Governo Lula quer esperar queda do preço do óleo de soja para rever mistura do biodiesel

Ministro da Agricultura afirmou que espera retomar cronograma de aumento da mistura do biocombustível no diesel para 15% dentro de 60 dias

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Foto do author Isadora Duarte

BRASÍLIA – Após suspender o cronograma de evolução da mistura obrigatória de biodiesel ao óleo diesel e manter o mandato em 14%, o governo federal quer acompanhar o comportamento dos preços do óleo de soja no varejo para deliberar sobre o aumento da mistura.

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Apesar de publicamente alegar que há necessidade de aumento da fiscalização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) sobre fraudes com o porcentual de 14%, aos fabricantes de biodiesel o Executivo sinalizou que o motivo por trás da decisão é o preço do óleo de soja, que entrou na mira de Lula, como mostrou o Estadão.

A decisão ocorre em meio a uma inflação resistente, sobretudo de alimentos, à queda na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao aumento nos preços dos combustíveis.

Preço do óleo de soja subiu 30% em 2024 e entrou na mira de Lula. Foto: Pixel-Shot - stock.adobe.com/Adobe s

O cronograma estabelecido pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em dezembro de 2023 previa adição de um ponto porcentual na mistura, para 15%, a partir de 1º de março. Com a decisão de suspensão temporária do cronograma deliberada em reunião extraordinária do colegiado nesta terça-feira, a elevação do mandato de biodiesel e o restabelecimento do cronograma deverão ser reavaliados somente na próxima reunião do órgão.

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“Com o início da safra, o preço do óleo de soja já começou a cair, mas precisamos agir com cautela. O adiamento do B15 (elevação a 15%) vai permitir a maior disponibilidade de óleo de soja no mercado, não havendo disputa com óleo de cozinha, e a queda do preço do óleo de soja”, disse o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, a jornalistas após reunião com o setor do biodiesel nesta terça-feira. “Com a acomodação do preço do óleo de soja nas gôndolas dos supermercados, talvez possa ser possível fazer a mistura de B15 dentro de 60 dias”, afirmou.

A preocupação do Executivo com o preço do óleo de soja e o seu uso para produção de biocombustível foi externada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda em janeiro. “Eu quero saber se a soja para o biodiesel está criando problema; quero saber se o milho para o etanol está criando problema. Só posso saber disso se chamar os empresários da área para conversar, ao invés de ficar falando da coisa sem ter conhecimento”, disse Lula em coletiva de imprensa.

Após a declaração em 30 de janeiro, não houve encontros diretos do presidente Lula com empresários do setor, apurou a reportagem. “É uma preocupação direta do Lula. Ele está focado no fato de que o preço dobrou desde que chegou ao governo”, confidencia uma fonte.

O movimento veio após o preço do óleo de soja ter subido 29% em 2024. Em janeiro deste ano, o óleo registrou queda de 0,87%, segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Mas a redução não foi suficiente para o setor convencer o governo de que já há queda do preço do óleo de soja no varejo, ou seja, repassada ao consumidor.

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Ao governo, industriais reforçaram que a tendência é de o valor praticado do óleo de soja siga recuando a partir de março, com a maior disponibilidade interna de soja, resultado da entrada da safra nacional. A diversos ministros, a indústria assegurou que o preço do óleo de soja envasado vai diminuir cair ainda mais nas gôndolas, mas o Executivo optou por primeiro ver a redução dos preços.

O governo vê relação direta no aumento do uso do óleo de soja para produção de biocombustível com a elevação dos preços do produto, o que é refutado pelo setor. Nos bastidores, alas do governo argumentam que o biodiesel tem feito o preço do alimento, o óleo de soja envasado, subir.

Para fontes do Executivo, parte do aumento dos preços do óleo de soja em 2024 se deve à maior demanda pela matéria-prima vegetal pela indústria de biocombustíveis após a mistura obrigatória ter passado de 12% para 14% em 2024.

Em conversas reservadas com ministros, representantes do setor de biodiesel mostraram gráficos apontando a redução dos preços FOB do óleo de soja e tendência de continuidade de queda em virtude da safra recorde de soja, do maior processamento de oleaginosa pela indústria e da desvalorização do dólar ante o real.

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Dados da ANP que revelaram queda de 2,8% no preço do biodiesel, para R$ 5,9145 por litro na média nacional no período de 3 a 9 de fevereiro, também foram levados pelo setor ao governo em conversas intensificadas ontem.

Fabricantes também tentaram convencer o governo de que o B15 não afetaria o preço do óleo de soja, já que os prêmios estão caindo e haverá capacidade de a indústria produzir maior volume de óleo neste ano, cerca de 350 mil toneladas a mais, com a maior colheita da oleaginosa. Além disso, a indústria considera que a adição de 1 ponto porcentual da mistura não era significativa para elevar o preço do óleo de soja utilizado na alimentação.

A proposta de suspender o aumento da mistura do biodiesel foi levada ao CNPE pela Casa Civil e endossada pelo Ministério da Fazenda, segundo fontes que acompanharam a reunião. Presentes no colegiado, o ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, defenderam a elevação já prevista para 15%.

Em nota divulgada antes da decisão do CNPE, a Frente Parlamentar do Biodiesel (FPBio), antevendo a decisão do governo e a avaliação de disputa entre matéria-prima para alimentação ou energia, afirmou em nota que o “biodiesel não encarece os preços dos alimentos”.

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“O que aumenta o valor da comida em nossas mesas são outros fatores, como a taxa câmbio (preço do dólar), a quebra da safra de soja no ano passado (o grão é matéria-prima do óleo de soja) e o aumento do preço do óleo de palma no exterior. Com a redução do dólar nas últimas semanas, no entanto, o preço do biodiesel tem caído”, disse a frente, mencionando a previsão de uma safra de soja 25% maior, com diminuição da pressão sobre as cotações do óleo de soja.

A frente reforçou o argumento levado ao Executivo, de que a produção de biodiesel não concorre com a oferta de alimentos.

“Pelo contrário: o biodiesel é resultado do esmagamento da soja, o que amplia a oferta de farelo no mercado e aumenta a quantidade de ração animal, reduzindo os preços da proteína (gado, frango, suínos e peixe). Estimamos que esse processo garante uma economia de até R$ 3,5 bilhões em despesas com proteínas animais, equivalente a uma redução de 0,05% no Índice de Preços ao Consumidor (IPCA)”, afirmou a bancada, dizendo confiar no Programa Nacional de Biodiesel.

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