Passados 40 anos de trabalho, o diretor comercial Guilherme Lobarinhas virou estatística e, no fim de 2014, aos 68 anos, enfrentou o desemprego pela primeira vez. Enviou mais de 600 currículos, mas sem respostas. A única entrevista que conseguiu só aconteceu em fevereiro deste ano, depois de se inscrever para uma vaga de estagiário na agência de publicidade DMV Comunicação.
Depois de seis meses como aprendiz, Lobarinhas foi efetivado e se tornou diretor da área digital. “Apesar de estar aposentado, eu não sei ficar sem trabalhar. Aqui coloco em prática meu conhecimento de décadas em venda”, afirma.
Depois dos jovens com até 25 anos, são justamente os idosos, pessoas acima de 60 anos, os que mais sofrem com o cenário de desemprego, que já atinge 12 milhões de pessoas. Do quarto trimestre de 2014, último período antes da piora do mercado de trabalho, para o segundo trimestre deste ano, o desemprego entre os idosos cresceu 132%, de acordo com o Ipea.
Com a crise econômica e a dificuldade de voltar ao mercado, são os postos de trabalho informal, as profissões liberais e mesmo as vagas de estágio que se mostram como oportunidade para essa mão de obra.
“O estágio é também um emprego, algo tão difícil para pessoas nessa idade. E ainda é uma ajuda para quem a aposentadoria é insuficiente, especialmente porque muitos passaram a ajudar mais nas contas de casa”, diz o professor de Recursos Humanos da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), Marcelo Treff.
Cadastros. Especialistas em recrutar estagiários também registram aumento de cadastros de candidatos mais velhos. No banco de dados do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) há 7,2 mil profissionais com mais de 40 anos estagiando. Desse total, 2,73% passaram dos 60 anos. No site da recrutadora Nube, as estatísticas mostram que estagiários a partir de 40 anos tiveram alta de 21,6% de 2015 para 2016.
“Existem companhias que têm adotado a estratégia de contratar pessoas mais experientes porque perceberam que têm grandes ganhos com a diversidade da força de trabalho”, diz a coordenadora de treinamentos na Nube, Rafaela Gonçalves.
A percepção das recrutadoras é reforçada pelo ensino superior, onde o número de matrículas de pessoas a partir dos 60 anos cresceu 8,5% de 2014 para 2015, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacional (Inep). Estudante do 5.º semestre de Pedagogia, Dirce Gonçalves, de 61 anos, completou o estágio obrigatório e logo foi selecionada para um estágio remunerado na rede de ensino de Jundiaí (SP). “Era um sonho. Agora, quero seguir na área, porque ainda existem muitas coisas para fazer.”
Porém, se os candidatos chegaram à terceira idade, o mercado de estágio ainda dá seus primeiros passos. Segundo Luiz Edmundo Rosa, diretor nacional de desenvolvimento de pessoas da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-Brasil), a inserção de idosos nesse tipo de vaga é inexpressiva.
“É uma solução isolada e pontual, que pode até ter um lado de oportunismo, em que não se precisa registrar o trabalhador. São poucas as oportunidades em que o estágio é realmente de aprendizado, porque essa é uma fase para quem está começando uma carreira”, diz Rosa. Para ele, o mais importante para o idoso é “sentir que tem uma ocupação”.
Ponte. A vontade de se sentir útil é o que faz o médico pesquisador da terceira idade e presidente do Centro Internacional da Longevidade (ILC) no Brasil, Alexandre Kalache, acreditar que o idoso é um elemento que pode beneficiar uma empresa. Para ele, o mais velho consegue atenuar tensões no ambiente de trabalho, fazendo a ponte entre os mais jovens e a chefia. “As preocupações são distintas, ele valoriza mais o emprego, raramente falta e, no geral, não está preocupado em construir carreira mas, sim, em deixar um legado.”
Segundo Kalache, os idosos de hoje, a geração babyboomer – nascida após a 2.ª Guerra Mundial –, trazem a cultura da sua juventude para se aventurar em novas experiências, inclusive na vontade de continuar trabalhando. “Essa foi a primeira geração que teve adolescência e não começou a trabalhar aos 12 ou 13 anos. Agora, está criando a gerontolescência. Esses idosos vão experimentar, se rebelar.” TRÊS PERGUNTAS PARA ...
Mórris Litvak, fundador do MaturiJobs
1.O que motivou a criação do MaturiJobs e qual o perfil dos usuários do site?
Em 2014, eu tinha um projeto para aproximar jovens e idosos em asilos. Mergulhado nesse universo, participei de eventos em que muitos diziam ter dificuldade de encontrar emprego por causa da idade. Criei a plataforma por não encontrar um site de vagas abrangente para esse público. No geral, quem se inscreve no MaturiJobs tem alto grau de instrução e quer continuar ativo. Há, ainda, quem busque outras oportunidades de acordo com os interesses. Hoje, temos mais de 4,5 mil cadastrados e o crescimento médio de acessos é de 25% ao mês.
2.Como é a relação com as empresas e qual a maior dificuldade?
Estamos procurando empresas, falando desse público e de como ele pode ser útil. O desafio ainda é vencer o preconceito. Muitas acreditam que a pessoa que passou dos 50 anos já está defasada, não entende de tecnologia e não serve mais para trabalhar. Acessei diferentes sites que ofertam vagas de emprego e vi que alguns deles sugeriam, entre outras coisas, que o candidato ocultasse a idade. Também existe o argumento de que os custos são altos em caso de CLT, já que os planos de saúde são mais caros, por exemplo. Alguns alegam que o mais velho tem salário mais alto, o que não é necessariamente verdade, pois muitos estão dispostos a receber menos do que ganhavam e até dispostos a mudar de área. As empresas que anunciam no site têm percebido as vantagens desse profissional depois de terem problemas com os mais jovens, como a intensa rotatividade de pessoas e a falta de comprometimento.
3.Os idosos também sentiram as mudanças das relações trabalhistas?
Sim, eles sentem que têm de se reinventar constantemente. Mostram interesse por economia compartilhada e não querem um emprego formal.