Governo Bolsonaro quer liberar produção agrícola em terra indígena

Objetivo é autorizar parcerias entre índios e produtores rurais, para cultivo e criação de gado em terras demarcadas

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Por André Borges
Atualização:
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BRASÍLIA - Depois de retirar a função de demarcação e delimitação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (Funai), a equipe de governo do presidente Jair Bolsonaro prepara uma nova regulamentação para liberar a exploração de terras indígenas por atividades do agronegócio. O objetivo é autorizar parcerias entre os índios e os produtores rurais, para cultivo e criação de gado em terras já demarcadas.

Hoje esse tipo de atividade é ilegal, apesar de haver, em várias regiões do País, arrendamento de terras indígenas por produtores rurais para tocar todo tipo de produção. O entendimento do governo e da atual diretoria da Funai é de que esse tipo de atividade poderá ser liberada por meio de um decreto presidencial, ou seja, diretamente por Bolsonaro, sem ter de tramitar no Congresso.

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A informação foi confirmada ao Estado pela diretora de proteção territorial da Funai, Azelene Inácio, que defende a abertura das terras indígenas para exploração comercial e tratou do assunto com a equipe de transição do governo e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. “Queremos essa regulamentação da produção agrícola o mais rápido possível. É uma prioridade não só para nós, mas para os índios que já estão em contato há 518 anos”, disse Azelene.

A exploração de jazidas minerais localizadas em terras indígenas é outra meta do governo, mas o entendimento atual é de que esse tipo de atividade, diferentemente do agronegócio, precisaria passar pelo crivo do parlamento, ou seja, ser debatido em comissões da Câmara, do Senado e votado em plenário, para só depois ir à sanção presidencial. “No caso da mineração, a regra é mesmo diferente. A Constituição afirma que a regulamentação dessa tipo de atividade deve sair do Congresso Nacional”, afirmou Azelene.

Produtores fecham acordo com aldeias para elevar plantação Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Reportagem publicada pelo Estado no mês passado revelou que, atualmente, 22 terras indígenas do País possuem áreas arrendadas ilegalmente para ruralistas. As negociações clandestinas entre produtores e indígenas incluem desde o pagamento de mensalidades para os índios, até a divisão da produção colhida ou vendida. Nessas 22 terras, vivem mais de 48 mil índios. A área total arrendada chega a 3,1 milhões de hectares, um território equivalente a mais de cinco vezes o tamanho do Distrito Federal.

A proposta do governo é legalizar essas atividades, permitindo que o índio arrende sua terra ou estabeleça acordos de produção com os ruralistas. “Essa ideia de que o índio, para manter sua cultura, tem de permanecer pobre, é uma mentira. Temos de parar de confundir cultura com pobreza. Precisamos levar o desenvolvimento a esses povos já contatados”, afirmou a diretora.

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Esvaziamento

A decisão do governo de retirar, por meio de uma medida provisória publicada nesta terça-feira, 1º, o processo de demarcação de terras indígenas pela Funai, conforme já havia anunciado que faria, foi duramente criticada por organizações socioambientais. Com a mudança, os processos de identificação, delimitação e demarcação passaram para o Ministério da Agricultura.

A Funai, que saiu do Ministério da Justiça para ser submetida ao novo Ministério de Mulheres e Direitos Humanos, limitou-se a declarar que “respeita a decisão do novo governo e continuará a cumprir a missão institucional de proteger e promover os direitos dos povos indígenas”.

Dentro da fundação, não está claro ainda como se dará a migração das funções de demarcação para o Ministério da Agricultura. Durante toda a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro afirmou, em diversas ocasiões, que seu governo não vai demarcar “um centímetro sequer” de novas terras indígenas.

Segundo Azelene Inácio, que atualmente cuida das questões territoriais e tem relação direta com a ministra Tereza Cristina, ainda há espaço para concluir novas demarcações. “Poderá haver novas demarcações. Temos situações históricas que são legítimas. O que precisamos é retirar a ideologia da demarcação”, disse. Questionada sobre um exemplo de terra indígena que poderia ser demarcada no futuro, Azelene disse que “não saberia mencionar, no momento”.