Herança fiscal pesará para todos os candidatos, dizem analistas

Esta é a segunda de cinco reportagens especiais sobre um dos grandes desafios a serem enfrentados pelo futuro presidente da República: como evitar que a economia brasileira repita os erros que levaram a Argentina à pior crise de sua história

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Por Agencia Estado
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A delicada situação fiscal do Brasil é uma ?herança pesada? da qual nenhum dos candidatos à presidência do País vai escapar. A avaliação é do economista-chefe do ABN Amro para mercados emergentes, o uruguaio Arturo Porzecanski. ?Essa herança exige um governo responsável, seja quem for o vencedor das eleições, já que a realidade hoje é um Brasil com uma volumosa dívida pública, interna e externa, e ainda dependente de capital estrangeiro?, diz Porzecanski, economista-chefe do ABN Amro para mercados emergentes. Em entrevista à Agência Estado, concedida por telefone, de Nova York, ele observa que o Brasil tem hoje cada vez mais dívida e menos ativos e isso provoca, e provocará, ?eco? na economia. ?O fato é que isso é uma herança pesada para todos, para qualquer candidato?, reafirma. Para o economista Carlos Winograd, professor da Universidade de Paris e consultor de instituições financeiras, a frágil situação fiscal do País não oferece aos candidatos muito espaço para cometer equívocos, caso cheguem ao Planalto. ?Nenhum deles precisa de muito erro para levar o Brasil a uma situação de crise econômica e financeira?, alerta Winograd que integrou a equipe econômica do governo argentino na gestão de Fernando de La Rúa. De acordo com ele, o número limitado de equívocos na formulação da política econômica ou na sua execução até as eleições e no período imediatamente posterior pode gerar complicações com alto custo econômico e social para o País. Lições da Argentina Sem forçar situações, mas fazendo alguns paralelos, Porzecanski afirma que a ?Argentina de ontem lembra um pouco o Brasil de hoje?, principalmente se for considerada a questão da dívida pública. ?Embora a dívida brasileira não esteja totalmente atrelada ao dólar, como a da Argentina, ela é gigantesca?, observa. Outro aspecto que lembra muito a Argentina, acrescenta Porzecanski, é o poder dos governadores das províncias. ?Imaginem se os futuros governadores dos Estados brasileiros começarem a andar em direção oposta à do governo federal, principalmente na questão da responsabilidade fiscal?, diz o economista. A isso, acrescenta ele, soma-se ainda a possibilidade de o futuro governo não obter maioria no Congresso, o que certamente fará surgir temores sobre a governabilidade. Para Porzecanski, essas são as duas lições da Argentina para o Brasil. Winograd acredita que, apesar de nenhum candidato representar por si só um risco à gestão econômica brasileira, a falta de experiência de alguns deles no Executivo federal faz pensar que a exigência do mercado em termos de credibilidade será necessariamente maior para o Partido dos Trabalhadores (PT) do que para o partido governista. ?A estratégia de gestão fiscal e monetária e de política econômica que o PT pretende conduzir se ganhar as eleições não está totalmente clara, e isso certamente introduz um risco em uma situação de fragilidade econômica na região e no Brasil?, diz o professor e consultor. Segundo Winograd, a liderança do PT tem entendido algumas das restrições políticas para ganhar as eleições, inclusive se deslocando para o centro. ?O que não está claro é a segunda fase do jogo: o que fazer se ganhar as eleições?, indaga. Para o professor da Universidade de Paris, os agentes econômicos não esperam a comunicação e acabam se protegendo, como qualquer indivíduo. ?Entender o funcionamento do mercado financeiro e da economia capitalista requer antecipar a reação dos diferentes atores quando estes não têm suficiente informação sobre o curso de ação dos que vão definir a política econômica?, acrescenta Winograd. Responsabilidade política Para Porzecanski, a questão econômica pode até ser manejada, porém desde que haja responsabilidade política. ?Isso não ocorreu na Argentina, onde certas decisões foram tomadas erroneamente ou, em alguns casos, houve falta de decisões certas, que acabaram minando a situação da dívida do país?, lembra. O economista vai além com o paralelismo: ?Vocês imaginam o que ocorreria se um dos partidos da base governista decidisse afastar-se do poder em um momento de crise econômica?. Pois é, isso também ocorreu na Argentina. É bom lembrar que, por trás de toda crise econômica, sempre há uma crise política.? Porzecanski alerta, por isso, sobre o cuidado que os candidatos precisam ter ao fazer declarações públicas. De acordo com ele, o alto grau de globalização e de interconexão dos mercados fazem com que os políticos tenham hoje menor grau de liberdade. ?Vivemos em uma espécie de ?global village? e qualquer equívoco tem hoje o potencial de fazer eco não só dentro de um país como fora dele?, diz o economista. Segundo ele, o mundo (investidores) olha a TV e tem acesso à Internet e os políticos precisam entender isso. ?Sempre que posso, alerto os políticos a terem cuidado com o que dizem, já que as informações chegam a qualquer lugar do mundo em segundos. Isso é a globalização e os políticos precisam entender que o grau de liberdade que hoje têm é mínimo.? Ele explica ainda que a nova realidade econômica exige clareza, transparência e entendimento sobre como funcionam os mercados e a globalização. ?Alguns (políticos) ainda falam uma coisa em uma cidade e dizem outra em outro lugar.? Para ele, o perigo hoje é pretender não mostrar o caminho que o Brasil vai seguir em matéria de política cambial, por exemplo. ?É importante reconhecer que, hoje, o regime cambial de uma economia é um dos maiores ou a única causa das crises financeiras do passado. Os políticos precisam entender isso e mostrar clareza sobre a política cambial e econômica que pretendem seguir?. Winograd diz, por sua vez, que alguns sinais são fundamentais, como reforçar a autonomia do Banco Central, gerando previsibilidade, reforçar as instituições da política econômica e anunciar um programa fiscal consistente, sem por isso abdicar de mudanças na estrutura do gasto. ?Se não fizerem isso no período pré-eleitoral, a tarefa, uma vez no governo, será muito mais dura e complicada e os custos para recuperar a credibilidade pode impor restrições mais severas no futuro?, alerta o economista. Leia o especial

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