Governo Lula vê foco das tarifas dos EUA no etanol brasileiro e baixo risco para carnes e café

Etanol foi citado explicitamente pela Casa Branca como exemplo de falta de reciprocidade; carnes e café estariam parcialmente ‘blindados’ pelo potencial inflacionário de sobretaxas americanas

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Foto do author Isadora Duarte

BRASÍLIA - O governo Lula avalia que o foco dos Estados Unidos está no etanol do Brasil. Para integrantes do Executivo, eventuais anúncios tarifários do presidente Donald Trump tendem a não afetar, no momento, outros produtos agropecuários brasileiros, como carnes e café. A avaliação é reforçada ao Estadão/Broadcast por interlocutores do Executivo que estiveram nos EUA recentemente em encontro com autoridades agrícolas.

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A ameaça tarifária sobre o etanol é iminente, segundo integrantes do governo. Para carnes, o risco é considerado baixo, enquanto para o café, é tido como “zero”. Em comum, os interlocutores veem espaço para o diálogo e negociação antes de eventuais respostas tarifárias. “Não há sinais de intenção de sobretaxas dos Estados Unidos para além dos produtos já citados por eles — etanol, aço e alumínio —, apesar de prometerem uma revisão e estudo geral das condições de acesso aos mercados”, observou uma pessoa a par do tema.

Os Estados Unidos foram o segundo principal destino dos produtos agropecuários brasileiros no ano passado, com exportações de US$ 12,092 bilhões, respondendo por 7,4% do total exportado pelo agronegócio no ano. Os embarques concentram-se em café verde, celulose, carne bovina in natura, suco de laranja e couro, segundo dados do sistema de estatísticas de comércio exterior do agronegócio brasileiro. Já o Brasil importou US$ 1,028 bilhão em produtos do agronegócio dos Estados Unidos no último ano.

Etanol brasileiro foi citado explicitamente pela Casa Branca há cerca de duas semanas como exemplo de produto de falta de reciprocidade Foto: Daniel Teixeira/Estadão

O etanol brasileiro foi citado explicitamente pela Casa Branca há cerca de duas semanas como exemplo de produto de falta de reciprocidade. Há uma pressão antiga dos Estados Unidos para redução do imposto de importação aplicado pelo Brasil sobre o produto norte-americano, de 18% ante 2,5% da tarifa cobrada para o etanol brasileiro que entra nos Estados Unidos.

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Segundo um interlocutor, a pressão já estava no radar do Brasil e sempre foi reiterada pelas autoridades norte-americanas nas negociações. Uma das possíveis retaliações dos EUA sobre o etanol brasileiro seria a aplicação de tarifas recíprocas quanto ao etanol de cana-de-açúcar exportado para lá, sobretudo para Califórnia para cumprimento de metas de descarbonização.

Em 2024, o Brasil exportou US$ 181,828 milhões em etanol aos Estados Unidos, produto vendido sobretudo para a Califórnia. O país se tornou o segundo principal destino do biocombustível brasileiro. Já as exportações do etanol americano ao Brasil somaram US$ 50,530 milhões, segundo dados do Agrostat, sistema de estatísticas de comércio exterior do agronegócio brasileiro.

Já carnes e café estariam parcialmente “blindados” pelo potencial inflacionário de sobretaxas americanas sobre os produtos brasileiros. Segundo uma pessoa familiarizada com a discussão, há uma preocupação muito grande com a inflação dos alimentos no país e com o aumento na ponta para os consumidores americanos.

O café, principal produto agropecuário brasileiro exportado para os Estados Unidos, é o que tem risco praticamente nulo de sofrer sobretaxas pelos norte-americanos, avaliam essas pessoas, dado o seu peso estratégico para a indústria do país. Para o setor exportador, a importância da agregação de valor feita pelos Estados Unidos sobre o café verde brasileiro, que representa 1,3% do PIB nacional, deve prevalecer em detrimento de tarifas. A indústria do café representa cerca de 2 milhões de empregos no país, proporcionando perto de US$ 340 bilhões por ano para a economia americana.

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Em 2024, o Brasil exportou 471,539 mil toneladas de café (7,859 milhões de sacas), equivalente a US$ 2,075 bilhões, para os Estados Unidos. Interlocutores da indústria acreditam que tende a prevalecer a “racionalidade comercial” baseada no pragmatismo e no bom relacionamento entre os traders.

Em relação à carne bovina, o Brasil vem fornecendo maior volume ao mercado norte-americano em virtude da dificuldade da oferta escassa local nos Estados Unidos. Um interlocutor ressalta que os Estados Unidos estão em ciclo de baixo estoque de gado, o que deve se estender por pelo menos dois anos, exigindo o fornecimento externo. Fora isso, há uma grande presença de frigoríficos brasileiros no país.

Atualmente, o produto brasileiro entra no país com imposto de importação de 26,4%, à exceção de uma cota anual de 65 mil toneladas desonerada. Em 2024, o Brasil exportou 248,507 mil toneladas em carnes aos Estados Unidos, o equivalente a US$ 1,411 bilhão, sendo US$ 1,350 bilhão de carne bovina.

Segundo os interlocutores, há também uma preocupação manifestada pelos Estados Unidos com o crescimento da produção brasileira de soja e milho.

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