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Guerra comercial entre EUA e China ainda longe do fim

Esta é a avaliação dos participantes do painel sobre a disputa entre os dois gigantes; Brasil, que se beneficia, deve porém ficar atento

Foto do author Isadora Duarte

O mundo aguarda com expectativa o fim da guerra comercial entre Estados Unidos e China, que começou em março de 2018 e, até o momento, mesmo com os recentes sinais de arrefecimento, parece estar longe de se encerrar. Este foi um dos principais assuntos abordados pelos participantes do Summit Agronegócio Brasil 2019, promovido pelo Estado no dia 13 de novembro, em São Paulo, com patrocínio da Corteva e da Embratel. Para o diretor da consultoria norte-americana Hueber Report, Daniel Hueber, as notícias recentes sobre a negociação comercial entre os dois gigantes do comércio global “apontam para o não acordo”. Ele citou o fato de o presidente norte-americano, Donald Trump, ter reiterado, um dia antes do Summit, que poderia elevar em 15% as tarifas retaliatórias contra a China, mesmo que ambas as potências encontrem-se na negociação da chamada “fase 1” do acordo. 

Para Hueber, a insegurança mundial em relação ao tema diz respeito ao fato de que essa disputa comercial “muda diariamente”. “É também uma briga de dois egos, entre Trump e Xi Jiping (presidente da China), mas as duas economias estão sendo afetadas.”

Summit Agronegócio Brasil 2019, realizado no Hotel Hilton, na zona sul de São Paulo Foto: Hélvio Romero/Estadão

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Hueber disse também que produtores norte-americanos estão muito preocupados com os prejuízos da guerra comercial e, em virtude da contenda, “hoje o subsídio do governo dos EUA ao setor é o maior desde 2001, com 20% da produção subsidiada”. 

Já o Brasil vem se beneficiando da situação, pelo menos por enquanto. “Os EUA perderam fatia do mercado chinês para o Brasil, com um salto de 47 milhões para 64 milhões de toneladas de soja exportadas por ano”, disse.

‘Vai longe'

O professor sênior de agronegócio do Insper, Marcos Jank, também não guarda otimismo em relação a um fim próximo da guerra comercial entre EUA e China. Para ele, que participou do painel “Exportações, blocos comerciais e China – o que o mundo precisa e exige do agronegócio”, o conflito mercantilista “vai longe”. Por isso, recomenda que o Brasil – principal concorrente dos EUA no comércio global de commodities agrícolas e grande exportador para a China – deve manter uma “equidistância prudente”. Na visão de Jank, o agronegócio brasileiro tem a ganhar na disputa, principalmente nos setores de soja, carnes e etanol. “O problema é que pode haver um acordo lá na frente e isso pode levar a um prejuízo, já que nossos principais concorrentes são os norte-americanos.”

Jank assinalou ainda que a disputa não é apenas comercial: “É muito mais ampla e hegemônica”. Ele explicou que atualmente há duas importantes “mudanças estruturais” acontecendo na China. “A primeira é a guerra comercial, que inaugura uma nova fase de mercantilismo no mundo, ao romper com o papel que os americanos tiveram na construção de um sistema amplo e multilateral”, explica. A segunda é a oportunidade aberta para a grande exportação de carnes, que está ocorrendo em função da peste suína africana (PSA), que já dizimou pelo menos 40% do plantel de suínos da China. E, mais à frente, quando o país asiático recompuser seu rebanho, abre-se a chance de o Brasil vender mais soja e milho para lá, para alimentar a os plantéis pós-peste suína.

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Escritório em Xangai. Vislumbrando um crescimento maior ainda das relações comerciais entre Brasil e China, o governador de São Paulo, João Doria, que foi um dos palestrantes na abertura do Summit, informou sobre uma recente iniciativa, feita em parceria com o setor privado: a abertura de um escritório de negócios em Xangai, China. “São empresas chinesas e brasileiras que financiam a iniciativa: chineses que têm interesse no Brasil e brasileiros com interesse na China.” 

O governador disse que esse escritório está analisando 36 projetos de desenvolvimento para São Paulo, sendo 12 ligados ao agronegócio. Doria disse também que o governo estadual captou US$ 20,48 bilhões de investimentos para o Estado em recente missão oficial à China. “Apenas dois grandes investimentos, provenientes do China Investment Bank, que é o BNDES deles, e o New China Investment Bank, representam US$ 20 bilhões para financiar programas de desestatização em São Paulo.”

Em São Paulo, aliás, é grande a expectativa em relação à habilitação de novas unidades frigoríficas para exportar carnes para o gigante asiático. O secretário de Agricultura e Abastecimento do Estado, Gustavo Junqueira, avalia que cada vez mais o Brasil, assim como São Paulo, será sempre uma opção. No dia 12 de novembro, a China habilitou mais 13 frigoríficos brasileiros a exportar carne para lá, sendo dois em São Paulo. 

Junqueira informou que as empresas habilitadas dobraram a capacidade de produção para atender ao incremento de demanda externa. “Um deles, por exemplo, está abrindo uma nova planta no interior do Estado”, citou. Ele ponderou, entretanto, que é preciso que essas empresas “calibrem” o aumento da capacidade produtiva com a demanda chinesa. “De uma maneira ou de outra, a China voltará a produzir. O setor precisa sincronizar esse retorno de oferta doméstica com a demanda momentânea, para que não tenhamos uma superprodução de carnes em dois a três anos, que possa deprimir os preços”, avaliou o secretário.

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Boa vontade

No setor de lácteos, o presidente da Viva Lácteos – entidade que reúne a indústria exportadora de laticínios do Brasil –, Marcelo Martins, ressaltou que as negociações do setor com a China mudaram muito no passado recente. “Há cinco anos havia uma dificuldade muito grande em relação aos requisitos sanitários. Mas, no último ano, talvez por uma mudança na questão geopolítica, a China quer expandir as parcerias”, disse. 

Em julho, o gigante asiático habilitou 24 indústrias de laticínios do Brasil a exportar para lá. “Como a China cresce 13% ao ano, nosso sentimento é o de que eles querem expandir o leque de parceiros comerciais.” Martins citou que 90% do que a China importa de lácteos vem da Nova Zelândia e entre 5% e 6% da Austrália. “São importações muito concentradas; uma situação de hegemonia. Por isso eles querem diversificar seus fornecedores”, acredita o representante da Viva Lácteos

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