para a mulher que ela pode ter o filho com segurança e vai ser acolhida e pode continuar a ser promovida e assumir projetos é importante”, cita Diniz, da Great Place to Work. Oferecer licenças de maternidade e paternidade estendidas além do que a lei determina (quatro meses para mulheres, 15 dias para homens) é outro sinal.

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Denise Inaba, CIO da Vivo Foto: Marcelle Cerutti / Vivo / Divulgação

Além disso, é importante ter um diálogo com a funcionária e saber das necessidades dela e como adaptar o trabalho. “A melhor abordagem é não achar ou pressupor e conversar. Cada família vai ter necessidades específicas”, cita Roos. “Criar acordos com a empresa ajuda, traz um impacto psicológico que é a segurança de poder avisar dos problemas e ser acolhida”, relata Rua, da iO.

Diniz, da Great Place to Work, ressalta que a flexibilidade hoje é necessária em praticamente todos os momentos, e mais ainda para gestantes e puérperas. “Quando se trata família como algo distante das empresas, é um erro. A vida familiar impacta na empresa e vice-versa”, avisa.

Um bom exemplo vem da Vivo. A empresa criou um programa de acompanhamento de saúde física e mental para as gestantes, salas de extração de leite para as funcionárias, tem horários flexíveis para as gestantes e puérperas e realizou treinamentos com as lideranças masculinas para preparar o acolhimento às funcionárias. “O exemplo é que dá muita força, não só comunica, fala e se posiciona. Temos casos concretos de promoções de gestantes, ainda que fossem sair de licença”, diz Denise Inaba, CIO da Vivo.

Niva Ribeiro, VP de Pessoas da Vivo Foto: João Arraes / Vivo / Divulgação

As preparações se inserem num contexto em que a empresa discute temas relacionados à diversidade e inclusão com frequência. Por meio de jornadas da diversidade em que temas são discutidos a cada bimestre, a Vivo trata junto com os funcionários temas sobre gênero, raça e outros - por exemplo, as microagressões e a síndrome da impostora já foram debatidos. “Procuramos trabalhar a partir da realidade das pessoas”, conta Niva Ribeiro, VP de Pessoas da Vivo.

Outras ações ocorrem na hora das contratações, promoções e na realização de programas de trainees exclusivos. “Colocamos as mulheres para falar, vemos elas ocupando esse espaço. Não tinha noção do quanto essa questão do exemplo faz diferença, para ocupar esse lugar e estimular um círculo virtuoso”, comenta Inaba.

Promoções

O plano de carreira é um aspecto a ser levado em conta pelas empresas. Além de um ambiente que não seja hostil e discriminatório, estar num lugar em que se vê a possibilidade de crescimento é fundamental para a retenção de talentos. “A promoção vem numa estratégia que é ter um plano de carreira claro, que muitas empresas não tem. Há muita subjetividade. Enquanto não trabalha uma transparência que traga critérios, isso impacta mais as mulheres”, avalia Diniz. No final, para se ter mais lideranças femininas e de outros grupos minorizados, é preciso ter um trabalho intencional desde o início.

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