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O Futuro dos Negócios

Opinião|Oito por cento de paz

Em um mundo repleto de riscos, a tecnologia segue desempenhando um papel cada vez mais relevante tanto como causa quanto como solução

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Atualização:

O jornalista e escritor norte-americano Chris Hedges publicou, em 2003, o livro What Every Person Should Know About War (ou “O que todas as pessoas deveriam saber sobre a guerra”). Trata-se de um verdadeiro manual sobre o tema, formatado como uma sequência de perguntas e respostas — sem adjetivos, opiniões políticas ou comentários humanitários. Apenas os fatos, do alistamento militar à morte em batalha, passando por tópicos como armas, ferimentos, tortura e prisão.

Uma das primeiras perguntas que o livro responde é se o mundo já esteve em paz: nos últimos 3.400 anos, a humanidade esteve “inteiramente em paz” em 268 deles — ou cerca de 8% do tempo. Depois, o autor estima que, ao longo da história da civilização, o número total de mortos em guerras esteja entre 150 milhões a 1 bilhão, sendo que mais de 100 milhões de mortes ocorreram apenas no século XX (que, vale lembrar, acabou há mais de vinte anos).

Em nosso mundo movido à tecnologia, não é raro que inovações acabem gerando efeitos colaterais Foto: Wilton Junior/Estadão

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O desenvolvimento tecnológico traz vantagens inegáveis para qualquer participante de um conflito: quanto mais sofisticados os equipamentos, maior a chance de vitória. Esta é uma das faces do paradoxo da tecnologia, sobre o qual falamos na última coluna: seu desenvolvimento desencadeia novos problemas, que ela mesma será responsável por resolver. A invenção do avião ou a descoberta do processo de quebra do átomo foram quase que imediatamente transformadas em armas, em consonância com o instinto territorialista e bélico dos seres humanos. Agências militares ao redor do mundo possuem amplo interesse em inovação e pesquisa científica, buscando garantir soberania e vantagens no cenário geopolítico global.

Tomando como exemplo a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o maior conflito global da história recente, podemos enumerar múltiplas tecnologias que foram aceleradas e que eventualmente transformaram a sociedade e os negócios. A aviação a jato, o radar, computadores (cujo principal objetivo naquele momento era o cálculo da trajetória de projéteis) e a penicilina acabaram encontrando na guerra um catalisador para seu desenvolvimento e utilização, e no pós-guerra tornaram-se parte do dia-a-dia de centenas de milhões de pessoas e negócios.

Em nosso mundo movido à tecnologia, não é raro que inovações acabem gerando efeitos colaterais importantes: o aumento da concentração de gases nocivos à atmosfera após a Primeira Revolução Industrial, ataques cibernéticos a empresas, bancos e governos com a ampla digitalização dos negócios, e problemas de saúde mental que afligem especialmente os mais jovens após a popularização das redes sociais como Instagram e TikTok — apenas para citar alguns exemplos. Mas o caminho do avanço tecnológico e da aceleração de sua adoção é inexorável, e os benefícios gerados para sociedade ainda parecem superar em muito os malefícios.

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O último relatório de riscos globais, publicado pelo Fórum Econômico Mundial em janeiro deste ano, foi produzido com base nas respostas de cerca de mil especialistas e líderes envolvidos com governos, a sociedade civil ou negócios. Entre os dez riscos mais importantes para os próximos dez anos, metade têm relação com o meio ambiente (inclusive os três primeiros), três são riscos ligados à sociedade, um ligado à economia e um ligado à situação geopolítica global. Como era de se esperar, e como já discutimos em múltiplas ocasiões neste espaço, as preocupações com a crise climática sem precedentes que estamos vivendo ocupam posição de destaque neste ranking.

Tecnologias emergentes ligadas às cidades, ao campo, à energia e a novos materiais são apenas alguns dos exemplos que iremos discutir em nossa próxima coluna — uma pequena lista de iniciativas em desenvolvimento com o objetivo explícito de atacar questões críticas para a sobrevivência do planeta — gerando, simultaneamente, significativos impactos no mundo dos negócios. Até lá.

Opinião por Guy Perelmuter

Fundador da Grids Capital e autor do livro "Futuro Presente - O mundo movido à tecnologia", vencedor do Prêmio Jabuti 2020 na categoria Ciências. É engenheiro de computação e mestre em inteligência artificial

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